Semana Santa: Dor e Amor, Morte e Vida

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Nos passos do Senhor Jesus

Os dias da Semana Santa são os mais importantes para a vida da Igreja (e a vida do mundo). O mais belo dos filhos dos homens deixou-se pregar no madeiro da cruz para que todos ficássemos sabendo quanto o Senhor nos ama. Não é possível ignorar este grito de amor. “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito”. Através desse dom incondicional entramos todos na esfera do amor. A morte e ressurreição do Senhor estão a gritar que valemos muito aos seus olhos. A morte de Jesus no alto da cruz está a nos dizer: “Adão, por que te escondes de mim? Vê quão grande é meu amor por ti!!! Estou te procurando!”

Vivemos um momento delicadíssimo da história de nossa aldeia global. Uma pandemia. Um vírus que veio da China alterou projetos, fez as bolsas despencarem, reduziu o produto interno bruto, provocou incontáveis cancelamentos de eventos, criou pavor, proibiu viagens e deslocamentos e…. lavação das mãos, unidades de tratamento intensivo insuficientes, pessoas morrendo sozinhas, mortes, muitas mortes… Habitantes do planeta, sentimo-nos frágeis e humildemente precisando uns dos ouros. Estamos confinados a nossas casas. Não podemos circular. Os idosos temem mais que os outros. Os governos tomam providências (ou não). Uma sensação de medo paira no ar. Que não chegue ao pânico! Há mesmo um estranho silêncio ao qual não estávamos acostumados, até nos corredores e refeitórios de nossas comunidades religiosas. Era o clima dos retiros de antanho. Exilados em nossas casas. Não há celebrações… todos vivendo em suas casas, entocados… esperando o fim do pesadelo para que alegria, danças e cânticos voltem o mais rápido possível. Quando isso acontecerá? Quando poderemos correr pelas ruas e campos? As quaresmeiras floridas, crianças que continuam nascendo, pássaros, fazendo seus ninhos, estão a nos dizer que a vida continua. Mesmo em quarentena… esperamos dias melhores.

Tempo de cancelamentos e de confinamentos. Tempo de voltar ao essencial, de não nos preocuparmos com o acessório. O que conta é o cuidado e a proteção da vida. Somos todos extremamente frágeis, impotentes diante de forças ocultas e mortíferas. Os poderosos não são poupados e, preocupados com seus negócios, andam usando máscaras e verificando as trágicas oscilações da bolsa. Tempo de visita ao coração, de exame da vida, tempo de simplificação das coisas, tempo de solidariedade.

O jornal “O Globo”, quinta-feira 19 de março, no segundo caderno, publicou uma interessante entrevista com Monja Coen, líder espiritual zen, diretamente do Japão. Questionada a respeito do que se pode tirar desse isolamento em que vivemos, respondeu: “Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só corpo, com todo o planeta. Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos à espécie humana. Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que língua fala. O coronavírus nos faz lembrar que todos somos humanos. Isto é importante para romper as barreiras de discriminações e preconceitos. Não interessa se homo, hétero ou transexual: o vírus pega todos. Este é o momento de nos reunirmos, nos cuidar com dignidade. Procurar meios de minimizar dor e sofrimento, ajudar mesmo à distância, aqueles que precisam”.

Autores de textos que falam da reconquista do humano no homem e de espiritualidade em nossos tempos dissertam sobre a da arte da lentidão. Nesse tempo de confinamento poderíamos, quem sabe, andar mais calmamente em nosso canto: “Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informações que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efêmero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora, isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque temos que nos desdobrar e multiplicar, necessitamos reaprender o aqui e o agora da presença, reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado,o atento e o uno” (José Tolentino Mendonça, Libertar o tempo, Paulinas, p. 20-21).

Durante a Grande Semana estaremos diante do Filho amado, no qual o Pai colocou todo seu beneplácito. Estaremos diante daquele que se fez ouvinte obediente. Contemplação, silêncio de nós mesmos, deixar o interior se impregnar das leituras, viver os ritos. E acolher os movimentos do Espírito Santo. Para onde ele poderá nos levar?

Uma dúvida: será que em algum lugar da terra, nesse tempo de “coronavírus” os povos poderão vivenciar presencialmente as sublimes liturgias? Vamos viver em casa nossas celebrações da maior de todas as semanas. Os textos que agora propomos a nossos leitores são uma modestíssima ajuda. Quem sabe uma ou outra de nossas citações coloque um pontinha de esperança nesse tempo de confinamento e quebrem por pouco que seja esse mal estar. Espero. Nos tragam um alívio.

Frei Almir Guimarães

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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