Há cerca de 18 anos que São Francisco levava uma vida de heroica pobreza, quando Frei Elias, seu vigário no governo dos Frades Menores, teve uma revelação: o Santo não passaria mais de dois anos aqui na Terra. Seguindo a ordem recebida, Elias transmitiu a São Francisco a comunicação celeste.
O Santo não temia a morte. Tinha cortado, pelo seu despojamento total, os vínculos que o ligavam à terra; tinha, a exemplo do Apóstolo, conquistado o domínio sobre o seu corpo: a sua alma devia desprender-se sem dilaceramentos do seu invólucro físico.
Se não tremia perante a aproximação do momento fatal, queria pelo menos preparar-se para comparecer diante do Soberano Juiz. Partiu, pois, rumo à solidão, para se recolher por algum tempo.
Durante o verão de 1.224 esteve no pequeno convento de Alverne. Era uma clausura rústica, construída precariamente no cimo de uma montanha escarpada.
As grutas abertas nas rochas, os bosques povoados de pássaros, o afastamento dos centros habitados tornavam o sítio encantador e particularmente propício aos exercícios da contemplação.
O Santo amava esta morada que outrora lhe tinha sido dada pelo Conde Orlando, senhor de Chiusi. Logo que chegou ao lugar do seu retiro, Francisco iniciou um jejum de 40 dias em honra de São Miguel. Consagrava o tempo à oração, que lhe propiciava delícias que nunca lhe pareceram tão saborosas.
Suplicou ao Senhor que lhe desse a conhecer as obras às quais deveria consagrar os últimos dias da vida. Como resposta, Deus cumulou-o com abundância de suavidades interiores. Então o Santo recorreu ao seu procedimento habitual: abriu o Evangelho ao acaso, por diversas vezes, esperando encontrar ali uma indicação.
Por diversas vezes caiu no relato da Paixão. Esta coincidência surpreendeu-o: concluiu que o Salvador queria uni-lo mais intimamente aos seus sofrimentos.
Os calores estivais declinavam; o Alverne já se revestia com os esplendores do outono. Debaixo das grandes árvores, cuja folhagem se tornava dourada, Francisco pensava na adorável imolação de Cristo, quando subitamente lhe apareceu um Serafim resplandecente de luz. O Anjo aparentava uma semelhança admirável como Salvador pregado no patíbulo.
O Santo reconheceu estupefato os traços do divino Crucificado; a sua alma inflamou-se com amor tão ardente e tão doloroso, que o seu débil corpo não aguentou: caiu em profundo arrebatamento.
Que aconteceu durante este êxtase? Os mistérios de amor não se divulgam: São Francisco guardou ciosamente este segredo. Confessou, no entanto, que recebera nessa altura revelações sublimes, mas nunca quis comunicá-las.
Quando a visão se desvaneceu, uma transformação tinha-se operado nele: na sua carne estavam gravados os sagrados estigmas da Paixão.
Grandes feridas lhe rasgavam as mãos e os pés: nas cicatrizes percebiam-se nitidamente as cabeças negras dos pregos. Uma chaga mais larga abria o seu costado e deixava filtrar algumas gotas de sangue. Francisco tornara-se um crucificado vivo.
Um prodígio assim não podia passar inadvertidamente. Apesar de todos os esforços para afastar as curiosidades indiscretas, o Santo não conseguiu esconder inteiramente os estigmas. O seu prestígio, já tão grande, aumentou ainda mais: a sua vida terminava numa espécie de apoteose.
O Serafim que imprimira no seu corpo as chagas de Cristo, também as enterrara no seu coração. A partir daquele dia, Francisco não fez mais do que esmorecer lentamente no duplo martírio da dor e do amor.
Ainda percorria penosamente os caminhos da Úmbria, a pregar menos pela palavra do que pelo exemplo. Deixava, ao caminhar, irradiar da sua alma o imenso amor pelo divino Mestre; manifestava-o em termos tão veementes, que sentia por vezes a necessidade de se desculpar.
“Não fostes Vós que nos destes – dizia ele ao Salvador – o exemplo desta sublime loucura? Vós vos lançastes á procura da ovelha desgarrada; caminhastes como um escravo, como um homem inebriado de amor”.
Para adornar sua coroa, Deus mandava-lhe as últimas provações. O Santo notava que alguns religiosos, embora poucos, desejavam restringir a pobreza da Ordem: previa que os seus filhos atravessariam, depois da sua morte, uma crise perigosa.
A esta tristeza acrescentava-se o peso da doença. A saúde declinava, a vista apagava-se; os remédios mais fortes só lhe davam umas melhoras precárias.
São Francisco mantinha, apesar das dores, uma alegria apaziguadora. Mas o seu espírito desprendia-se cada vez mais das preocupações terrenas; o seu recolhimento tornava-se mais profundo. Os que estavam à sua volta percebiam a aproximação da hora da recompensa.