Assembleia Geral da Família Franciscana-TOR (Terceira Ordem Regular)
Num segundo momento de reflexão passou-se a olhar ao redor, acolher, exercitar-se no movimento que abrange a universalidade. A considerar quão importante é para nós a interculturalidade, as relações (…) e assim, passamos a contemplar simbolicamente a fraternidade universal. Que este caminho nos ajude e nos transforme no caminho para Deus.
“Façam sempre em si uma habitação e morada para Ele, que é o Senhor onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, e assim, com o coração indiviso cresçam no amor universal convertendo-se continuamente a Deus e ao próximo” TOR n. 8
1.1 A vida da Trindade no cotidiano
O SER HUMANO, “habitação do Senhor”, é comunhão sinodal que se inter-relaciona e vive interconectado como criaturas insufladas pelo AMOR e sopradas pelo Espírito para amar com o coração UNO, INDIVISO, TRINITARIO.
Na visão antropológica unitária, pluridimensional, interdependente e holística, o ser humano é uma unidade com capacidades multifocais que lhe permitem relações abertas no cuidado da vida. Na teologia bíblica compreendemos o ser humano como “imagem e semelhança de Deus”, morada do Espírito Santo, logo, um ser espiritual. Na comunidade eclesial o ser humano é pedra viva, cooperadora, discípula/apóstola. É povo de Deus e instrumento do amor. O ser humano habitação do Senhor tem o brilho da simplicidade nos olhos, a alegria em doar a vida e a força para ir ao encontro dos outros e amar cada criatura imagem do criador, “Uno e Trino”.
Esta forma da existência requer uma atitude de humildade e humanidade. Ninguém pode estar acima dos outros, nem para subjugar, nem para discriminar, nem para condenar. O caminho que a Palavra nos aponta requer uma passagem urgente e necessária do egoísmo para o altruísmo, da exterioridade para a interioridade, das divisões para a unidade, da indiferença para a compaixão. Requer de nós uma atitude de silencio, de escuta em profundidade, de contemplação do mistério da vida, de Jesus “pobre e crucificado” de nossas realidades. Diante do mistério, podemos mergulhar nas entranhas do Senhor Altíssimo, Onipotente, Bom Senhor, manifestado na simplicidade, humildade e humanidade.
Ser Habitação do Senhor é estar intimamente ligada, anelada ao criador, compenetrada com o mistério divino encarnado no meio de nós, o qual veio resgatar os corpos de nossos irmãos e humanidade inteira.
Perguntemo-nos: Somos morada do altíssimo? Estamos comprometidas com o processo de conversão pessoal, fraterna, ambiental e global? A espiritualidade em nossas fraternidades tem de fato, seu fundamento na contemplação e na ação de Deus UNO-TRINO?
1.2 FAZER-SE morada do altíssimo
A fé cristã entende a salvação como a progressiva autodoação do Deus trino na história, como convite e abertura ao ser humano da comunhão infinita de amor do Pai, Filho e Espírito Santo. Na teologia trinitária latino-americana, enfatiza-se a realidade, a história e a práxis a partir da opção preferencial pelos pobres e excluídos.[1] É essencial essa compreensão de Deus comunhão, pois, se identificou com eles na entrega até à morte, como excluído da comunidade, expulso da cidade, abandonado e condenado, depois morto e ressuscitado. Deus trino é o Deus do amor criador, que cria o mundo e os humanos como expressão e abertura de seu amor comunicativo e comunional, infinito. A revelação do amor, em Cristo, torna-se experiência de salvação e chamamento convocativo do Espírito, para construir o seu reino de comunhão com todos, raças, línguas e povos. Diante do mistério de Deus, mais se cala, do que fala. No entanto, o louvor incendeia o coração e a adoração faz dobrar os joelhos.
Perguntemo-nos: A dinâmica trinitária do AMOR nos ajuda no compromisso fraterno da esperança, da profecia e do Evangelho?
A conversão é condição para crescer no amor universal. É uma ATITUDE FUNDAMENTAL DA DISCÍPULA/SERVA QUE SEGUE OS PASSOS DE JESUS. A Palavra conversão indica à ação de alterar, modificar, dar novo sentido, orientar para o caminho, para uma direção. É o ato de transformar. Na linguagem franciscana, este ato de conversão resulta na transformação, no voltar-se a vertente da fé com todo o coração. “Convertei-vos porque o Reino de Deus está próximo”. (Mt 13,1-2). Metanóia é, portanto, a transformação do olhar, do pensamento e dos atos. Vejamos São Francisco: o que antes era amargo “olhar para os leprosos”, tornou-se doçura de corpo e alma; o que antes era heroísmo, glória, reconhecimento “ser cavalheiro” agora se tornara simplicidade, humildade e serviço; o que antes era princípio próprio agora se tornou apenas Vontade do Senhor encontrada nas Santas Palavras de Deus; o que antes era pessoal e/ou familiar tornou fraternidade de irmãos e irmãs menores; o que era riqueza tornou-se pobreza no esplendor da graça. E o que era pobreza, tornou-se a grande riqueza; o que era a natureza criada tornou-se fraternidade universal. “Irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rom. 12:1,2)
Todas as criaturas são irmãs e irmãos. Foi a partir do encontro com Jesus pobre e crucificado, que seus olhos ficaram fixos nEle. (Hb 12,2-4) e tudo foi se convertendo aos valores de Nosso Senhor Jesus Cristo e do seu Reino. Realizado no Faça-se que nos recorda a iniciativa primeira que é de Deus.
- Amor Universal – O amor “é força primordial do espírito dotado de atividade volitiva, força afirmadora e criadora de valores, é, ao mesmo tempo, a força mais poderosa para comunicar uma nobre estrutura à totalidade da vida humana e realizar em toda sua plenitude a ordem moral”.[2] Deus é amor, a centralidade do coração é amor, o crescer acontece no amor. Na Encíclica do Papa Bento XVI, “Deus Caritas est”[3], Deus é Amor. O Papa afirma que 1Cor. Cap. 13 resume todas as reflexões que ele faz ao longo da sua Carta-Encíclica.
São Paulo nos ensina que a caridade é uma prática no dar-se a si mesmo, no estar presente como pessoa. E Papa Francisco concretiza esta realidade do amor em suas decisões em seus gestos concretos desde o início do seu pontificado.
- O grito da realidade do desamor: “A vida social em convivência harmônica e pacífica está se deteriorando gravemente (…) pelo crescimento da violência, que se manifesta em roubos, assaltos, sequestros e, o que é mais grave, em assassinatos que cada dia destroem mais vidas humanas e enchem de dor as famílias e a sociedade inteira”.[4] O documento, porém, não registra apenas as desgraças do mundo em que vivemos, mas nos ensina o caminho para enfrentar essa dura realidade: “A radicalidade da violência só se resolve com a radicalidade do amor redentor”.
- O grito da Laudato Si – “É urgente o desafio de proteger nossa casa comum, unir a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral…”[5]. A poluição nos afeta todos os dias, as queimadas, os lixos produzidos, a concentração da terra e dos bens fazem crescer cada dia as injustiças, as doenças, a pobreza e miséria para muitos irmãos e povos. A perda da biodiversidade implica a vida no futuro. A deterioração da qualidade de vida humana e a degradação social se dá também pelo “caos” urbano, por uma política que perdeu o sentido do bem comum, pela desigualdade planetária. Em “Querida Amazônia”[6], Papa Francisco, revela um grande amor nos iluminando a sonhar a trabalhar pela concretização dos Sonhos: Um sonho social que integre e promova todos os habitantes para poderem consolidar o “bem Viver”; Um sonho cultural que cultive sem desenraizar, faça crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir no respeito a vida dos povos; Um sonho ecológico que reconheça que tudo está interligado (LS.n.16;91;117;138;240) e que existe uma relação estreita do ser humano com a natureza; Um sonho eclesial que continue nas indicações e decisões do Vaticano II, no anuncio e testemunho do Evangelho da Alegria sendo uma Igreja em saída, em direção da alteridade, especialmente dos mais pobres. Entre tantos outros desafios, a Vida Religiosa franciscana tem como razão de ser, a vocação como sinal do modo de ser de Deus no mundo. Revelar a primazia do amor para a humanidade, sobretudo aos que mais sofrem. Lembremos que, na origem de todas as Congregações, a voz que ecoou veio do mundo dos pobres, assumida com audácia, fez-se carisma-missão. Portanto, na raiz de todos os carismas fundacionais está o grito da vida ameaçada.
Para concluir recordo a encíclica Fratelli Tutti[7], que nos indica a prática do amor com raiz evangélica e concretude na comunhão entre os povos pela vida em abundância de todas as pessoas. Assim, permanecer na dinâmica da formação, consiste em estarmos centradas no foco do amor trinitário que se abre ao clamor do mundo, e que neste tempo histórico necessita de discernimento, oração e renovado vigor.
E COMO SAUDAÇÃO proclamei o testamento de São Francisco de Assis: Escreve como abençoo a todos os meus frades, que estão na religião e que virão, até o fim do mundo. Como por causa da fraqueza e da dor e da enfermidade não posso falar, manifesto brevemente nestas três palavras aos meus frades a minha vontade, a saber: que em sinal da memória da minha bênção e do meu testamento sempre se amem uns aos outros, sempre amem e observem nossa senhora a santa pobreza, e que sempre sejam fiéis e submissos aos prelados e a todos os clérigos da santa Mãe Igreja. Fiquem com Deus
[1] BOFF, Leonardo – Vozes, 2009; Boff, Leonardo. A Trindade e a Sociedade, Petrópolis,1999. p.19
[2] W. Bruger in Dicionário de filosofia, Herder. São Paulo, 1962, pp. 54-56.
[3] BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est.
[4] CELAM. V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe – Aparecida-BR, 2007, nº 78.
[5] FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica “Laudato Si!” sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus, 2015. n. 13
[6] FRANCISCO, Papa. Exortação Pós sinodal Querida Amazônia: Ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade”. São Paulo: Paulus, 2020.
[7] FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Fratelli Tutti. Sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulus, 2020. p. 9.
Ir. Ivoni Lourdes Fritzen, FCR