Jesus Cristo como expressão máxima do diálogo entre o divino e o humano

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Muito já se teologizou sobre a essência do cristianismo. Amor, perdão, acolhida, misericórdia, dentre tantas outras realidades são apresentadas como centrais à vida cristã. Uma das dimensões pouco exploradas, como constitutiva do Deus de Jesus Cristo e, por conseguinte, do ser cristão e da fé cristã, é o diálogo.

Em Jesus Cristo, o diálogo que Deus estabelece com a humanidade alcançou seu ponto mais alto. O Verbo se fez diálogo! Essa afirmação merece uma atenção maior. Em Jesus Cristo é o verbo que se fez diálogo não somente porque n’Ele Deus se comunicou com a humanidade, vivendo no meio dela, salvando-a, curando-a por dentro, mas sobretudo porque em Jesus Cristo, o Verbo divino se une hipostaticamente à humanidade, ou seja, assume em si a natureza humana.

Jesus Cristo não é apenas um intermediário entre Deus e o homem, ou tão somente uma ponte que liga Deus e a humanidade. Ele mesmo é Deus e homem, divino e humano, por isso a fé cristã professa que Ele é o mediador, aquele que tem em si as duas naturezas, a divindade e a humanidade, o céu e a terra, o visível e o invisível, consubstancial a Deus na divindade, e a nós na humanidade.

Jesus Cristo é a expressão máxima do diálogo entre o divino e o humano porque Ele é Deus e homem ao mesmo tempo. A partir do mistério da encarnação, divino e humano estão eternamente unidos, em diálogo permanente. Sem confusão, sem separação, Jesus Cristo é divino e humano, é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, na vida (história), e além da morte (na glória). Nem mesmo com a glorificação, ou seja, na volta do Verbo ao seio do Pai, a humanidade se separa da divindade. As duas naturezas, a divina e a humana, a partir da encarnação e com a ressurreição são inseparáveis também na eternidade. As duas naturezas, a divina e a humana glorificada na ressurreição, permanecem na realidade d’Aquele que subiu ao céu e está à direita do Pai.

A ressurreição não abdicou da humanidade assumida pelo Filho. Jesus ressuscitado, exaltado, volta ao seio da Trindade e leva consigo a humanidade, agora glorificada. Portanto, Jesus Cristo é a mais alta expressão do diálogo entre divindade e humanidade, diálogo esse que permanece no céu, ou seja, na realidade mesma de Deus.

Somente a partir dessa realidade teológico cristológica é possível entender a natureza do diálogo humano, social e eclesial, que consiste num permanente dar espaço ao outro e num permanente exercício de colocar-se no lugar do outro.

Implicações pastorais e eclesiológicas do diálogo divino-humano em Jesus Cristo

Após refletir em que consiste a afirmação de ser Jesus Cristo a expressão máxima do diálogo entre o divino e o humano, interessa-nos a pergunta: o que essa realidade diz à conversão pastoral e estrutural, na busca de uma Igreja em saída, no esforço de novos processos de sinodalidade e de novas relações eclesiais e religiosas?

Na tentativa de resposta retomaremos a expressão consagrada pelo Papa Francisco: ‘por uma cultura do encontro’. Dentro e fora da Igreja o Papa Francisco convoca incansavelmente todos à cultura do encontro, cujos apelos são anteriores ao seu ministério papal. No documento de Aparecida, ‘encontro’ é um conceito chave. A marca de Francisco nesse documento, em que foi coordenador da equipe de redação, é inquestionável para que o termo tivesse lá tal centralidade e se convertesse em conceito teológico-pastoral. A palavra ‘encontro’ aparece mais de 65 vezes no documento da 5ª Conferência Episcopal Latino-americana.

A ‘conversão pastoral’ que Aparecida promove pode ser sintetizada como o sair ao encontro do outro. Três são os níveis, as dimensões do encontro no pensamento do Papa Francisco: 1) o encontro com Jesus Cristo; 2) o encontro com os outros; 3) a formação para uma cultura marcada pela atitude de proximidade e encontro. “O Papa Francisco é, no mundo atual, um testemunho vivo da cultura do encontro com a qual quer marcar a sociedade e a Igreja do século XXI”1.

Não é exagero asseverar que por séculos o paradigma das relações eclesiais, seja interno ou externo, não foi o do encontro e do diálogo. Se o Vaticano II tem como características principais o encontro e o diálogo com os sujeitos eclesiais da Igreja e os cidadãos da sociedade, vale lembrar que até as vésperas do Concílio a modernidade era, para a Igreja, inimiga, pecado a ser evitado. Em vários períodos da história da Igreja, as relações eclesiais foram marcadas por posturas dualistas, Igreja-mundo, clero-leigo, hierarquia-povo e tantos outros dualismos. Sabiamente, o Concílio Vaticano II redescobre a eclesiologia do Povo de Deus, a eclesiologia de comunhão, virando as páginas de longos capítulos de relações desiguais e dualistas.

Há ainda um longo caminho a ser percorrido para a concretização da cultura do encontro, no rompimento do clericalismo, na superação dos dualismos eclesiais.

A cultura do encontro e do diálogo diverge radicalmente da cultura clericalista, que é no momento o maior inimigo da eclesiologia do povo de Deus. A cultura clericalista produz relações de dependência, medo, insegurança, timidez eclesial, desconfiança de ambos os lados, de quem subordina e de quem é subordinado. No clericalismo prevalecem relações funcionais e autoritárias; nela não existe diálogo nem encontro. A cultura clericalista é a afirmação de um único sujeito eclesial, que pretensiosamente assim se entende; o clericalista se sente autossuficiente, necessita de funcionários, não de parceiros na evangelização, de destinatários, não de interlocutores.

Já na cultura do encontro, reflexo do encontro entre divino e humano em Jesus Cristo, “todos contribuem e recebem… Fora deste diálogo construtivo, todos perdem”2.

As relações, a comunidade, o outro, a alteridade eclesial, o diálogo são espaços para que cada um seja ele mesmo. É no outro que nos descobrimos. É essa a grande proposta do cristianismo. “É necessário assinalar que nós, cristãos leigos e leigas e, com certeza também os demais sujeitos eclesiais (leigos e leigas, consagrados, religiosos e religiosas, diáconos, presbíteros e bispos), só entendemos, acolhemos e exercemos a nossa identidade, vocação, espiritualidade e missão, na ralação com os demais, como membros vivos do mesmo corpo (1 Cor 12,13)3”.

Todos os batizados, para serem aquilo que são chamados a ser, sujeitos na Igreja e na sociedade, somente o serão na inter-relação, na comunhão pericorética. Afirmam-se como sujeitos no outro, com o outro e para o outro, o que significa que todo dualismo eclesial, toda oposição e qualquer espécie de competição devem se converter em complementariedade e em mútua cooperação. O clero, a vida religiosa serão plenamente sujeitos religiosos quanto mais se aproximarem do laicato, e vice-versa. O bispo será tanto mais sujeito quando mais estiver próximo dos presbíteros e do povo, e vice-versa.

A cultura do encontro pode ser melhor sintetizada na expressão comunidade de comunidades, termo utilizado para definir a nova paróquia. Comunidade de comunidades quer ser a concretização institucional e pastoral da cultura do encontro. Comunidade de comunidades não é soma ou aglomeração de pessoas ou organismos eclesiológicos, mas relações teologais, encontros vitais entre pessoas, instâncias, organismos, comunidades, pastorais e movimentos.

Em Jesus Cristo, expressão máxima do diálogo, o humano e o divino fazem comunidade de comunidades, comunidade de diferentes, unidos inseparavelmente. Promover a cultura do encontro, fazer comunidade de comunidades é um compromisso oriundo da profissão de fé naquele Deus que é Uno e Trino, que é pessoa e comunidade de pessoas divinas, tão intimamente interligados, tão divinamente envolvidos na dança pericorética da eterna comunhão amorosa, que são um só Deus.


1 AWI MELLO, A. El papa Francisco y la cultura del encuentro. In: Medellín, vol. XLIII, n. 169, p. 743
2 CNBB. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. Sal da terra e luz do mundo. Documentos da CNBB 105. São Paulo: Paulinas, 2016, n. 183.
3 AZEVEDO, L. A. S. O Ano do Laicato e dos cristãos leigos e leigas do Brasil. In: Sujeitos eclesiais, sal da terra e luz do mundo: reflexões sobre o Documento 105. Grupo de reflexão da Comissão Episcopal de Pastoral para o laicato da CNBB. São Paulo: Paulinas, 2017, p. 17.


Frei João Fernandes Reinert – Graduado em Filosofia, mestre e doutor em Teologia pela PUC-Rio e professor do Instituto Teológico Franciscano, de Petrópolis, Frei João é autor do livro “Paróquia e Iniciação Cristã”.

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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