“Nós somos as que sopram o amanhecer”
Após um longo período de espera e preparação, realizou-se o Encontro de Rezadores Guarani Kaiowa no Tekoha Kurusuamba, Município de Cel. Sapucaia-MS- entre os dias 06 a 09 de agosto de 2025. As irmãs Maria Adinete Azevedo, Andrea Moratelli e Zelia Maria Batista, juntamente com a equipe do Cimi-MS- Dourados, estiveram envolvidas em muitas atividades, para que tudo pudesse acontecer no tempo e do jeito Guarani Kaiowa. Envolver-se é muito mais que executar, assim passamos a relatar a experiência missionária vivenciada durante a preparação e realização desse encontro tão desejado e sonhado pelos ñamoi, avós, líderes espirituais que garantem a transmissão dos saberes ancestrais às futuras gerações.
O território sagrado de Kurusu Amba, o Tekoha do Nhanderu Leonel e a Nhandesy Margarida, acolheu com alegria a todos/as que chegavam trazendo em suas bagagens o Nembo’e (a reza), o canto e a dança, a memória da luta e resistência, representadas pelos maracás e takuapus. Com o maracá na mão e takuapu no chão, iniciaram um longo caminho ao redor da planta sagrada, a erva-mate. Iniciava-se o encontro de rezadores Guarani Kaiowa que reuniu 200 participantes, dentre eles um número significativo de lideranças espirituais – Nhanderus, Nhandesys e Ivyra’ijas (iniciantes)-
Um longo caminho de preparação foi acalentado pelo sonho das lideranças daquele território, missionárias/os do Cimi de rememorar a luta e resistência do povo que está enraizada em sua espiritualidade, em seu Teko (modo de ser Guarani Kaiowa). Encontrar-se para re-encontrar-se com as raízes profundas da memória ancestral, beber dessa fonte de saberes ao som dos cantos e rezas sagrados, é alimentar a espiritualidade, firmar os passos no mesmo compasso da dança do Guachire, do Guahu, que colocam todos em um movimento sincronizado de corpo e alma.
Neste movimento guiados pelos seres espirituais daquele território ancestral, a planta sagrada da erva mate foi o ponto de comunhão. Ao redor dela rememoravam as histórias de luta pelo território; contavam as façanhas de como venceram os inimigos com as rezas; o anfitrião Nhanderu Leonel falava com autoridade e contagiava a todos com sua sabedoria, fazia o batismo da erva-mate, ensinava como plantar e os cuidados especiais para que ela cresça vigorosa; o Nhanderu Emiliano recordava os rituais e plantas que curam; as Nhandesys Cleuza e Clara e demais partilhavam as marcas que trazem em seus corpos violentados pela força ultrajante dos fazendeiros e de como se defenderam das balas com o maracá na mão e muita reza.
A noite era iluminada e o frio amenizado pelas pequenas fogueiras que se acendiam. Ao redor do fogo lembravam de muitas histórias, enquanto saboreavam a doçura das batatas. Ouvia-se gostosas gargalhadas, o ruído da criançada que não se cansava de correr e brincar; o canto, a dança, as rezas atravessavam a noite acordavam mentes e sementes, aparentemente adormecidas, mas que brotaram com vigor e reacenderam uma nova luz na noite escura: “Saber que esse momento proporcionou a alegria entre os territórios, entre as gerações é acreditar que é possível viver o Teko Joja. Sinto que para os anciãos e anciãs, jovens e crianças presentes, foi um momento único nestes últimos anos. Uma junção de ensinadores e aprendizes, ambos na mesma sinergia na busca do bem viver para viver bem”. A noite também aconteceu o batismo de uma criança (mitã karai), ao redor da nova vida entrelaçavam-se várias gerações de ñamoi (avós, bisavós), as rezas chamavam o pássaro para que repousasse sobre a criança, para então lhe dar o nome: “Encantador o pessoal em volta da criança, a bisavó parecia que tava ganhando um batizado também, encantada, quietinha mas bem acordada, olhar forte mostrando vida”.
“Nós somos as que sopram o amanhecer”- Eheeee ehe ehe ehe-
Canto-Reza da mulheres Guarani Kaiowa-
Um longo caminho de canto-reza gesta um novo amanhecer, a palavra gera consenso, diálogo, comunhão que transforma-se em ação, em incidência política, em cuidado com a Mãe Terra: “A terra está pedindo socorro e com ela nós, indígenas, como guardiões, tentamos sobreviver. Dar mais atenção para nós, estamos morrendo um a um. É a preocupação dos ñamoi”. Neste contexto corpos-territórios lutam e resistem pela demarcação de seus territórios. O Povo do Caminho: Guarani Kaiowa garante a auto-demarcação, quando ouve o chamado da terra e faz as retomadas, coloca-se em marcha conduzido pelo canto-reza, ao som dos maracas e takuapus. A cada retomada, recupera-se a terra degradada pela monocultura, restaura-se a biodiversidade, as plantas nativas brotam vigorosas e as nascentes jorram das entranhas da terra; os animais voltam a ocupar seu espaço; a roça tradicional volta a produzir alimento sagrado, livre de agrotóxico.
Para o Povo Guarani Kaiowa Espiritualidade-Política caminham juntas, não abrem mão de seus direitos originários garantidos pela Constituição Federal nos artigos 231 e 232. Fortalecer a espiritualidade para continuar na luta e resistência pela demarcação do território sagrado; garantir a permanência em seus Tekohas ao plantar suas roças e produzir o alimento sagrado, saudável. Tendo em vista autonomia e gestão territorial.
Para isso contam com as instituições, órgãos, federais e estaduais, entidades parceiras, movimentos sociais que durante encontro marcaram presença: DPE- Defensoria Pública do Estado- representada pela NUPIR- Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas- FUNAI; SESAI; DSEI-MS; Força Nacional; Aty Guasu; Cimi; CPT; MST; MPA; Instituto Federal de MS; ITM – Instituto Terra sem Males-; professores e alunos da Escola da Aldeia Takuapery.
Um longo caminho percorrido pelos passos firmes de homens, mulheres, jovens e crianças que há séculos seguram em suas mãos frágeis, o sonho da Terra Sem Males, simbolizado pela planta da erva-mate que no passado distante coloria de verde o Ka’aguyrusu (mata densa) onde habitavam homens e mulheres da mata- os Kaiowas– A erva-mate plantada pelas crianças no território sagrado de Kurusu Amba significa devolver a Mãe-Terra os seus filhos e filhas que um dia foram arrancados de seus braços pela colonização. Haveremos de ver seus filhos e filhas voltarem para o aconchego do colo da Mãe ao som dos maracás e takuapus e para sempre cantar e dançar em seu território sagrado.
Informações adicionais
Fonte da Notícia: Irmãs: Maria Adinete, Andrea e Zélia.
Enviado por: Ir.Fabiula
Fonte: cicaf.org.br








