A realidade da pandemia e a desvalorização da vida

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A cada dia cresce o número de mortos pelo novo coronavírus. O Brasil tem mais de 1.000 mortos por dia. No dia 30 de julho de 2020, a Covid-19 bateu recorde no Brasil: chegamos à marca de 1.664 mortos em apenas um dia, tendo no total mais de 90.000 mortes e mais de 2.500.000 casos confirmados. Os dados assustam devido à situação fora de controle.

O ser humano é fruto da sua realidade e do seu ambiente e está à mercê das lideranças, sejam elas políticas, religiosas, econômicas. Os números de mortos denunciam a fragilidade do ser humano. A condição em que o Brasil se encontra, sendo o segundo no ranking de casos e mortes, assusta e não corrobora para o sentimento evangélico do cuidado para com o próximo. Neste contexto, é impossível ignorar a realidade e, de forma concreta, não procurar uma conduta moral para nossa proposta de vida.

Por isso, diante dos números crescentes de mortos e da desvalorização da vida, inclusive dos profissionais de saúde, devemos observar a caminhada e a responsabilidade diante das atrocidades e mortes diárias. O ser humano – livre e consciente – busca o poder e a realização, independente da sua condição. Hannah Arendt, em seu livro “A condição humana”, afirma que “o fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável”. (Arendt. A Condição Humana, 2002, p. 191).

Essa realidade nos convida a um debate sobre a nossa condição humana e a nossa conduta ético-moral. Aqui, faço um paralelo para refletir o termo “banalidade do mal”, cunhado pela Hannah Arendt, filósofa política que nos convoca a refletir e compreender o que acontece com a nossa sociedade.

Na atual pandemia, primeiramente, é imprescindível salientar, para além dos números, que são vidas humanas e histórias que se perderam. Por isso, analisar a pandemia da Covid-19 se torna urgente, pois devemos voltar nossa preocupação para com o próximo e acolhê-lo na sua dor.

O Brasil, carente de liderança, principalmente voltada para a saúde, tem se mostrado despreparado para enfrentar a pandemia. Mediante os constantes esforços, muitas vezes solitários dos profissionais da saúde, vemos um descrédito dos líderes e a das autoridades públicas. A leitura de Hannah Arendt nos ajuda a refletir sobre as dificuldades que enfrentamos e a desvalorização da vida humana.

Assim, não podemos passar os dias sem nos questionar: até quando iremos encarar os números alarmantes, e em constante crescimento, dos mortos pela Covid-19? A resposta aparenta ser simples, mas não é bem assim, a forma antiética que lidamos com a dor do outro só reforça que acostumamos com as mortes e ignoramos as vítimas desta pandemia. As dores dos que perderam algum membro da família na atual pandemia e as injustiças corroboram para um aumento da agonia. Por isso, é importante observar que “o coronavírus é, certamente, não só a maior epidemia, mas também a maior crise social em tempos de paz”, como afirma o virologista Peter Piot em entrevista ao site “El Pais”.

Não podemos negar os fatos e é preciso ter presente a dignidade da vida humana: as vidas importam. Hoje, diante dessa pandemia, temos de lutar pela vida. Ela está sendo desprezada diante do descaso a que está sendo submetida. Ela não pode ser tratada como uma mercadoria, como algo descartável diante da lógica capitalista. A vida é o dom mais precioso que nos foi dado e não pode ser reduzida a uma moeda de troca.

Vivemos um período de grande incerteza e insegurança, entretanto é necessário se apegar à esperança de um mundo melhor e, acima de tudo, uma nova forma de viver: mais autêntica e humana. Que possamos ser anunciadores da Justiça e da Paz e não propagadores de discursos vazios ou como sepulcros caiados, como Jesus criticava os fariseus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda podridão.” (Mt 23,27)

Nesse tempo de recolhimento e isolamento social, que possamos observar a nossa realidade e vivência para fazer valer os mandamentos atentos às nossas condutas éticas frente à exclusão, ao desprezo e ao maltrato com o próximo.


Robson Ribeiro de Oliveira Castro é leigo, casado, pai da Emília e do Francisco. Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Atualmente leciona no Instituto Teológico Franciscano (ITF). E-mail: robsonrcastro@yahoo.com.br.

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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