“É um momento diferente”: as relações entre as irmãs dos EUA e o Vaticano mudaram radicalmente

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De certa forma, o Relatório das Irmãs Globais começou pelo fim: o primeiro ano da sua publicação viu o fim tanto da visitação apostólica às religiosas nos Estados Unidos como da avaliação doutrinária da Conferência de Liderança das Religiosas especificamente.

A reportagem é Dan Stockman, publicada por National Catholic Reporter, 25-04-2024.

A visitação e a avaliação já aconteciam há mais de cinco anos. As investigações do Vaticano foram polêmicas, com os católicos mais progressistas a vê-las como um ataque às mulheres que tinham dedicado a vida inteira à Igreja, e os católicos mais tradicionais a vê-las como uma correção necessária para os religiosos que se tinham tornado demasiado seculares. Mas a visitação apostólica terminou em 16-12-2014, com um relatório elogiando amplamente a fidelidade e a contribuição das irmãs para a Igreja.

A avaliação doutrinária da Conferência de Liderança das Religiosas (LCWR, na sigla em inglês) terminou em 16-04-2015, com um relatório conjunto que mais uma vez elogiou a sua fidelidade e contribuições. Uma década depois daqueles tempos tensos antes da publicação dos relatórios, as irmãs dizem que a sua relação com as autoridades romanas é radicalmente diferente.

“É um momento diferente”, disse a Irmã Marlene Weisenbeck, membro das Irmãs Franciscanas da Adoração Perpétua e que era presidente eleita da LCWR quando a avaliação doutrinal foi lançada e se tornou presidente alguns meses depois. “Há novas pessoas nos dicastérios, temos um novo papa que liderou a Igreja buscando a aproximação de uns aos outros e ser transparente. É um momento diferente e a agenda mudou”.

Margaret Susan Thompson, historiadora da Universidade de Siracusa que examinou as freiras católicas americanas, disse que, embora as autoridades vaticanas já estivessem começando a mudar — tanto o prefeito quanto o secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que conduziam a visitação apostólica, foram substituídos por bispos vistos como mais simpáticos às religiosas — a aposentadoria do Papa Bento XVI em 2013 e a eleição do Papa Francisco não podem ser descartadas.

“Acredito que ambas as investigações foram menos preocupantes do que a maioria das irmãs temia que seriam quando foram iniciadas, e isso se deve, é claro, ao Papa Francisco“, disse Thompson. “Todo o tom do Vaticano, em particular em relação à vida religiosa, mudou radicalmente”.

A coisa mais importante que aconteceu foi que as irmãs aprenderam a ser verdadeiras consigo mesmas. Redescobrimos o coração de nossas vidas — Irmã Mary Ann Zollman (Tweet)

Weisenbeck disse que a relação entre as irmãs nos Estados Unidos e Roma passou de confrontadora para colaborativa, observando que os dicastérios estão trabalhando com elas para resolver os problemas relacionados às mudanças demográficas, como a falta de irmãs capazes de ocupar cargos de liderança. “Isso mostra que o dicastério está disposto a se envolver nas discussões e a solicitar opiniões”, disse ela. “É o outro lado da moeda”.

A Irmã Mary Ann Zollman, uma das autoras do livro de 2014 O poder da irmandade: religiosas contam a história da visitação apostólica, falou que o Vaticano se tornou mais um parceiro na evolução da vida religiosa e menos um impedimento. Zollman presidia as Irmãs da Caridade da Bem-Aventurada Virgem Maria na época da visitação e foi presidente da LCWR em 2002.

“Eles estão nos deixando livres para fazer o que precisamos fazer nestes tempos que são muito desafiadores para nós. Acho que Roma está observando com curiosidade qual será o próximo desdobramento nesta vida em nós e por causa de nós”, disse Zollman. “Roma está pedindo especificamente as respostas das congregações femininas para o sínodo — eles percebem que somos uma parte vital, vibrante e essencial para o avanço da vida desta Igreja”.

Nem sempre foi assim. “Eu me lembro de visitas a Roma que eram terrivelmente dolorosas”, disse Zollman. “Agora não é mais assim”. O Global Sisters Report pediu à LCWR um comentário sobre como sua relação com a hierarquia da Igreja mudou, mas as irmãs se recusaram a disponibilizar representantes, dizendo que “não consideram útil revisitar a relação que a LCWR teve com o Vaticano durante o período da avaliação doutrinal e compará-la com a situação atual”.

Eu acho que o Vaticano tinha medo das religiosas americanas. Levamos o Vaticano II a sério, nos renovamos. Fomos transformadas. O problema é que o Vaticano não fez tanta renovação quanto pediu para todos os outros fazerem — Irmã Simone Campbell (Tweet)

Simone Campbell, membro das Irmãs da Serviço Social e ex-diretora executiva da Network, lobby católico de justiça social, quando ela foi mencionada na avaliação doutrinal, disse que a mudança pode ser vista no trabalho de Francisco em sinodalidade, sua inclusão das mulheres como membros votantes plenos no Sínodo dos Bispos e sua nomeação de mulheres para vários cargos importantes no Vaticano. “A luta é que nem sempre isso se reflete em todas as dioceses e todas as paróquias da Igreja”, disse Campbell.

Zollman acrescentou que as investigações uniram as irmãs e reorientaram suas energias. “A coisa mais importante que aconteceu foi que as irmãs aprenderam a ser verdadeiras consigo mesmas. Redescobrimos o coração de nossas vidas”, disse Zollman. “Nos conectamos com nossas próprias comunidades, estabelecemos relações novas e duradouras com mulheres de outras congregações e conversamos com os leigos sobre o que é a vida religiosa”.

A então presidente da LCWR, Irmã Sharon Holland, do Imaculado Coração de Maria e canonista que passou 21 anos como uma das mulheres de mais alto escalão no Vaticano, disse à assembleia do grupo em 2015 que as investigações foram causadas por um abismo cultural entre as irmãs e a hierarquia da Igreja.

“De alguma forma, estávamos olhando para as mesmas realidades, mas estávamos em lugares diferentes”, disse ela em seu discurso presidencial. “Não percebemos que estávamos experimentando a incompreensão de dois grupos que não conheciam as suposições mais profundas um do outro. Corremos o risco de cair na armadilha de falar sobre o outro em vez de conversar mais profundamente com o outro”.

Carol Zinn, das Irmãs São José da Filadélfia que foi presidente da LCWR em 2013 e agora é a diretora executiva do grupo, escreveu em Noite longa: dando sentido em tempos de crise, o livro que a LCWR publicou sobre a avaliação doutrinal, que rapidamente ficou evidente que grande parte do conflito era sobre a reforma que as irmãs acreditavam que o Vaticano II exigia na vida religiosa e tradicionalistas que se opunham a isso.

“Desde o início de nosso trabalho (a diretiva do Vaticano em 2012 exigindo mudanças na LCWR), ficou claro para nós que esse mandato não existia em um vácuo e que, embora fosse direcionado à LCWR, era realmente sobre questões, percepções e realidades que iam além da LCWR”, escreveu Zinn. “Não éramos os únicos que se sentiam não ouvidos ou ignorados, que foram identificados como sendo infiéis ao ensino da Igreja, ou que estavam lutando para encontrar um lugar seguro onde as conversas sobre fé pudessem acontecer com respeito à diversidade e busca genuína de sentido. Não éramos os únicos que mantinham uma esperança profunda na visão de uma igreja e mundo do Vaticano II”.

Essa esperança não era compartilhada por muitos em autoridade na época das investigações, disse Campbell. “Acho que o Vaticano tinha medo das religiosas americanas”, explicou. “Levamos o Vaticano II a sério, nos renovamos. Fomos transformadas. O problema é que o Vaticano não fez tanta renovação quanto pediu para todos os outros fazerem”.

Thompson disse que uma das maiores razões para a mudança na relação é que Francisco e outros tomadores de decisão-chave eram membros de congregações religiosas eles mesmos. “Acho que isso fez uma grande diferença. Ele foi capaz de entender as complexidades das questões por dentro de uma maneira que Bento e os bispos nos Estados Unidos não eram capazes de fazer”, completou a religiosa.

Weisenbeck afirmou que um dos presentes desse tempo foi uma nova relação entre religiosos e leigos. “O apoio dos leigos foi simplesmente avassalador”, disse ela. “Temos muita gratidão pelos leigos que nos apoiaram”.

Fonte: ihu.unisinos.br/

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