Reflexão I – “Crescer no amor universal com o coração indiviso”.

1118

 

Assembleia Geral da Família Franciscana-TOR (Terceira Ordem Regular)

PFD – REFLEXÃO I

Tema: CRESCER NO AMOR UNIVERSAL COM O CORAÇÃO INDIVISO

“Deus amou tanto o mundo que nos deu seu filho único, para que todo que nele crê tenha a vida eterna”. (Jo. 3,16ss)

O amor de Deus é grande. Não tem medida, sempre surpreende, irrompe, amplia e tudo compreende. Assim, podemos compreender que Deus amou tanto, tanto, tanto, a ponto de nos dar seu filho Jesus, para que crendo tenhamos a vida eterna. A vida nEle, a vida para sempre em eternidade.

É um grande mistério. Mistério Trino e Uno. Mistério de amor. E, deste mistério acolhemos a Boa Nova, que, como em São Francisco de Assis e Santa Clara, quer fazer habitação e morada em nós, como, em todos os lugares onde nos inserimos como encarnação.

Hoje a vida clama nos refugiados e tantos sofrimentos, a vida clama no feminicídio e nas constantes imigrações de povos, a vida clama desde as periferias sociais e existenciais, a vida clama nos pobres por pão, terra, teto, e grita por uma transformação pela vida de todos os povos e raças, homens e mulheres, jovens e crianças, grita pela vida na criação.

Este amor nos vem de Deus, pois Deus é amor. Amor Universal!

Este amor nos vem de uma kenosis do próprio Deus que se abre, esvazia, desce para o seio/ventre da jovem Maria para fazer-se “carne”, humano-humanidade. Faz nela Habitação! A sua casa! Na dinâmica do amor esta habitação faz morada no coração de quem crê. Pois crendo será fonte e instrumento para novas moradas de Deus.

A reflexão que segue tem sua referência na Regra da TOR  (Terceira Ordem Regular de São Francisco), número 08.

 “Façam sempre em si uma habitação e morada para Ele, que é o Senhor onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, e assim, com o coração indiviso cresçam no amor universal convertendo-se continuamente a Deus e ao próximo” TOR n. 8

1.1 A raiz do amor que nos faz crescer

A palavra “façam sempre”, indica uma ordem, e esta ordem direciona a ação a ser cumprida em fraternidade. “Façam uma habitação para Ele, o Pai, Filho e Espírito Santo”. O “Faça-se”, está presente nos relatos da criação onde Deus ordena e a vida acontece (Gn 1,1-31); o “faça-se” nos recorda Maria, que testemunha a realidade concreta de fecundidade ao gerar Jesus em seu ventre. Nos recorda São Francisco de Assis ao ordenar “façam em vocês” esta morada de Deus UNO e trino. O “fazer em nós” tem o seu primado em Deus que ordena e faz acontecer.

Crescer com o “coração indiviso” inteiro, sem divisões ou fragmentos, é pertencer unicamente a Deus. Em todo tempo e lugar estar na atitude da gratuidade que acolhe, que recebe, que reconhece a OBRA de DEUS. Crescer no Amor de todo o coração é aspirar e respirar a atmosfera Deus Uno e Trino em cada momento da existência, em cada ato do cotidiano da vida. Deus se dá totalmente e vem a nós de tantas maneiras.

Crescer no Amor é dinamismo próprio da vida. Crescer à luz da Palavra (Mc 4,26-34) é como a semente lançada que, lançada na terra, germina, brota e cresce. Assim também, o ser humano fecundado no seio da vida, se desenvolve no útero materno, mas igualmente no conjunto da vida que o envolve. Crescer faz parte da arte do processo do “do vir a ser”, do ser filha/o amada/o. Este processo acontece no chão da vida, na realidade primária da existência, na raiz situada no tempo e no espaço, no contexto da cultura própria com seus valores e limites.

Crescer no “modo santo de operar”, significa fazer-se no elaborar, no labutar todos os dias ao modo dos trabalhadores artesanais”[1]. Neste caminho, o convite ao crescimento está em assimilar os valores da Regra: penitência, pobreza, minoridade, oração, vida em fraternidade.

Crescer na Vida franciscana implica o compromisso de uma vida de oração e contemplação, de transformação espiritual na incessante conversão nos caminhos da vocação -missão na Igreja -, conscientes de que é o Senhor que dá o crescimento[2].

O Coração é a referência, a centralidade: “dele procedem as saídas da vida” (cf. Lc 6,45). O coração pode ser considerado como algo que abarca a totalidade do nossa inteligência, emoção e vontade (Mc 7,20-23). As pessoas sabem as coisas em seus corações (Dt 8,5), oram, meditam, escutam, creem e cantam pela força do coração. À luz do Evangelho, como nos recorda o Papa Francisco na Evangelho Gaudium: “ A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”[3] (cf. EG, n. 1) e reconhecem no coração todo bem, como São Francisco. “Meu Deus e meu Tudo”.

  • Crescer à luz da parábola da semente

O crescimento humano/espiritual é um processo que nos acompanha em todo tempo e lugar, como a semente que continua no processo de SER e do VIR A SER, em meio à criação, até tornar-se árvore e, mesmo assim, o processo continua por novas etapas: Começa com uma semente que tem em si todo o potencial. Ela pode produzir 30, 60 ou 100 por um, como nos recorda a Palavra de Deus. Quando a Palavra de Deus entra no coração humano, salva e envia, a pessoa nasce para uma vida nova. Ela vai se transformando em todos os dias, em todo o tempo e em todas as circunstâncias, e, assim, vai alargando o caminho de adesão para muitos outros. É frágil de início e precisa do cuidado em todo o caminho de crescimento. A semente passa pelo processo da terra, da escuridão, do silencio e da solidão. Tempo de fecundação! Os primeiros desafios são difíceis e há muito para aprender. Ganha raízes sólidas com o tempo, vai se firmando mais e mais na dimensão da profundidade, se ampliando no subsolo da nossa mãe terra e, assim, crescendo no relacionamento. Conosco não é diferente, quanto mais profundidade, maior será o enraizamento com Jesus, com o mistério da vida que enfrenta tempestades, luzes e trevas. Nós, igualmente, enfrentamos grandes dificuldades que desafiam nossa fé. Atravessamos tempos de seca e de chuva, de catástrofes e até pandemias, de luz e escuridão. No entanto, a semente vai se formando com solidez e beleza. Fica forte e torna-se árvore robusta com folhas e flores que anunciam novo tempo. O tempo de Deus, para ser sombra, para produzir frutos, para embelezar a obra da criação, requer cuidado, docilidade, atenção, contemplação à luz da Palavra de Deus, à luz da experiência de vida, à luz dos valores do Reino para toda a humanidade.

A semente dá frutos. Os frutos são visíveis na vida de quem acreditou: “Sei em quem Acreditei”(2Tm 1,12);  nós, somos chamadas a assemelhar-nos em virtudes Àquele que nos chamou e nos consagrou, Jesus, o Deus encarnado.

As sementes, agora plantas, árvores com frutos, fazem parte de um habitat universal que não se pertencem mais, estão envoltas no cosmos, transformaram-se em alimentos, saúde, bem, leveza, alegria. Assim, é nossa vida quando doada sem reservas, vivida na boa vontade gratuita, como São Francisco de Assis. Não nos pertencem, pois pertencemos totalmente a Deus e a humanidade na criação (Sl 99).

Crescer na espiritualidade “francisclariana”, é crescer na graça e no conhecimento de Nosso Senhor pobre e crucificado; é “tornar-se imitadores de Cristo” (1Cor 11), vivendo com intensidade a consagração religiosa: Os que professam os Conselhos Evangélicos procurem inicialmente, amar a Deus que nos amou primeiro (cf. 1Jo 4,10) e em todas as situações da vidas esforçar-se por promover a vida oculta com Cristo em Deus, donde emana e se impõe o amor ao próximo para a salvação do mundo e edificação da Igreja[4]. É permanecer na dinâmica da formação, é não esquecer o ponto de partida. É ter clareza do comum que pulsa em toda a realidade na direção da raiz, do espírito originário, sendo disponível e dócil no caminho.

A Vida religiosa é dinâmica por natureza, precisamos renovar-nos em direção à plena estatura do corpo de Cristo.  Só Ele pode manter o constante frescor e a autenticidade das origens e nos infundir coragem para responder aos sinais dos tempos. Deixemo-nos guiar pelo Espírito do Senhor! Somente no Senhor nos tornamos unidade e, portanto, universalidade.

1.3 Crescer é vivenciar os dons e frutos do Espírito

“O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Contra essas coisas não há lei”. (Gl 5, 22-23) e todos os dias abandonar-se nos braços do Pai;  crescer é estar na “ordem” do viver o Evangelho a partir do exemplo do lava-pés; é fazer o caminho, pois “Deus se fez nosso caminho”[5], o caminho das virtudes.

Crescer é viver na atitude de gratidão – “Irmãos, devemos sempre dar graças a Deus por vocês; e isso é justo, porque a fé de vocês deve crescer cada vez mais, e muito aumenta o amor de todos vocês uns pelos outros” (2 Tessalonicenses 1:3). Crescer é com­partilhar as inseguranças e fraquezas, as alegrias e esperanças, é acreditar na “Fratelli Tutti”[6], que nos convoca a ser todos irmãos.

Crescer é estar no caminho de Jesus como itinerante, é caminhar sempre, andar pelos vilarejos e periferias da existência anunciando a paz e fazendo-se solidariedade com os estranhos a beira do caminho, como nos recorda o capítulo 3 da Fratelli Tutti. Crescer é dar a vida em todos os momentos da existência.  É morrer por Amor, com o Amor e pelo Amor que é o Senhor, é cantar: o amor, não é amado.

Crescer, nas Fontes de São Francisco, significa acolher suas Palavras com o vigor originário da regra e vida. Manter o coração livre de toda e qualquer apropriação; liberto e expropriado de coisas e de si mesmos, de todo tipo de poder e autoridade, do próprio bem que o Senhor opera em cada um, do pecado e da vanglória em anunciar a própria Palavra de Deus.

Para refletir:

  1. Crescer no amor universal requer de nós um fazer e perfazer-se no caminho do amor de Deus UNO/TRINO. Como percebemos esta realidade em nossas vidas e fraternidades?
  2. No processo do crescer com o coração indiviso. O que nos ensina a palavra da semente?
  3. O que compreendemos com “não ser indiferente”, frente a injustiça, a fome, os grandes negócios do mundo que visam a destruição da natureza, descarte dos pobres?

[1]FASSINI, Frei Dorvalino. Leitura Espiritual e formação franciscana. 1996. Vozes, RJ.

[2] Testamento de Santa Clara, n. 78.

[3] FRANCISCO, Papa. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2014. p. 9.

[4] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto Perectae Caritatis sobre a conveniente renovação da vida religiosa. São Paulo: Paulus, 2004. p. 282, n. 6.

[5] Testamento de Santa Clara, 5.

[6] FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Fratelli Tutti. Sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulus, 2020. p. 9.

 Ir. Ivoni Lourdes Fritzen, FCR

DEIXE UM COMENTÁRIO

Deixe seu comentário
Coloque seu nome aqui