Sobre os profetas de Baal de nossos dias

2002

Mais uma vez estamos acompanhando o profeta Elias. Agora, em 1 Rs 18, ele se confronta com os profetas de Baal. A primeira constatação: Elias está sozinho, foi o único profeta do Senhor que restou, enquanto os profetas de Baal são a maioria, 450. Porém, o único que tem a palavra significativa é Elias. Os outros profetas demonstram a ineficácia da fé, aquela fé de espetáculo e de ritos inférteis, pois gritam, gesticulam, dançam, saltam, se flagelam e a sua divindade não os responde, permanece indiferente, sem relacionar-se. Os profetas de Baal partem deles mesmo para chegar a deus, ou seja, são autorreferenciais. O fracasso desta idolatria, tão presente em nossos tempos, é representada no texto pelo próprio sangue dos profetas que os recobre, depois de se retalharem. Quando uma fé é autorreferencial ela se destrói por meio das próprias mãos de seus praticantes.

Elias, ao contrário, não confia em si mesmo, ele simplesmente suplica humildemente ao verdadeiro Deus. Sabe que sem o Deus de Israel não é nada e não pode fazer nada. Como ele usa a palavra significativa e não os gritos que encenam uma fé de espetáculo, prepara o altar com doze pedras, ou seja, roga a Deus que não se esqueça de Israel, representado nas doze pedras. As doze pedras que sustentam o altar preparado pelo profeta, sinalizam um Deus que fez história com as tribos de Israel, que se revela só quando se envolve, que é relação, é Emanuel, um Deus para nós, diferente da divindade de Baal que apenas exige e não se relaciona.

Incrível! Neste tempo de pandemia não faltaram manifestações religiosas semelhantes a estas dos profetas de Baal. Basta ver o excesso de lives que fizeram barganha com Deus. Foram inúmeras multiplicações de rituais e orações que pediam a Deus que ele aplacasse a pandemia e, o mais terrível: em troca a gente promete retornar às Igrejas assim que tudo passar, pois estão pregando por aí que depois de tudo isso o ser humano será mais temente. Duvido que Deus, para nos atrair, mandaria uma pandemia para castigar a humanidade. Deus é amor e é a sua misericórdia que nos atrai e fascina. Deus não pode ser um terrorista que nos impõe medo.

Infelizmente, os profetas de Baal existirão até que perdurem em nossos dias os representantes de uma “teologia do cagaço”, que impõem o medo nas consciências mais frágeis das nossas comunidades. Vejamos o caso de algumas igrejas neopentecostais que encenam falsas curas e prometem o que não podem cumprir. Só a fidelidade ao Deus de Jesus que se revela na gratuidade de nosso cotidiano nos poderá salvar das armadilhas dos profetas de Baal de nossos dias! E o que dizer dos nossos irmãos padres que fazem espetáculos com o Santíssimo Sacramento em nossas comunidades, como se estivessem com um amuleto mágico nas mãos? Que toda a honra e adoração sejam dadas a Deus na Santa Eucaristia e na carne de nossos irmãos sofredores que prolongam a paixão no mundo, mas longe de qualquer liturgismo selvagem.

Elias é um profeta revolucionário. Ele nos ensina a usarmos a palavra certa na hora certa. Sua trajetória é um prelúdio do que fará o próprio Jesus quando usa a verdade para desmascarar a idolatria de uma religião corrompida com os privilégios de César: “Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César” (Mt 22, 21).

Elias inspira a vida cristã a rezar com confiança, mas sem modismos e sinais espetaculares. A oração cristã não desafia a divindade do Pai, forçando-o a nutrir as miragens do nosso deserto existencial. Abandonemo-nos, mais do que nunca, ao Pai como Jesus fez em sua cruz. Libertemos Deus de nossas gaiolas religiosas e só assim haverá um novo céu e uma nova terra, onde Deus será tudo em todos. Assim seja!


Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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