Conferencia del Episcopado Mexicano.Atendendo ao chamado do Papa Francisco para avaliar a aplicação dos indicativos da Conferência de Aparecida, realizada em 2007, e discernir sobre os desafios atuais da missão evangelizadora da Igreja no continente americano, foi realizada, entre os dias 21 e 28 de novembro, a 1a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe.
Com o tema “Somos todos discípulos missionários em saída”, o encontro organizado pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) ocorreu com cerca de cem pessoas presencialmente na sede da Conferência Episcopal Mexicana, na Cidade do México, e outras mil de modo on-line. Bispos, padres, diáconos, religiosos(as) e leigos(as) deram sequência às reflexões iniciadas na fase de escuta da Assembleia Eclesial, realizada de abril a agosto.
Na missa de encerramento, no domingo, 28, no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, o Cardeal Marc Ouellet, Prefeito para a Congregação Conferencia del Episcopado Mexicano dos Bispos e Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, afirmou que a Assembleia Eclesial fez com que a Igreja voltasse a “tomar consciência de sua identidade missionária como povo a caminho; como corpo e esposa de Cristo, como povo sacerdotal, portador e mediador do dom do Espírito Santo a todas as nações”, e contribuiu “para forjar ainda mais a unidade de nosso continente cristão, mariano e cada vez mais sinodal”, afirmou na homilia.
Em coletiva de imprensa, no sábado, 27, Dom Miguel Cabrejos, Presidente do Celam, comentou que ao longo da Assembleia todos aprenderam mais sobre o espírito de oração, comunhão e fraternidade.
Um relatório sobre o evento deve ser apresentado ao Papa Francisco em breve e as reflexões poderão ser aprofundadas nas dioceses e conferências episcopais do continente americano.
PROXIMIDADE E ESPERANÇA
Em mensagem final ao povo da América Latina e do Caribe, os participantes afirmaram que ao longo do encontro, Jesus os acompanhou na tarefa de “repensar e relançar a missão evangelizadora nas novas circunstâncias latino-americanas e caribenhas; tarefa que nos tem comprometido em um caminho de conversão decididamente missionário, para submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida (cf. Documento de Aparecida, DAp, 366); propósito em que avançamos e que requer maior responsabilidade pastoral”.
Ressaltaram, ainda, ter vivido “uma verdadeira experiência de sinodalidade, na escuta mútua e no discernimento comunitário a respeito do que o Espírito quer dizer à sua Igreja. Temos caminhado juntos, reconhecendo nossa poliédrica diversidade, mas sobretudo aquilo que nos une, e no diálogo nosso coração de discípulos se tem voltado para as realidades que vivem o continente, suas dores e esperanças. Constatamos e denunciamos a dor dos mais pobres e vulneráveis que sofrem o flagelo da miséria e das injustiças”, consta no texto em que se alerta, ainda, para a destruição da casa comum e a “cultura do descarte”.
“Preocupa-nos, também, a falta de profetismo e solidariedade efetiva com os mais pobres e vulneráveis. Por outro lado, nos enche de esperança a presença dos sinais do Reino de Deus que levam por caminhos novos para a escuta e o discernimento. O caminho sinodal é um significativo espaço de encontro e de abertura para a transformação das estruturas eclesiais e sociais que permitam renovar o impulso missionário e a proximidade com os mais pobres e excluídos”, consta em outro trecho.
Os participantes expressaram, ainda, que “esta Assembleia é um kairós, um tempo propício para a escuta e o discernimento que nos conecta de forma renovada com as orientações pastorais de Aparecida e o magistério do Papa Francisco e nos impulsiona a abrir novos caminhos missionários para as periferias geográficas e existenciais e lugares próprios de uma Igreja em saída”.
Por fim, lembraram que a sinodalidade é parte da essência da Igreja, “assim, não é uma moda passageira ou um lema vazio. Com a sinodalidade, estamos aprendendo a caminhar juntos como Igreja povo de Deus, envolvendo a todos sem exclusão na tarefa de comunicar a todos a alegria do Evangelho”.
DESAFIOS PASTORAIS
A partir das reflexões feitas ao longo do encontro, foram sintetizados 12 desafios pastorais para a Igreja no continente (leia ao final da reportagem), os quais são referentes à participação dos jovens e das mulheres nas instâncias de discernimento e decisão; ao acompanhamento às vítimas de injustiça, pobres, povos originários e afrodescendentes; à ampla defesa da vida e da dignidade humana; à valorização da sinodalidade e erradicação do clericalismo; ao itinerário formativo nos seminários; à priorização da ecologia integral e ações para propiciar aos fiéis o encontro pessoal com Cristo.
Esses temas sobressaíram nas reflexões dos grupos comunitá- rios de trabalho, estiveram nas falas dos assessores da Assem- bleia e foram trazidos a público nas coletivas de imprensa realiza- das ao longo do evento.
No dia 23, por exemplo, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e 1º Vice -Presidente do Celam, falou aos participantes da Assembleia sobre a conversão pastoral e missionária apresentada no Documento de Aparecida, que indica que se passe de uma pastoral de mera conservação a uma verdadeira renovação missionária, que ofereça respostas às novas questões eclesiais e sociais. “A Igreja como um todo é chamada a se renovar, a se voltar cada vez mais para Jesus e a renovar a sua adesão a Cristo e ao Evangelho”, o que, conforme lembrou Dom Odilo, exige de todos “coragem para assumir novas atitudes e abandonar velhas práticas que já não dão frutos, que já estão pastoralmente superadas”.
Em uma das coletivas de imprensa, a Irmã Liliana Franco, presidente da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (Clar), comentou que deve haver a valorização das mulheres na Igreja, na medida em que trazem “uma espiritualidade nova, criativa, simbólica e atualizada à maneira de Jesus”. Já a Irmã Maria Inês Vieira Ribeiro, presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), lembrou que a uma vida religiosa profética segue a opção preferencial pelos pobres e não discute a ordenação de mulheres, mas, sim, a presença feminina nos processos decisórios: “O papel da mulher na Igreja é estar presente onde a vida mais clama”.
No sábado, 27, o Cardeal Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo, falou sobre a Igreja na Amazônia. Ele recordou que, na Jornada Mundial da Juventude de 2013, o Papa Francisco destacou que a presença da Igreja na região não tem um fim exploratório, mas, sim, a transmissão da fé. “Mas gostaria, diz o Papa, de acrescentar que deveria ser mais incentivada e relançada a obra da Igreja ali na Amazônia, para consolidar os resultados no campo da formação de um clero autóctone. E consolidar, vejam, consolidar, por assim dizer, o rosto amazônico da Igreja. E sobre isso, dizia o Papa, por favor, peço para serem corajosos, para se- rem ousados”, lembrou o Presidente da Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama), organismo criado em 2020.
Em uma das coletivas de imprensa, o padre colombiano Venâncio Mwangi, IMC, pediu que se olhe com mais atenção à população afrodescendente na Igreja e na sociedade como um todo, pois estes fiéis também querem “viver o mistério da Encarnação” e “sentar-se à mesa”. Irmã Blanca Karina Farias Torres, do Canadá, falou sobre a urgência de um trabalho integrado da Igreja com outras instituições em favor dos migrantes e refugiados. Já o Padre Juan Luis Negrón, de Porto Rico, destacou que é importante preparar os seminaristas para viver, desde já, uma experiência de cor- responsabilidade na Igreja.
A Pastoral Juvenil Latino-Americana apresentou uma carta aos participantes, mapeando as situações desafiadoras aos jovens no continente, como o desemprego, pobreza, exclusões, violências e dificuldades para acesso a políticas públicas. Pediu, também, mais espaço nas esferas de decisão da Igreja. “Não somos uma parte isolada da comunidade, somos membros da comunidade e, como disse o Papa Francisco: ‘A juventude não é uma sala de espera’ (Missa final da JMJ do Panamá 2019).”
Aos 35 anos, o advogado brasileiro Alan Faria Andrade Silva, mestre e doutorando em Direito pela PUC-SP, foi um dos 82 participantes que tinham até esta faixa etária. Ele ressaltou à reportagem que o Papa Francisco a todos convida para “viver na unidade que é igual à sinodalidade. Por mais que a sinodalidade seja um termo e uma proposta nova, a unidade sempre foi algo presente, tanto no Judaísmo quanto no Cristianismo. Também há o respeito à diversidade e peculiaridades do nosso povo latino-americano e caribenho, com nossas línguas, construções históricas, culturas, sofrimentos e alegrias”.
SINODALIDADE
A sinodalidade, tema do Sínodo universal (2021-2023), foi um dos assuntos centrais das reflexões feitas ao longo da 1a Assembleia Eclesial. Durante o painel “Da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe ao Sínodo da Sinodalidade”, na quinta-feira, 25, o Cardeal Ouellet lembrou que, com o Sínodo universal, o Papa “quer que aprendamos a ouvir melhor o Espírito Santo em todos os níveis da Igreja”, o que significa “escutar a todos e a cada um com atenção, sem pressa, sem ideias preconcebidas ou preconceitos”. Em coletiva de imprensa, o Purpurado comentou que em uma Igreja cada vez mais sinodal, todos devem se sentir “participantes, respeitados, membros, que todos tenham uma contribuição a fazer”. Também enfatizou que a Igreja é uma só: “Não existe o povo de Deus e a Igreja hierárquica; a hierarquia é parte do povo de Deus”.
Participante do mesmo painel, o Cardeal Mario Grech, Secretário do Sínodo dos Bispos, lembrou que a comunidade sinodal “tem um desejo inesgotável de oferecer misericórdia, dar frutos e sabe celebrar”. Ele alertou que é preciso haver uma “conversão sinodal” daqueles grupos e seitas cristãs “que promovem uma compreensão individualista e íntima da fé”. Ainda nessa perspectiva, o Cardeal disse, em coletiva de imprensa, que a Igreja é como um prisma, uma mesma realidade, mas com rostos diversos: “No povo de Deus, todos devemos aprender e cada um começa sua caminhada em um ponto diferente”.
A “Sinodalidade do povo de Deus” foi o tema do momento de reflexão da sexta-feira, 26, com o teólogo venezuelano Rafael Luciani e a Irmã María Dolores Palencia, mexicana.
Luciani lembrou que a sinodalidade requer uma escuta autêntica, que “deve envolver todos os sujeitos eclesiais, em relações horizontais baseadas na dignidade batismal e no sacerdócio comum de todos os fiéis” e que para tal também é preciso desfazer “as relações desiguais, de superioridade e subordinação próprias do clericalismo, e apostar na necessidade recíproca e no trabalho conjunto”.
Irmã María Dolores recordou que já há no continente americano sinais emergentes da Igreja si- nodal, como o Celam e a Ceama, bem como os sínodos diocesanos e a própria Assembleia Eclesial. A religiosa destacou a necessidade de que se fortaleça a ideia de que “todo o povo de Deus é responsável por ações transformadoras, flexíveis, atentas às necessidades das novas gerações e, junto com elas, que possam recriar uma comunidade eclesial participativa, de consenso, com novas e diversas formas de viver a autoridade e de tomar decisões”.
(Com informações do Celam e da comunicação da Assembleia Eclesial)
12 DESAFIOS PASTORAIS
- Reconhecer e valorizar o protagonismo dos jovens na comunidade eclesial e na sociedade como agentes de transformação;
- Acompanhar as vítimas das injustiças sociais e eclesiais com processos de reconhecimento e reparação;
- Impulsionar a participação ativa das mulheres nos ministérios, nas instâncias de governo, de discernimento e decisão eclesial;
- Promover e defender a dignidade da vida e da pessoa humana, desde sua concepção até a morte natural;
- Incrementar a formação voltada para a sinodalidade, a fim de erradicar o clericalismo;
- Promover a participação dos leigos nos espaços de transformação cultural, política, social e eclesial;
- Escutar o clamor dos pobres, excluídos e descartados;
- Reformar os itinerários formativos dos seminários, incluindo temáticas como ecologia integral, povos originários, inculturação e interculturalidade e pensamento social da Igreja;
- Renovar, à luz da Palavra de Deus e do Vaticano II, nosso conceito e experiência de Igreja povo de Deus, em comunhão com a riqueza de sua ministerialidade, para que se evite o clericalismo e se favoreça a conversão pastoral;
- Reafirmar e dar prioridade a uma ecologia integral em nossas comunidades, a partir dos quatro sonhos de Querida Amazônia;
- Propiciar o encontro pessoal com Jesus Cristo encarnado na realidade do continente;
- Acompanhar os povos originários e afrodescendentes na defesa da vida, da terra e das culturas.