O Custódio da Terra Santa, diante das imagens que marcaram tragicamente o último ano de sangue, contrapõe três rostos: ”A mãe de Hersh, um refém morto. Um crismando em Gaza. E o Papa Francisco”.
As roupas ensanguentadas espalhadas pelo deserto de Negev. Os vídeos de mulheres, homens e crianças enterrados vivos e exibidos como troféus. Os bombardeios que transformaram Gaza em um monte de escombros.
O êxodo sem fim nem destino de um povo privado de tudo. O Líbano em chamas. Às imagens que marcaram tragicamente os últimos doze meses, o padre Francesco Patton, Custódio da Terra Santa, contrapõe três rostos, capazes de rasgar o véu do horror. “O de Rachel Goldberg-Polin, mãe de Hersh, sequestrado no Festival Nova e morto nos túneis do Hamas. O rosto de um crismando da Faixa de Gaza. E o do Papa Francisco”, afirma o religioso, em Jerusalém desde 2016. Anos intensos, contados em uma conversa com Roberto Cetera no recente Come un pellegrinaggio (Como uma peregrinação, em tradução livre, edições Terra Santa).
A entrevista é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 08-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Por que escolheu esses três rostos?
Rachel Goldberg-Polin se recusou, como ela disse explicitamente, a “colocar em competição os sofrimentos”. Ela decidiu não viver a sua dor como um fechamento, mas ficar aberta à tragédia do outro. O menino de Gaza, ao receber a Crisma do Cardeal Pizzaballa, definiu a comunidade cristã da Faixa como “a Arca em meio ao dilúvio de ódio”, parafraseando o nome do ataque do Hamas “Operação Dilúvio al-Aqsa”. No rosto do Papa, por fim, constatei um sofrimento profundo e autêntico pela guerra e por todos os envolvidos nela: os reféns e seus familiares, os mortos dos kibutzim, as vítimas de Gaza e do Líbano. Infelizmente, não vi nada semelhante na maioria dos líderes políticos.
Ontem foi o dia de jejum e oração pelo fim do conflito. Mas será que a paz ainda é possível?
Não é possível ou impossível, é necessária. Não há alternativa: nenhum dos dois povos sairá de lá. É mais realista, portanto, buscar a paz em vez da eliminação do outro. São Francisco tomou uma decisão radical: enviar seus frades à Terra Santa desarmados. Na época, parecia um ato absurdo. Em vez disso, os franciscanos permaneceram continuamente por oito séculos. Aqueles que vieram com espadas tiveram que ir embora mais cedo ou mais tarde.
Como construir a paz?
Num plano político, a paz é um processo. Para iniciá-lo – e isso já seria um sucesso – são necessárias ações concretas. Primeira entre todas, o cessar-fogo. E, ao mesmo tempo, uma negociação. O que implica a disposição dos dois lados de conceder para obter. Nesse caso, no entanto, o diálogo exige a intervenção de terceiros para facilitar e impulsioná-lo: os EUA e a UE devem pressionar Israel e os países árabes sunitas o Hamas. A Rússia e a China também deveriam se envolver, dada sua influência sobre Teerã. Por fim, é indispensável ter uma visão política do futuro. Não pode ser perpetuado indefinidamente o atual sistema homeostático feito de explosões periódicas de violência, repressão e cessação temporária das hostilidades até o próximo surto.
O que propõe?
A paz se obtém quando se concorda em construir algo. A Europa é um exemplo. Após séculos de guerra, o Velho Continente alcançou uma paz suficientemente estável graças a uma visão política que reduziu as razões do conflito – a competição por matérias-primas – por meio da criação do mercado comum. Também para o Oriente Médio, chegou a hora de ir além da solução de dois Estados, imaginando uma comunidade maior ligada por vínculos econômicos e políticos. Precisamos pensar fora dos esquemas. Precisamos, no entanto, de uma classe política com uma nova mentalidade, capaz de pensar fora dos esquemas do medo e do conflito, com os quais nenhum futuro pode ser realizado.
Que papel os cristãos podem desempenhar nesse sentido?
O de sinal e profecia: os cristãos, especialmente os de língua árabe, podem contribuir para construir pontes entre os mundos judaico e islâmico. O que me preocupa, entretanto, é a polarização entre os dois lados. De um lado, a direita religiosa israelense que aplica categorias do Antigo Testamento sem qualquer capacidade de leitura crítica do texto bíblico. Do outro, o fundamentalismo islâmico que instrumentaliza a religião para justificar a violência política. Como o Papa Francisco explicou com clareza inequívoca no Documento de Abu Dhabi e na encíclica Fratelli Tutti, a transformação da fé em um instrumento de poder e potência dos líderes religiosos e políticos é uma grave ofensa a Deus.
Fonte: ihu.unisinos.br