Evento online reúne franciscanas e franciscanos que convocam uma fé encarnada e ações concretas em defesa da Terra, dos pobres e da paz.
Na noite do dia 18 de junho de 2025, foi oficialmente lançada, em evento online, a Peregrinação Francisclariana em Defesa da Casa Comum, uma iniciativa da Conferência da Família Franciscana do Brasil (CFFB) e do Serviço Inter-franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE). A ação propõe uma mobilização nacional inspirada na espiritualidade de São Francisco e Santa Clara de Assis, em defesa da justiça socioambiental e da vida ameaçada no planeta.
A abertura foi conduzida por Frei Rodrigo Péret, ofm, do SINFRAJUPE, que destacou o contexto gravíssimo em que a peregrinação nasce: a intensificação da crise climática, o ecocídio e o genocídio em curso na Faixa de Gaza — um crime contra a humanidade que já ceifou dezenas de milhares de vidas, principalmente de mulheres e crianças. Frei Rodrigo também alertou para os perigos da nova guerra entre Israel e Irã, iniciada há poucos dias e que ameaça escalar para níveis globais de destruição. Citando o Papa Leão XIV, afirmou:
“As poderosas armas utilizadas na guerra de hoje ameaçam levar-nos a uma barbárie maior do que a de tempos passados.”
Nesse cenário de policrise global, Frei Rodrigo afirmou que a Peregrinação Francisclariana é um ato de fé, resistência e compromisso. Inspirada por São Francisco e Santa Clara, ela nos convida a uma espiritualidade encarnada, que une oração e ação, contemplação e luta, ternura e coragem. O Cântico das Criaturas, que completa 800 anos, foi lembrado como um manifesto radical de fraternidade universal e política do cuidado.
Leonardo Boff: a espiritualidade do cuidado como fundamento da nova civilização
A reflexão central do evento foi conduzida por Leonardo Boff, teólogo e referência internacional em ecoteologia. Com sua conhecida ternura profética, Boff emocionou o público ao repetir, com intensidade e doçura:
“Cuidemos da Terra!”
Segundo ele, essa é a frase mais importante que a humanidade precisa assumir hoje — e repetir como um mantra civilizatório.
Leonardo Boff destacou que a crise ambiental é, antes de tudo, uma crise espiritual, ética e civilizatória. O planeta Terra, alertou ele, já ultrapassou vários limites do ponto de não-retorno, e é urgente uma conversão não apenas ecológica, mas antropológica:
“Não somos donos da Terra. Somos Terra. Somos parte da natureza, não seus gerentes nem seus senhores.”
Ele recordou que somos seres mamíferos e cordiais, feitos não apenas de razão, mas sobretudo de afeto, vínculos e compaixão. “Somos seres de coração, e não apenas de cálculo”, afirmou. A espiritualidade franciscana, para ele, é a que mais radicalmente entende a comunhão com a vida como eixo civilizatório.
“São Francisco é um modelo do humano universal. Ele não quis dominar, mas conviver; não quis acumular, mas partilhar; não quis conquistar, mas servir.”
Leonardo Boff também criticou duramente o modelo econômico dominante, que considera a Terra um mero repositório de recursos. “O que está em jogo não é apenas o futuro da natureza, mas o futuro da humanidade como civilização.” Ele ressaltou que o espírito da Peregrinação Francisclariana é um sopro de esperança e de resistência ativa frente ao colapso.
“Só o cuidado salva. Só a ternura regenera. Só a espiritualidade pode nos libertar do abismo onde o sistema nos jogou.”
Vozes do território, do cuidado e da política do bem viver
Moema Miranda, ofs, antropóloga e do SINFRAJUPE, ressaltou a profundidade política e mística do momento. Ela destacou que vivemos uma encruzilhada civilizatória, em que é necessário escolher entre a barbárie e o cuidado, entre o lucro e a vida. Para ela, a espiritualidade francisclariana é política porque se encarna nos corpos, nos territórios e nos povos que resistem e anunciam outras formas de viver.
“A peregrinação é um processo, não um evento. É uma caminhada popular, amorosa, comunitária e profundamente política. Ela nasce de baixo, dos territórios, e se constrói com o povo: com as mulheres, com os povos indígenas, com os ribeirinhos, com os jovens, com os pobres urbanos. É ali que o Evangelho se faz carne, e onde o clamor da Terra encontra resposta.”
Moema alertou que os tempos atuais exigem vigilância crítica frente às falsas soluções e narrativas do capitalismo verde, e afirmou que a espiritualidade da peregrinação é contra-hegemônica, porque afirma o valor da vida diante da lógica da destruição:
“Essa espiritualidade não é fuga do mundo. É mergulho profundo na realidade. É o Espírito se encarnando onde há dor, mas também onde brota a resistência.” Ela concluiu sua fala convocando à mobilização para a COP 30 e a Cúpula dos Povos, afirmando que essas são oportunidades de incidência política global, com o rosto dos povos do Sul.
Chamados à caminhada: compromisso com os territórios e os sinais do Reino
Irmã Liliane, IFPCC da CFFB, apresentou o estandarte da peregrinação, com o Tau franciscano e o lema:
“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a mãe terra que nos sustenta e governa.”
Para ela, o estandarte é um sinal visível de unidade e compromisso coletivo, que irá circular entre comunidades, carregando passos, lutas e esperanças da Família Franciscana espalhada pelo Brasil.
Frei Alex Assunção, ofm, vice-presidente da CFFB, reforçou o chamado à ação concreta nos territórios, lembrando que a peregrinação precisa partir da realidade de cada comunidade, e não de um modelo único. Ele convocou todos os grupos, fraternidades e irmandades a assumirem com coragem essa missão, lembrando que “espiritualidade sem compromisso é alienação”.
“Peregrinar pela Casa Comum é um gesto de fé e esperança, que expressa nosso compromisso com a vida, reconectando-nos à natureza, aos pobres e à voz de Deus que ressoa na criação.”
Frei Alex apresentou o Manual Prático da Peregrinação, com diretrizes, texto-base e cinco eixos de ação: celebrações comunitárias, encontros dos povos locais, ações concretas, incidência política e caminhadas simbólicas. Tudo isso como expressão pública de fé transformadora e esperança coletiva.
Caminhada até 2026, passando pela COP 30 e a Cúpula dos Povos
A Peregrinação Francisclariana será um processo contínuo até outubro de 2026, quando se celebram os 800 anos da Páscoa de São Francisco. Neste percurso, passará pela COP 30, que acontece em novembro de 2025, em Belém do Pará, e também pela Cúpula dos Povos, que reunirá movimentos sociais e organizações da sociedade civil de todo o mundo, bem como pelo Capítulo das Esteiras, grande encontro da Conferência da Família Franciscana do Brasil, em junho de 2026.
Mais do que uma campanha, a Peregrinação em Defesa da Casa Comum é uma resposta de fé e política em uma ação diante da crise civilizatória. É um chamado a marchar com os pobres, com a Terra ferida, com o Cristo Crucificado hoje nos corpos violentados pela guerra, pela fome, pela destruição ecológica e pela injustiça sistêmica — afirmando os direitos da natureza, a dignidade dos seres humanos e não humanos, e a sacralidade de toda forma de vida.
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franciscanospelajusticaambiental
Autoria: SINFRAJUPE