No dia 15 de julho de 2019, quando a Ordem dos Frades Menores celebra a festa litúrgica de São Boaventura de Bagnoregio (1217-1274), a nossa Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil celebra seus 345 anos de existência.
Foi no dia 15 de julho de 1675 que o Papa Clemente X, mediante a Bula Pastoralis Officii, erigiu oficialmente a Província da Imaculada Conceição do Brasil, desmembrada da Província de Santo Antônio do Brasil, esta erigida como Província no dia 24 de agosto de 1657.
A Província da Imaculada Conceição do Brasil, ao ser criada, contava com 10 conventos. O mais antigo era o convento São Francisco (foto ao lado), em Vitória (ES), construído em 1591. Desse convento só permanece parte da fachada e algumas ruínas, local da atual Cúria da Arquidiocese de Vitória. O segundo convento, sem dúvida o mais importante da nova Província da Imaculada Conceição do Brasil, é o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, construído em 1608. Este convento foi a sede provincial por dois séculos, bem como o principal centro de formação dos frades nos estudos da filosofia e da teologia, chegando a ter uma das mais ricas bibliotecas do Brasil.
Os demais conventos da nova Província, por ordem de sequência, foram: Convento Santo Antônio de Santos, SP, 1640; Convento São Francisco em São Paulo, SP, 1642; Convento São Boaventura em Macacu, RJ, 1649 (em ruínas); Convento de Nossa Senhora da Penha, ES, 1650; Convento São Bernardino em Angra dos Reis, RJ, 1650 (ruínas); Convento Nossa Senhora da Conceição em Itanhaém, SP, 1654 (ruínas); Convento Nossa Senhora do Amparo em São Sebastião, SP, 1658, e Convento Santa Clara em Taubaté, SP, 1674, convento que atualmente pertence aos Frades Capuchinhos.
Poucos anos após sua criação, a Província da Imaculada Conceição construiu outros três conventos, a saber: o Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio, RJ, 1686 (ruínas); o Convento São Luís, em Itu, SP, 1691 (ruínas); e o Convento do Bom Jesus, na ilha do Bom Jesus, na Baía da Guanabara, RJ, 1704 (ali foi construído um hospício).
O que representou a presença franciscana nesses conventos? Quais atividades apostólicas que se evidenciaram a partir desses conventos?
Respondendo em palavras breves, esses conventos, antes de tudo, foram centros de irradiação do próprio carisma franciscano, com atividades apostólicas muito bem definidas que aqui destaco: a catequese entre os índios, as missões nas aldeias, a educação e o ensino elementar ministrado pelos frades nas escolas gratuitas do interior; a pastoral entre os escravos africanos nos portos e nas fazendas; as jornadas missionárias das zonas auríferas de MG e GO para a pacificação dos mineradores, além do atendimento ordinário nas igrejas e portarias conventuais. Como protótipos desta presença e atividades franciscanas, sem dúvida alguma merecem destaques Frei Pedro Palácios em Vila Velha, Frei Galvão ou Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, entre outros.
O período do florescimento da Província durou cerca de 100 anos, quando uma forte crise abalou os Frades Menores, advinda do Decreto de Marquês de Pombal (1764) proibindo a recepção de novos membros na Ordem dos Frades Menores. Este decreto, contudo, foi revogado em 1777. Mas o auge da crise começou com o decreto de 18 de maio de 1855, que proibiu a recepção de noviços para todas as ordens religiosas no Brasil. Esta campanha antirreligiosa desencadeada pelo Império Brasileiro fez com que a Província de Santo Antônio se reduzisse a apenas nove frades e a nossa Província da Imaculada Conceição a um único frade, Frei João do Amor Divino Costa (foto ao lado), que residia no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro.
Se a escravidão foi abolida em 1888, os franciscanos e as demais ordens religiosas continuaram a clamar junto ao governo brasileiro pela liberdade espiritual que continuava sendo escravizada. Somente aos 07 de janeiro de 1890, extinguindo o padroado, a circular de 18 de maio de 1855 que proibia a entrada de noviços e ordens religiosas aqui no Brasil perdeu sua validade. Por isso, depois de várias tratativas entre a Cúria Geral e a Santa Sé, a Província da Santa Cruz da Saxônia (Alemanha) aceitou o desafio de enviar novos missionários franciscanos ao Brasil.
Assim, no dia 10 de julho de 1891 chegaram ao Brasil, ou mais precisamente no vilarejo de Teresópolis, SC, os quatro pioneiros da restauração da Província da Imaculada, a saber: Frei Armando Bahlmann, Frei Xisto Maiwes, Frei Humberto Themans e Frei Maurício Schmalor.
O curioso é que a restauração da Província da Imaculada Conceição do Brasil não se iniciou pelo Convento Santo Antônio (RJ), onde ainda residia o último frade da antiga Província. O recomeço da vida franciscana no sudeste e sul do Brasil acontece através de uma nova forma de presença pastoral, o que nos permite aplicar tanto o tema do último Conselho Plenário da Ordem, “Vinho novo em odres novos”, como a busca de ressignificação da nossa presença no processo do redimensionamento da nossa vida e frentes de evangelização nos tempos atuais, tema do próximo Capítulo Geral da Ordem: “Frades Menores em nosso Tempo”.
O recomeço se dá na pequena vila de colonização alemã, Teresópolis – SC, cuja paróquia foi oficialmente entregue aos frades no dia 12 de novembro de 1891 e tinha 14 povoados, sendo que boa parte da população era de confissão luterana.
O que caracterizou esta retomada da vida franciscana? As crônicas nos falam de pregações missionárias, de catequese, da administração dos sacramentos, onde os frades procuravam atingir a comunidade inteira.
Assim, a pequena e primitiva Fraternidade de Teresópolis foi tomando corpo com a chegada de novos frades missionários vindos da Província da Saxônia e, consequentemente, novas fundações franciscanas foram surgindo: Lages, Blumenau, Rodeio, Petrópolis, Curitiba. E a partir de 1900 outras novas comunidades, como: Gaspar, Curitibanos, Santo Amaro da Imperatriz, Quissamã, Palmas, Florianópolis. E alguns dos conventos da antiga Província, os que ainda ofereciam condições de uso, também foram se transformando em residência dos frades.
O projeto da restauração da vida franciscana no Brasil fez com que a Província de Santa Cruz da Saxônia, Alemanha, enviasse mais de 200 frades alemães. Essa vinda de missionários foi tão significativa que no dia 14 de setembro de 1901, após 10 anos de atividades missionárias, as duas antigas Províncias Franciscanas (Santo Antônio no Nordeste e Imaculada Conceição no Sul) voltaram a ser Províncias independentes.
Assim, a nossa Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, restaurada a partir de 1891, teve um crescimento numérico extraordinário quando, por dois anos (em 1959 e em 1966) chegou a ter 713 frades! Isto significa que praticamente a cada década houve um aumento aproximado de cerca de 100 frades. Depois, a partir da década de 1970, constatamos um declínio numérico e hoje, no início de julho de 2014, contamos com 384 frades.
A nossa Província, a antiga fundada pelos portugueses (1675-1891) e a atual (de 1981 aos dias de hoje), teve características próprias em cada época. A Província antiga desenvolveu sua atividade evangelizadora a partir dos grandes conventos missionários. Já a Província restaurada, desde cedo passa a assumir uma presença missionária e evangelizadora a partir das paróquias confiadas aos frades e, junto às paróquias, merece destaque a presença e o envolvimento dos frades na evangelização na frente da educação (escolas paroquiais e colégios), tanto que a carência e a necessidade de cartilhas escolares fez com que os frades criassem uma pequena gráfica em Petrópolis, hoje Editora Vozes.
Também não faltaram à Província o zelo e o espírito missionário! Já houve um tempo em que mantínhamos uma equipe missionária itinerante. A este espírito missionário acrescenta-se a nossa presença missionária no Chile por cerca de 20 anos. Da mesma forma não podemos esquecer da ajuda fraterna e missionária à Custódia Franciscana das Sete Alegrias de Nossa Senhora, no Mato Grosso. E, sem dúvida alguma, a maior audácia missionária ocorreu no ano de 1991, quando comemoramos os 100 anos de restauração da nossa Província! Não sem sacrifício, mas com muita coragem e destemor assumimos a missão em Angola, justamente em tempos em que o país estava em plena guerra civil, e hoje vemos florescer a Fundação Imaculada Mae de Deus de Angola, com sensível crescimento vocacional.
Certamente todos nós temos tantas histórias a relatar neste aniversário! Diria apenas que, num olhar retrospectivo, podemos ser gratos pela vida dos irmãos que testemunharam sua santidade na evangelização. E nós, os 384 frades do presente, nos sintamos encorajados a viver a ‘inegociabilidade da profecia’ no hoje da nossa história, no espírito desta oração de São Francisco:
“Eterno Deus onipotente, justo e misericordioso, concedei-nos a nós míseros praticar por vossa causa o que reconhecermos ser a vossa vontade e querer sempre o que vos agrade, a fim de que, interiormente purificados, iluminados e abrasados pelo fogo do Espírito Santo, possamos seguir as pegadas de vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e por vossa graça unicamente chegar até vós, ó Altíssimo, que em Trindade perfeita e unidade simples viveis e reinais na glória como Deus onipotente por toda a eternidade.
Amém”.
Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM
Moderador da Formação Permanente
Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil