Bebês Reborn: Fenômeno Social, Saúde Mental e o Olhar Católico-Franciscano Secular

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Paulo C. Lino, OFS
Psicanalista clínico, terapeuta, teólogo, pós-graduado em Ciências da Religião,
professor de filosofia e catequista.

Resumo

É impossível abordar o tema dos bebês reborn sem perceber que, por trás de cada boneca, há histórias de dor, esperança e busca de sentido. Em minha experiência como psicanalista clínico e franciscano secular, tenho acompanhado de perto famílias e indivíduos que depositam nesses objetos um pedido de acolhimento diante do vazio existencial que marca a nossa época. Não se trata apenas de um fenômeno de saúde mental, mas de um reflexo das mudanças profundas em nossa cultura e dos desafios enfrentados pela Igreja Católica na tarefa de acolher, discernir e orientar. Este artigo, atravessado por relatos, inquietações e pela sensibilidade franciscana, procura refletir sobre os limites e possibilidades desse fenômeno, propondo caminhos para o cuidado e o amor autêntico em meio ao sofrimento contemporâneo.

Palavras-chave: Bebês reborn; Saúde mental; Igreja Católica; Franciscano secular; Mídia.

1. Introdução

Durante os atendimentos clínicos e nos diálogos com outros profissionais de saúde, frequentemente me deparo com histórias em que o bebê reborn aparece como um símbolo de algo maior: solidão, saudade, desejo de reparação. É notável como, para muitas pessoas, essas bonecas se tornam ponto de apoio emocional, especialmente diante de lutos não elaborados ou vínculos afetivos rompidos. Em casos recentes, vi situações que chegaram à Justiça, como a disputa pela posse de um bebê reborn e de um perfil digital (UOL, 16 maio 2025), ou relatos de busca por atendimento de urgência para essas bonecas (Metrópoles, 02 maio 2024). Ao olhar para esse fenômeno, percebo que a questão transcende o objeto em si: envolve saúde mental, dinâmica familiar, influência midiática e o papel da fé. A partir desse contexto, este artigo propõe uma análise que une ciência, ética e o olhar acolhedor do franciscano secular, buscando promover um cuidado que seja, ao mesmo tempo, sensível e lúcido diante das dores do nosso tempo.

2. O Olhar da Saúde Mental: Entre o Cuidado e o Alerta

Como psicanalista clínico e franciscano secular, observo que muitos pacientes buscam no bebê reborn uma maneira de aliviar a dor da perda ou de carências afetivas profundas. Em certos contextos, o reborn pode servir como objeto transicional, favorecendo a reorganização emocional. Contudo, é fundamental ressaltar que tal recurso, por mais realista que seja, jamais substitui vínculos humanos autênticos e, sem acompanhamento, pode postergar o enfrentamento do luto.

Segundo a psicóloga Maria Fernanda Carvalho, “o risco está justamente em transformar a boneca em um substituto permanente do vínculo humano. Quando o reborn ocupa o espaço do outro, a tendência é a negação do sofrimento, o que pode perpetuar quadros de depressão e solidão” (O Tempo, 06 maio 2025).

O psiquiatra Dr. André Luís Mendonça complementa: “O uso contínuo de objetos hiper-realistas pode retardar o enfrentamento do sofrimento e mascarar sintomas de transtornos mentais mais graves” (O Tempo, 06 maio 2025).

Em todos os casos acompanhados, é indispensável acolher a dor, mas orientar o paciente a reconstruir laços reais e buscar, quando necessário, o acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, evitando a dependência simbólica.

3. Casos Recentes: Judicialização, SUS e Mídia

O alcance público do fenômeno reborn evidencia como a dor subjetiva ganhou espaço na esfera social, jurídica e midiática. Em maio de 2025, um casal em separação judicial disputou não só a posse de um bebê reborn, mas também o perfil da boneca nas redes sociais (UOL, 16 maio 2025). Já em 02 de maio de 2024, uma influenciadora levou sua boneca reborn para atendimento em uma UPA, fato que foi amplamente noticiado (Metrópoles, 02 maio 2024). Segundo as reportagens, a mulher apresentava histórico de luto não elaborado, mas não há diagnóstico psiquiátrico divulgado oficialmente. A cobertura midiática desses episódios revela, por vezes, uma tendência à espetacularização do sofrimento e, em certos momentos, à patologização da fé e da dor, convertendo episódios delicados em motivo de debate público ou entretenimento.

O Ministério Público, diante dessas demandas, reforçou que a prioridade do SUS é a saúde da infância real, sem negar, porém, a necessidade de acolher manifestações legítimas de sofrimento (UOL, 18 maio 2025). O desafio está em encontrar o equilíbrio entre o direito ao acolhimento e o uso ético dos recursos públicos.

4. O Olhar Católico-Franciscano Secular: Ternura, Verdade e Limite

4.1 Mídia, fé e acolhimento: Padre Fábio de Melo e Padre Juan

O tratamento dado pela mídia aos gestos de fé e fragilidade é notório nos casos envolvendo o Padre Fábio de Melo e o Padre Juan. Quando o Padre Fábio adotou uma boneca reborn com Síndrome de Down, a mídia não apenas noticiou, mas também ironizou e colocou em xeque sua saúde mental e autenticidade da fé:

Padre Fábio de Melo adota bebê reborn com síndrome de Down nos Estados Unidos (CNN Brasil, 03 maio 2024).

Nas próprias redes sociais, Padre Fábio expôs sua humanidade: “Eu também sofro, eu também estou doente. Não sou o super-homem da fé, sou humano e frágil” (MELO, 2024, Instagram).

A mídia, por vezes, explora essa vulnerabilidade, lançando dúvidas sobre a fé católica ou reduzindo o gesto ao patamar de polêmica (Terra, 04 maio 2024).

O episódio do Padre Juan Carlos Ramírez, que negou o batismo de uma boneca reborn, também foi apresentado de modo tendencioso:

Padre nega batismo de bebê reborn e causa polêmica entre fiéis (BBC, 10 maio 2024).

O próprio sacerdote fundamentou sua decisão nos documentos e ritos da Igreja:
“O batismo é um sacramento reservado à pessoa humana. Não se pode estender a graça sacramental ao que não tem vida” (JUAN CARLOS RAMÍREZ, Pe., entrevista à BBC, 10 maio 2024).

Ambos os casos demonstram que, enquanto a sociedade exige respostas rápidas e muitas vezes superficiais, a Igreja propõe um discernimento mais profundo: acolher com amor, mas orientar para a verdade.

4.2 O amor católico e franciscano secular

O magistério católico reafirma, por meio de documentos como Fratelli Tutti, Evangelii Gaudium e Gaudium et Spes, a importância do acolhimento compassivo e do compromisso com a verdade: “A compaixão não pode ser confundida com a manutenção de estados doentios. O verdadeiro amor é aquele que acolhe e ao mesmo tempo convida à superação” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2004, p. 452).

Como franciscano secular, busco viver o exemplo de Francisco: acolher a dor sem perpetuar o sofrimento, apoiar sem iludir, amar sem deixar de chamar à vida. A fraternidade franciscana secular é chamada a estar ao lado dos mais frágeis, ajudando-os a reencontrar dignidade e esperança (FRANCISCO, Fratelli Tutti, n. 62-68).

5. Considerações Finais

O fenômeno dos bebês reborn desafia profissionais de saúde, agentes pastorais e a sociedade a praticar um discernimento ético e amoroso: acolher sem reforçar patologias, orientar sem excluir. O olhar católico e franciscano secular é o de uma ternura firme: acolhe, mas desperta; respeita o tempo da dor, mas aponta para a vida plena e para o reencontro com a dignidade. O papel do psicanalista clínico, do terapeuta e do franciscano secular, em sintonia com a doutrina social da Igreja, é estar ao lado de quem sofre, ajudar a reconstruir vínculos e defender a esperança, para que ninguém fique prisioneiro do vazio contemporâneo.

E que nossa ação nunca se aparte da radicalidade do amor franciscano, pois “onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver desespero, que eu leve a esperança”. Porque, como Francisco, só o amor é digno de fé.

Referências

CARVALHO, Maria Fernanda. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, explica especialista. O Tempo, 06 maio 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/2025/5/6/tratar-bebes-reborn-como-criancas-reais-e-risco-para-a-saude-mental-especialista-explica. Acesso em: 20 maio 2025.

MENDONÇA, André Luís. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, explica especialista. O Tempo, 06 maio 2025.

O Tempo. Tratar bebês reborn como crianças reais é risco para a saúde mental, especialista explica. 06 maio 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/brasil/2025/5/6/tratar-bebes-reborn-como-criancas-reais-e-risco-para-a-saude-mental-especialista-explica. Acesso em: 20 maio 2025.

UOL. Casal disputa bebê reborn. 16 maio 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/16/casal-disputa-bebe-reborn.htm. Acesso em: 20 maio 2025.

UOL. Bebês reborn: “criança real deveria ser foco”, diz ex-secretário da Infância. 18 maio 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/05/18/bebes-reborn-crianca-real-deveria-ser-foco-diz-ex-secretario-da-infancia.htm. Acesso em: 20 maio 2025.

Metrópoles. Mulher leva bebê reborn para receber atendimento em UPA. 02 maio 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/mulher-leva-bebe-reborn-para-receber-atendimento-em-upa-muita-dor. Acesso em: 20 maio 2025.

CNN Brasil. Padre Fábio de Melo adota boneca com síndrome de Down nos Estados Unidos. 03 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/padre-fabio-de-melo-adota-boneca-com-sindrome-de-down-nos-estados-unidos/. Acesso em: 20 maio 2025.

MELO, Fábio de. Instagram. 2024.

Terra. Vontade de deixar de viver: Padre Fábio de Melo revela luta contra a depressão. 04 maio 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude-mental/vontade-de-deixar-de-viver-padre-fabio-de-melo-revela-luta-contra-a-depressao-veja-video. Acesso em: 20 maio 2025.

BBC. Padre nega batismo de bebê reborn e causa polêmica entre fiéis. 10 maio 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce3nxwk95l3o. Acesso em: 20 maio 2025.

JUAN CARLOS RAMÍREZ, Pe. Entrevista à BBC, 10 maio 2024.

PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2004. p. 452.

FRANCISCO. Fratelli Tutti: Carta Encíclica sobre a fraternidade e a amizade social. Vaticano, 2020.

FRANCISCO. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Vaticano, 2013.

CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes: Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje. Vaticano, 1965.

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