Anselm Grün traz a espiritualidade para o trabalho

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O monge beneditino Anselm Grün partiu da Regra de São Bento para explicar, na sua palestra na noite desta quinta-feira (26/8), que trabalho e espiritualidade andam juntos. Segundo ele, rezar e trabalhar não significa que se tenha de separar um tempo para rezar e outro para trabalhar. “A oração me leva até a fonte do Espírito Santo, mas o trabalho é um teste para eu ver se a forma como eu rezo está correta ou não”.

No encontro desta noite no Teatro Mazzarello, no bairro de Santana, em São Paulo, a Editora Vozes reuniu Anselm Grün para falar do tema “trabalho e espiritualidade” e o também o monge beneditino Zacharias Heyes abordou o tema do seu último livro “Como encontrar Deus”. Nesta volta ao Brasil, Grün e Heyes estiveram em Petrópolis, Niterói e Belo Horizonte. Além de São Paulo, estarão em Curitiba e Campinas. Em sua última visita, em setembro de 2016, recebeu um público de cerca de 3 mil pessoas para suas palestras e novamente deve repetir o sucesso.

Cabelos longos e barba grisalha, aos 74 anos, Grün fundamentou sua fala no seu mais novo livro pela Editora Vozes: “Viver, não apenas no final de semana – O trabalho como realização pessoal”. Anselm explicou que escolheu textos bíblicos como ponto de partida, para, a partir deles, descrever os diferentes aspectos do trabalho, como vocação, relacionamento, disciplina, espiritualidade etc.

Para o monge, com o trabalho participamos do poder criador de Deus. “O sentido do nosso trabalho consiste em tornar este mundo mais habitável, em proteger e cuidar do jardim deste mundo para que os seres humanos que vivem nesse jardim possam se alegrar e desfrutar sua beleza. Naturalmente também se trata de ganhar o sustento da própria vida”, disse, explicando que “vocacionar provém de chamar” e Deus chama o ser humano. “Na sua essência mais íntima, ele é alguém chamado. Deus o chama para que ele responda. O ser humano responde com sua existência. Às vezes, a profissão é resposta ao chamado de Deus. Toda profissão tem a ver com vocação. Quem ama a sua profissão se sente chamado para ela, seja como trabalhador braçal, seja como médico, como terapeuta, como enfermeiro etc.”, acrescentou o autor, que já vendeu mais de um milhão de exemplares no Brasil.

Para ele, devemos estar dispostos a escutar e o fato de haver um chamado será sempre uma graça. Mas ressalvou: “Devemos distinguir muito bem entre o chamado que vem do superego e o que realmente vem de Deus”.

Segundo Grün, é preciso criar uma nova cultura no mundo do trabalho e essa responsabilidade cabe a cada um. Ele lembrou que pesquisas sobre a economia empresarial mostraram que a união de “ora et labora”, da Regra de São Bento, também é significativa na esfera secular do trabalho. “Um mestre de noviços sabe se o noviço realmente está procurando Deus: Se ele é zeloso no culto, se é capaz de desenvolver na comunidade e se ele está disposto a ser desafiado no trabalho. Uma vez, um jovem me procurou porque queria entrar no mosteiro. Mas ele dizia: ‘Eu sou um cara contemplativo. O máximo que consigo trabalhar no dia é três horas’ (risos). Isso nada tem a ver com a espiritualidade. Isso é girar em torno de si mesmo. Uma oração correta nos conduz para o trabalho”, observou. “Eu conheço muitas pessoas religiosas que usam a espiritualidade para se esquivarem do trabalho. A psicologia chama isso de ‘fuga para a grandiosidade’”, emendou, frisando que persistência e disciplina são atitudes absolutamente necessárias no trabalho.

Na oração – assinalou Grün -, você precisa da postura de entrega a Deus. “Devo fazer a mesma coisa com trabalho. Devo me entregar ao trabalho. E também no trabalho devo esquecer do meu ego e parar de me perguntar: será que os outros estão vendo o que estou fazendo?”, ensinou. Grün também disse que a oração exige humildade. “Ter coragem de descer para a sua própria realidade. E também no trabalho devemos nos dedicar a coisas simples. São Bento diz que o objetivo de tudo o que fazemos é que Deus seja glorificado. Mas escreve isso não no capítulo sobre a oração, mas no capítulo sobre o trabalho”, contou.

Grün, que é monge há mais de 55 anos, achava que quando ingressaria na vida religiosa teria força e coragem para superar todas as dificuldades. Mas, segundo ele, não demorou muito e caiu numa crise profunda. “Descobri que todos os meus inimigos – medos, neuras, inveja – tinha que transformá-los em amigos. Em cada uma das emoções encontrar um sentido. Eu preciso reconhecer essas emoções para que se tornem amigas. Os padres do deserto dizem que não somos responsáveis pelas emoções que surgem dentro de nós. Mas somos responsáveis pelo que fazemos com essas emoções. Por exemplo. Uma irritação com um erro de um colega acabamos levando para casa e por causa dela se fica travando um diálogo consigo mesmo. Repetindo o tempo todo ‘como essa pessoa é ruim’, e permitindo, com isso, que a pessoa que te irritou te domine cada vez mais”, contou, dizendo que é preciso perguntar pelo sentido da irritação. “A irritação é sempre um sinal de que alguém invadiu os meus limites”, acrescentou.

Grün, contudo, lembrou que o bom andamento do trabalho não depende só de questões internas. “As próprias empresas têm de garantir que as condições de trabalho sejam boas”, disse, contando que há nove anos, um jovem dono de uma cadeia de hotéis, resolveu fazer uma pesquisa entre os seus funcionários para descobrir o que os eles achavam dele. Os resultados foram catastróficos: era o pior chefe para eles. “Ele levou isso muito a sério e nos procurou no mosteiro, participou de muitos cursos e mudou a cultura na sua firma. ‘Antigamente, usava os funcionários para alcançar as minhas metas, mas agora não quero desenvolver a firma, mas os meus funcionários’, dizia. Isso causou uma transformação surpreendente na empresa e levou a um filme que foi para os cinemas, chamado ‘A revolução silenciosa’. E mais de 50 mil executivos assistiram esse filme”, contou. “Esse filme gerou um movimento na Alemanha e conscientizou os executivos de que nós precisamos parar de partir de números e, sim, partir do ser humano”, ensinou.

Encontro com Deus

Zacharias Heyes enfatizou na sua fala o ser humano como imagem de Deus e o encontro de Deus no outro. Segundo ele, a proposta de seu livro é que o público reconheça que, para encontrar Deus, precisa procurar o ser humano e a si mesmo.

“As pessoas sempre me perguntam ‘Por que Deus me faz passar por isso?’. Eu sempre respondo: eu não tenho a resposta para essa pergunta, mas quero dizer a você que tenho certeza que Deus está te acompanhando enquanto você atravessa essa situação. E Ele lhe dá força para isso. E por trás disso está uma pergunta: ‘Onde o ser humano consegue encontrar uma estabilidade e firmeza interior?’ Nós estamos vivendo em mundo que está em ordem no momento, politicamente instável. Eu tenho certeza, e considero importante, que encontre uma estabilidade nesse Deus que está presente”, disse, ensinando que é preciso ter outra atitude quando ver mais fios de cabelo branco, rugas, quilinhos a mais: “Mais importante é olharmos no espelho sem julgarmos o que vemos e dizer a esse rosto que ele é uma imagem única e singular de Deus. Quando olho para esta sala vejo essas centenas de pessoas, cada rosto de vocês, Deus está olhando para mim e para esse mundo. Eu posso tentar um dia, durante o meu cotidiano, enxergar no outro uma imagem de Deus”.

Heyes propôs olhar para outro sem julgar, criticar, mas ver uma imagem de Deus. “É um desafio excitante. São esses pensamentos que desenvolvo em meu livro porque é importante reconhecer os traços que Deus deixa neste mundo. É importante nos descobrirmos como ele nos ergue e nos dá estabilidade. E deixa claro a cada um de nós é precioso para ele. Eu também tento encontrar uma resposta à pergunta como isso pode se tornar concreto no dia a dia e o que isso significa para a Igreja de hoje. Eu acredito que a Igreja tem que ir até a pessoa. A minha convicção é que a pessoa que quer encontrar Deus deve procurar o ser humano”, completou.

Heyes também é monge da Abadia de Münsterschwarzach, perto de Würzburg, na Baviera. Estudou Teologia em Münster e em Würzburg, e por muitos anos esteve envolvido no trabalho com jovens e professores religiosos do mosteiro e conselheiros escolares.

Boas-Vindas

Dom Devair Araújo da Fonseca, vigário episcopal para a Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo, fez a acolhida em nome da Arquidiocese de São Paulo e do Arcebispo, Dom Odilo Pedro Scherer: “Acho muito difícil que algum de nós aqui presente não tenha lido o “Céu começa em você”, a primeira obra de Grün que li e que me ajudou ao longo de minha vida e da minha espiritualidade. Justamente nesse tempo onde se fala tanto de secularização, nós percebemos nessas obras um renascer desse contato com a espiritualidade de um modo muito simples. É isso que me impressiona nessas obras. Por isso, quando foi feito essa proposta da presença de Anselm Grün aqui, nos enchemos de alegria”.

Teobaldo Heidemann, coordenador nacional de vendas da Editora Vozes, falou de sua alegria em voltar a São Paulo onde trabalhou por dez anos e da importância de promover encontros com autores e leitores: “A gente agradece a confiança que Anselm e Zacharias nos deram de estar conosco durante esta semana. Também agradecemos a vocês, que se dispuseram estar aqui para fazer essa experiência feliz entre autor e leitor. Muito obrigado!”. O encontro teve como tradutor Marcos Heddiger e terminou com um momento de oração, conduzido por Grün, e uma sessão de autógrafos.

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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