O Espírito Santo na mística franciscana – Parte 03

1844

Festa de Pentecostes

Frei Neylor J. Tonin, OFM

1. A festa de Pentecostes, originariamente conhecida como a festa da colheita (cf. Ex 23,16) era, no Antigo Testamento, uma celebração da bondade de Deus que dera a seu povo “uma terra de trigo e cevada, vinhos, figueiras e romãzeiras, uma terra de óleo de olivas e de mel” (cf. Dt 8,8). Como resposta de ação de graças, os israelitas ofereciam-Lhe, entre cantos de alegria, as primícias de suas colheitas.

No Novo Testamento, a festa de Pentecostes também canta as maravilhas e a abundância de Deus, já não nas sementeiras das searas, mas na messe íntima dos corações. Os Apóstolos “estavam reunidos num mesmo lugar” (At 2,1), quando “de repente veio do céu um ruído”(v. 2) e eles “ficaram cheios do Espírito Santo”(v. 4). O fiel, que atualmente levanta seus braços para o céu, agradece não “uma terra de trigo e cevada, vinhas, figueiras e romãzeiras”, não dons materiais e riquezas da terra, mas o maior presente que Deus nos comunicou nesta festa: seu próprio Espírito Santo.

Com a efusão do Espírito Santo, realizou-se a palavra de Jesus, que prometera enviar um Consolador. Derramou-se sobre os apóstolos, em línguas de fogo, a força de Deus. Inaugurou-se o tempo da Igreja, a quem se deu o dom definitivo do Espírito, que faz de todos um só povo, uma só ecclesia, reúne gregos e gentios, escravos e livres, judeus e cristãos numa única, santa e litúrgica kahal, debaixo do sacramento da nova aliança. Com a efusão do Pentecostes, Cristo coroou sua obra e a festa da Páscoa recebeu seu último toque, completando a obra salvífica do Senhor Jesus.

Uma vez mais irrompeu a eternidade para dentro do tempo e o homem experimentou, entre maravilhado, espantado e feliz, os desvelos, as novas manifestações do eterno amor do coração de seu Deus. Na festa de Pentecostes, Deus volta já não mais a sentar-se na mesa dos homens, mas faz a estes prelibar o banquete do Reino dos Céus, onde todos viverão embriagados com o vinho doce que Ele prepara para seus eleitos.

2. A festa de Pentecostes desperta em mim duas idéias principais. A primeira é que Pentecostes não é a resta de um dia, mas que toda a vida é um grande Pentecostes. Continuadamente, sem cessar, Deus derrama seu Espírito na argila informe da existência para teo-morfi-zá-la (diviniza-la). Deus não criou o mundo para o caos, mas os elementos do mundo existem para que o homem em sua necessidade possa servir-se deles “como benefício” (cf. Sb 11,5). Por outro lado, o mundo não foi criado de uma vez por todas, mas Deus continua a recriá-lo constantemente. Sua palavra – Faça-se! – é de valor eterno e ação perene.

3. Mas pensemos esta ideia de forma diferente. Imaginemos a surpresa e o espanto que nos assaltariam se, diante dos nossos olhares atônitos e ouvidos incrédulos, se levantasse, em meio a uma de nossas celebrações litúrgicas, uma voz louca ou profética que proclamasse: “Tenho o prazer de vos anunciar uma grande alegria: O Reino de Deus está entre vós!” O que, num primeiro momento, poder-nos-ia causar um calafrio e até uma certa alegria, pois estaria respondendo a um desejo que, quem sabe, o temos enfraquecido dentro de nós, mas que nos é conatural e imortal, tal sentimento, sem dúvida, seria suplantado por uma venenosa descrença, tão logo confrontássemos o teor do anúncio com o mundo-cão em que vivemos. Sem muitas dificuldades, concluiríamos que o Reino de Deus não pode conviver com o pecado e as injustiças, com o rancor, o ódio e as mais diversas formas de hipocrisias, com a cizânia da maldade e o demônio das rivalidades que tem como fermento comum um egoísmo mortífero e insensato.

Esta descrença, no entanto, é palpável, e é fruto de um comportamento carnal, como diz São Paulo. Ela é um dos aspectos do pecado contra o Espírito Santo. Tal descrença coloca em xeque a base de relacionamento da criatura com o Criador. E na medida em que tal descrença toma conta do fiel, faz-se impossível, como diz a Escritura, o perdão para o pecado contra o Espírito Santo. Pois a graça de Deus só pode medrar onde o homem coloca a aceitação da fé.

Nossa insensibilidade espiritual leva-nos a inflacionar ou a dar vulto à ação do Maligno e a menosprezar o eterno e continuado trabalho pentecostal do Espírito de Deus no coração de suas criaturas. Nestas palavras “O Reino de Deus está entre vós” sente-se pulsar, como diz o teólogo russo Paulo Evdokimov, “o coração do Evangelho”. Vivemos, no entanto e infelizmente, como se isto não fosse verdade. A dificuldade que sentimos em viver o Reino de Deus deixa-nos insensíveis à sua presença. Nosso debruçar-se sobre as mazelas do mundo anestesia em nós a ação do Espírito Santo. Convivemos com dificuldade com o mundo do mal. Alimentamos ansiosamente uma mentalidade judaica, sempre à cata de milagres. Somos, também, vítimas de uma mentalidade grega que, prometeicamente, se lança na conquista utópica de frutos proibidos e crê apenas na extensão de seus braços e na argúcia de sua inteligência. O drama da cruz continua a ser um escândalo que nos machuca e que piedosamente confinamos às celebrações da Semana Santa. Nosso mundo técnico e lógico termina nos limites onde se entre-chocam luz e trevas, e nossos passos acompanham Cristo até às ruas de Jerusalém, sentindo-se fracos para ir com Ele até fora da cidade, ao lugar do crânio.

4. E, no entanto, dezenas de anos antes de Cristo, a alma religiosa do Povo Eleito já era bastante espiritual para discernir, por entre as mazelas humanas, a presença do Espírito de Deus, pairando sobre as águas, a trabalhar no barro caótico do gênese. O caos ainda não terminou, inclusive porque esta é a hora das trevas. E é nesta hora que se faz presente a festa de Pentecostes. Deus continua pairando sobre o abismo do pecado e das incertezas, insuflando na fraqueza das decisões humanas o calor de seu coração e sua Palavra criadora. Cinqüenta dias depois da Páscoa, esta presença apenas se adensou para confirmar a fé dos discípulos que, por medo dos judeus, haviam-se retirado para a intimidade do Cenáculo que, se por um lado coloca a pessoa sob a proteção do Deus dos Exércitos, por outro visibiliza e inapelavelmente denuncia a fraqueza do homem.

5. A vida do fiel é uma contínua festa de Pentecostes. O suceder-se dos séculos é o Pentecostes eterno que os homens não devem perder de vista quando colocam, revoltados e escandalizados, seus olhares na cizânia que o inimigo semeia na seara do bom trigo que o Pai de Família fez crescer em seu campo. O esforço e desafio do homem espiritual estarão sempre endereçados na tentativa de vislumbrar e descobrir a ação de Deus na coragem dos jovens que cantam na fornalha ardente da Babilônia e no arrependimento do Rei Davi. A força do “Totalmente Outro” está irrompendo continuamente na história sagrada dos homens. Ele continua a sentar-se à mesa com Abraão, o armar o braço de uns poucos contra a prepotência dos tiranos, a sacramentar o testemunho de sangue dos irmãos Macabeus, a quebrar o orgulho e a impiedade de todos os Antíocos, a caminhar com os seus mesmo quando eles se afastam, sem esperanças, pelas estradas de Emaús.

6. Antigo Testamento tem uma visão profética da festa de Pentecostes no livro do Profeta Ezequiel. A nação apostara e o Faraó, que era visto como a salvação, se banqueteava iniquamente nas portas da cidade. A esposa do profeta, símbolo daquilo que seria a delícia para os olhos e imagem da felicidade de uma nação, lhe é roubada. E, no entanto, o Senhor lhe pede para que não a chore, para que não celebre o luto ritual. “Conserva o teu turbante na cabeça, põe o calçado nos pés, não cubras a tua barba, não comas o pão das gentes’ (Ez .24,17). Porque Israel será restaurado.

A mão do Senhor, então, arrebatou o Profeta e o colocou no meio de uma planície “que estava coberta de ossos”. A continuação da história todos a conhecemos, e o seu simbolismo também. Deus manda que o Profeta fale sobre os ossos “a palavra do Senhor”, aquela mesma palavra que tirou do nada toda a criação. O Profeta obedece E confessa: “Vi que se formavam sobre eles músculos, que nascia neles carne, que uma pele os recobria” (Ez 37,8). Daí a pouco, o “o espírito penetrava neles” (v. 10).

E o Espírito do Senhor abre-lhe os olhos para a verdade “Filho do homem, esses ossos são toda a raça de Israel. Eles dizem: Nossos ossos estão secos, nossa esperança está morta; estamos perdidos” (v. 11). Mas a mão do Senhor abre os túmulos (v. 12), fá-los ser um só coração (v. 19) e estabelece no meio dele o seu santuário, pois eles serão o seu povo (vv. 26-27).

No simbolismo de um sonho, eis a prefiguração e realismo de Pentecostes. Deus tirou a vida do caos: Deus deu vida a um útero estéril; Deus ressuscitou seu Filho das trevas da morte; e Deus fez de um monte de ossos o seu povo. É este o milagre de Pentecostes que se renova de mil formas diversas, em mil situações impossíveis e que só os puros de coração tem olhos para ver, segundo o Sermão das Bem-aventuranças.

7. A segunda idéia que a festa de Pentecostes me sugere é a da comunidade perfeita, daqueles que, segundo a descrição dos Atos, “perseveravam na doutrina dos Apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão orações” (2,42). Eles viviam “unidos e tinham tudo comum” (v. 44); “tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo” (vv. 45-47). Para melhor apreendermos a dimensão desta comunidade pentecostal, seria útil meditar sobre a “comunidade infernal”. As cores sombrias de um quadro que nos apresenta o inferno poderão nos ajudar a entender melhor o esplendor da festa de Pentecostes.

8. O inferno é o oposto do Reino dos Céus. Tanto para um quanto para o outro valem as palavras de Isaías e São Paulo: “Olho humano jamais viu, nem ouvido ouviu, nem o coração imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9), e para os malditos que não O acolhem. O homem tem dificuldade de compreender um e outro porque ainda não compreendeu o próprio coração.

Qualquer reflexão sobre o inferno e o céu, por isso mesmo, será sempre uma meditação sobre as possibilidades dum inferno e dum céu que carregamos dentro de nós mesmos. Tem toda razão o místico alemão Angelus Silesius quando afirma: “Se o paraíso, ó homem, não estiver, antes de tudo, em você, creia-me que nele, seguramente, você não entrará jamais”. Ou ainda: “O céu encontra-se em você, assim como as torturas do inferno. O que você escolher e quiser, isto você o terá por toda a parte”. A Bíblia é a meditação que agora estamos tentando fazer. Ela olhou para dentro do homem e ali encontrou o céu e o inferno. Viu Deus criando o homem à sua imagem semelhança e o demônio tentando desencaminhá-lo.

O que é o inferno? O inferno é a busca desgraçada de si mesmo. Uma busca sofrida, sem tréguas, insatisfeita, perturbadora; é um girar sem paz, um buscar sem encontrar um torturar-se sem sentido, um morrer angustiante sem fim. Angelus Silesius retrata o maldito muito bem: “Se o diabo – diz ele – pudesse abandonar a busca de si mesmo, tu o verias, de imediato, assentar-se no trono de Deus”. O Professor de Mística, Padre Deblaere, costumava dizer que o demônio é o mais religioso dos seres, com o problema de não querer abandonar o próprio eu. Santo Agostinho, retratando a cidade dos homens, mostrou-lhe o aspecto trágico, que residia exatamente na busca neurótica de si mesmo até o ponto de perder-se. E São Paulo anota, com fineza psicológica, que quando Deus quer perder o homem, entrega-o aos descaminhos dos próprios desejos.

O inferno, por isso, é uma solidão não redemida, um abandono cheio de revolta (o abandono de Cristo foi vencido pela fé!), um deserto sem a presença do Bem-Amado. Os místicos preferiam o inferno com Deus, que o céu sem Ele. Outros queriam ser tão livres, no amor de Deus, que continuariam a amá-lo mesmo que Deus não fosse a recompensa que lhes era prometida.

O inferno nasce de um amor sem forças de expressão, ou cuja expressão é a estéril projeção do próprio eu. Nesta projeção ansiosa, o homem se martiriza inutilmente e devora o próprio coração, sacia-se não do pão vivo na casa do Pai, mas com a comida que seus cuidados terrenos preparam para os animais que ele alberga no fundo de si mesmo. Esta comida nunca será suficiente. Ele, então, em vez de transformar-se no “templo vivo de Deus”, converte-se numa “babel onde o demônio faz o seu carnaval”. E as características desta babel não a irreconciliação trágica consigo mesmo, mundo interior fracionado e desajustado, insatisfação neurótica, incoerência, pulsão dos desejos, auto-imagem distorcida e não-ok.

Um homem assim não pode cantar e para ele Pentecostes não é uma festa, pois ele está perdido na incomunicação consigo mesmo e com o mundo. Ele não conhece a alegria da adoração, a gratuidade do testemunho, a pureza da acolhida e a festa da comunhão.

9. Mas tudo isto conhece o homem pentecostal. Seu olhar não se perde nas baixas planícies dos dividendos terrenos, mas ele está sempre à espera do Senhor que está para vir. Sua oração não se centra sobre suas necessidades, mas é uma súplica para que venha o Reino Deus, para que volte o Cristo Senhor: Maran-atha! Ele é um adorador do Pai, o homem do “Sanctus”, sempre pronto a descalçar as sandálias e a despojar-se das próprias vaidades, para revestir-se da força da Palavra de Deus. Ele é o “auditorium Spiritus” (auditório do Espírito) e o “vere recipiens Spiritum Dei” (o verdadeiro receptáculo do Espírito de Deus). Nele já foram silenciados os desejos e afeições passageiras e sua vida é o anfiteatro onde Cristo já venceu o demônio da tríplice tentação. Porque morreu para si, de seu túmulo a mão toda-poderosa de Deus ressuscitará sua verdadeira imagem e semelhança. “Todos – dizem os Atos – ficaram cheios do Espírito Santo” (2,4). Assim é o homem pentecostal que se esvaziou de si, fazendo espaço para o Deus de toda consolação.

10. O homem pentecostal fala a língua de seus irmãos. Fala e entende. Não se perde num monólogo estéril, compreende o que lhe dizem e faz-se entender pelos que o escutam. Sua identidade é a pobreza e sua linguagem, o amor. Não usa armas para dominar, apenas vive na admiração das “maravilhas de Deus” (2,11). O ruído do milagre lhe é inteligível, porque já silenciou dentro de si o ruído das paixões. Não fala de si, fala do outro, do grande outro, em nome de quem ele se reúne para rezar e comungar.

Em qualquer lugar onde esteja, o homem pentecostal vive casa do Pai, que criou todas as coisas para que lhe cantassem sua glória. Tudo lhe é irmão e o mais ínfimo ser é digno de seu desvelo. Em todos eles faz-se presente, constantemente, a festa de Pentecostes. Eles são vivificados pelo sopro criador do Espírito de Deus e línguas de fogo aquecem-lhes o coração para a vida.

Texto publicado na Revista Grande Sinal, de propriedade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, editada pela Vozes.


 

O Espírito do Senhor – Ensaio de uma leitura antropológica

Celso Márcio Teixeira

Introdução

Bastante comum entre os que estudam São Francisco é a tendência de interpretar o pensamento dele segundo a mais avançada teologia ou segundo as mais recentes conquistas dos estudos exegéticos ou da teologia bíblica. Sem dúvida, Francisco teve intuições profundas na maneira de ler e interpretar a Sagrada Escritura, mas é necessária uma certa cautela nas afirmações sobre a “teologia” dele para não lhe colocar na cabeça o que ele não pensou nem tampouco elaborou. Encontramos em Francisco, fora de dúvida, pistas que coincidem com uma visão atualizada da teologia. Afirmar mais do que isto seria tirar uma conclusão maior do que as premissas nos permitem.

O mesmo vale para uma “leitura antropológica” de Francisco. Talvez nem se possa dizer que Francisco tivesse uma “antropologia”. De fato, ele não elaborou tratados de espécie alguma. Mais conforme com a verdade, no caso, seria dizer: “fragmentos de uma antropologia”. Embo¬ra ele não tenha elaborado uma antropologia, no entanto, em seus escritos transparecem muitos elementos que constituem a sua visão do homem. Nossa tarefa seria, então, ajuntar os fragmentos mais signifi¬cativos que comporiam a linha-mestra de sua “antropologia”.

Ao tentarmos fazer uma leitura antropológica, estamos conscientes de que isto significa uma riqueza e um limite ao mesmo tempo. Riqueza, porque é tentativa de uma visão diferente, de uma interpretação nova do texto de Francisco; limite, porque toda ótica é uma limitação do campo visivo da realidade. Uma leitura antropológica de um texto é sempre um ponto de vista, como também são diferentes pontos de vista a leitura teológica, a sociológica, a histórica, a filosófica, a psicológica, etc. Qualquer tentativa de leitura ou interpretação marca, portanto, um limite de seu campo visivo.

Limitado também será o nosso campo de análise. Fixar-nos-emos na expressão usada por São Francisco: o espírito do Senhor. Não procuraremos aí a “teologia” dele, mas tentaremos colher alguns elementos de sua “antropologia”. Descobriremos, no entanto, que esta é profundamente teológica, ou melhor, se move a partir de uma concepção teológica do homem.

Não pretendemos estender o estudo a toda a visão que Francisco tem do homem. Isto requereria um estudo mais exaustivo que analisasse a compreensão que ele tem de corpo, de mundo, da vida, de espaço, de tempo, etc. E isto foge do escopo singelo do presente estudo que é ater-nos à expressão “espírito do Senhor”.

Colocados estes prolegômenos, resta-nos colocar a pergunta, objeto deste estudo: O que significa para Francisco o espírito do Senhor? Que implicações tem o espírito do Senhor para a sua visão do homem?

1. Análise do termo “espírito”

Este termo, “espírito”, é usado para designar a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, no nome Espírito Santo, para designar o espírito que, com o corpo, é elemento constitutivo do homem, e para designar os anjos e até mesmo os demônios. E há ainda a expressão, usada por Francisco, “espírito do Senhor” (1).

Como se pode constatar em um primeiro contato com o termo “espírito”, este não tem um sentido unívoco. Falar simplesmente “espírito” ainda não diz nada. É necessário colhê-lo no seu contexto ou pelo menos junto com o adjetivo que o qualifica.

Em algumas expressões em que é empregado o termo “espírito”, o significado é evidente. Quando Francisco fala de espírito imundo (2), não resta qualquer dúvida de que esteja falando do demônio, ainda mais que ele usa esta expressão, citando literalmente o Evangelho de Mateus (cf. Mt 12,43). Ao falar dos coros dos espíritos beatos (3), refere-se evidentemente aos coros dos anjos, pois o contexto mesmo, enumerando os serafins, os querubins etc., indica o sentido que tem o termo “espíritos”. E o nome “Espírito Santo” tem um sentido e conteúdo claros: trata-se da terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

2. O que os autores dizem sobre o espírito do Senhor

Mas a expressão “espírito do Senhor” não tem a mesma clareza. O que significa “espírito do Senhor”? Qual sua importância no conjunto do pensamento de Francisco? Concordamos com K. Esser e E. Grau quando afirmam que a doutrina sobre o espírito do Senhor constitui o núcleo do pensamento de Francisco (4). É importante procurar aprofundar este aspecto, pois estamos diante de um pensamento, se não original, pelo menos muito característico de Francisco.

Quanto ao conteúdo da expressão “espírito do Senhor”, Francisco não é muito explícito; ele não explicou o que queria dizer com tal expressão. Resta, então, aos estudiosos a tarefa de tentar compreender e interpretar, tendo como moldura de fundo o conjunto dos Escritos de Francisco, o sentido desta expressão. E as interpretações dos autores divergem. Alguns, por exemplo, identificam o “espírito do Senhor” simplesmente com o Espírito Santo ou com a sua ação (5). A tendência de muitos autores, de fato, é identificar o “espírito do Senhor” com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. A nosso ver, esta identificação é indevida, não só por se tratar de uma interpretação teologizante, mas porque Francisco, quando quer referir-se à terceira Pessoa da Santíssima Trindade, a nomeia sempre como Espírito Santo. Por exemplo, no texto que segue:

“Santa Virgem Maria, não há mulher nascida no mundo semelhante a vós, filha e serva do altíssimo Rei e Pai celestial, Mãe de nosso santíssimo Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo”(6).

Francisco não chama Maria de esposa do espírito do Senhor. Em nenhum momento dos Escritos de Francisco, o espírito do Senhor vem considerado como pessoa. E todas as vezes em que vem nomeado o Espírito Santo, ele é compreendido como pessoa, mais precisamente, a terceira Pessoa da Trindade.

Há autores que interpretam o “espírito do Senhor” preferivelmente “como o estado da fé e do amor, como o estado de graça que é fruto da salvação”(7). Há quem o interprete como o espírito de Cristo (8).

O. van Asseldonck, um dos que mais têm escrito sobre o tema, interpreta-o como o próprio espírito de Cristo, tendendo, porém, para uma interpretação mais “antropológica”: “Este espírito do Senhor é o Espírito do mesmo Cristo, Filho de Deus, que se comunica ao homem na medida em que segue as pegadas de Jesus pobre, humilde, crucificado e eucarístico. Refere-se ao mesmo e único Espírito que nós chamamos de espírito de oração e devoção, de pobreza, de penitência, obediência e caridade, em uma palavra: o espírito de toda a vida evangélica dos irmãos menores. Este é o Espírito desejável sobre todas as coisas, sendo como o espírito e a vida dos irmãos” (9).

Diante do que dizem os autores, a pergunta continua: o espírito do senhor é o Espírito Santo? É o espírito de pobreza, de oração, etc.? É o estado de amor e de fé? É o estado de graça?

3. O espírito e a semelhança de Deus

“Considera, ó homem, a que excelência te elevou o Senhor, criando-te e formando-te segundo o corpo à imagem do seu dileto Filho e, segundo o espírito, à sua própria semelhança. Entretanto, as criaturas todas que estão debaixo do céu, a seu modo, servem e conhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu” (10).

Este texto é de fundamental importância para uma imagem que Francisco tem do homem. O homem foi criado por Deus e colocado em posição de excelência em relação às demais criaturas. A excelência consiste nisso: o homem é constituído de corpo e espírito; quanto à corporalidade, foi criado à imagem do Filho (11), quanto ao espírito, foi criado à semelhança de Deus.

O espírito é, por assim dizer, algo de Deus que há no homem. Quando Deus criou o homem, infundiu nele algo de seu, sua marca, seu selo: o espírito. A Bíblia fala que Deus soprou nas narinas do homem, feito de barro, e o homem se tornou um ser vivente (cf. Gn 2,7). O espírito é esse sopro de Deus que dá vida ao homem. O espírito ou o sopro de Deus torna-se no homem espírito encarnado, realidade humana, elemento constituinte do ser humano, juntamente com o corpo.

Ser espírito é o modo de ser de Deus. Por isso, é no espírito do homem que reside a semelhança de Deus (12). E esta semelhança é algo humano, pois faz parte constituinte do homem. Por assim dizer, o homem tem em si, como elemento constituinte, uma faísca do modo de ser de Deus. Esta figura não dista muito da usada por São Paulo: “O Senhor é espírito, e onde está o espírito do Senhor, aí há liberdade. Todos nós … refletimos como num espelho a glória do Senhor, e nós nos vemos transformados nesta mesma imagem, sempre mais resplandecente pela ação do espírito do Senhor” (2Cor 3,17-18).

As demais criaturas, pelo simples fato de existirem, já prestam seu louvor e glória a Deus: “a seu modo, servem, conhecem e obedecem ao Criador”. Ao homem, porém, não basta existir, não basta que tenha o espírito ou a semelhança de Deus como elemento constituinte de seu ser. O ser do homem, constituído também de espírito, implica uma tarefa: a de viver de acordo com o espírito que há nele, que é a marca e semelhança de Deus imanente nele. O ser do homem, portanto, exatamente por ser espírito, é um devir, um vir-a-ser, uma busca de tornar-se cada vez mais semelhante a Deus. Somente assim, ele estará ocupando seu lugar de excelência entre as demais criaturas. A busca de viver esta semelhança de Deus (o devir) será também o seu modo de render louvor e glória ao Criador.

O viver em vícios e pecados é o contrário da semelhança com Deus. Por isso, Francisco continua o texto da Admoestação da seguinte forma: “Não foram tampouco os espíritos malignos que o crucificaram, mas tu em aliança com eles o crucificaste e o crucificas ainda, quando te deleitas em vícios e pecados”(13).

Deleitar-se em vícios e pecados é ofuscar o brilho da semelhança de Deus, é encobrir a marca de Deus. Contrariamente, para Francisco, o viver em penitência (14) significa deixar brilhar sempre mais o espírito, a semelhança de Deus.

4. O espírito do Senhor e a vida de penitência

“E todos os homens e mulheres que assim agirem e perseverarem até o fim verão ‘repousar sobre si o espírito do Senhor’ (Is 11,2), e ele fará neles sua morada permanente (Jo 14,23), e eles serão filhos do Pai celestial (Mt 5,45), cujas obras fazem. E eles são esposos, irmãos e mães de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 12,48-50). Somos esposos, quando a alma crente está unida a Jesus Cristo pelo Espírito Santo. Somos seus irmãos, quando fazemos a vontade de seu Pai, que está nos céus (Mt 12,50). Somos suas mães, se com amor e consciência pura e sincera o trazemos em nosso coração e nosso seio e o damos à luz por obras santas que sirvam de luminoso exemplo aos outros (cf. Mt 5,16)” (15).

Observe-se, neste texto, que o espírito do Senhor não é anterior, mas resultado do viver a penitência: à medida que os homens e mulheres vivem a penitência e nela perseveram, pouco a pouco vão ficando plenificados do espírito do Senhor: “verão repousar sobre si o espírito do Senhor”. Isto é, os que vivem segundo o espírito, segundo a semelhança de Deus que é imanente neles, verão desabrochar cada vez mais em si a semelhança de Deus. Surge, então, a pergunta: trata-se de um outro espírito ou é o mesmo espírito que é semelhança de Deus visto na análise do primeiro texto?

A nosso ver, trata-se do mesmo espírito (modo de ser de Deus ou semelhança de Deus presente no homem). Somente que, quando o homem procura viver segundo a semelhança de Deus, o espírito brilha mais intensamente nele, a semelhança de Deus se torna mais reflexo de Deus. O homem que vive segundo este modo de ser de Deus torna-se – o homem é um devir – “homo spiritualis” (16). Mas para que o homem permaneça “homo spiritualis” é necessário que o espírito do Senhor seja nele uma presença habitual. A presença habitual do espírito do Senhor no homem é dita por expressões como “o espírito repousa sobre ele (ou habita nele)”, “possuir o espírito do Senhor” ou “ser possuído pelo espírito do Senhor”.

Embora seja muito comum a interpretação que identifica o espírito do Senhor deste texto com o Espírito Santo, terceira Pessoa da Santíssima Trindade, julgamos que não seria o caso de estabelecer esta identificação. A nosso ver, possuir o espírito do Senhor, ou melhor, ser possuído pelo espírito do Senhor, é ter o mesmo modo de ser, de viver, de ver, de sentir, de querer, de pensar, de agir de Deus, na medida da frágil capacidade humana, certamente inspirada por Deus e sustentada por sua graça. Este modo de ser de Deus (ou o espírito do Senhor) torna-se realidade humana na pessoa. Para utilizar a linguagem da teologia da Idade Média, o espírito do Senhor no homem é uma “res creata”(17) (uma realidade criada).

Portanto, o espírito do Senhor não precisa ser interpretado simplesmente como o Espírito Santo. Além do mais, no texto citado, existe uma distinção entre o espírito do Senhor e o Espírito Santo. Ser possuído ou habitado pelo espírito do Senhor, esse modo de ser de Deus que se torna humano em nós, torna possível e estabelece o nosso relacionamento de filhos com o Pai celestial, de irmãos, esposos e mães de Jesus Cristo, com a ação específica do Espírito Santo. O espírito do Senhor, encarnado humanamente no nosso ser “homo spiritualis”, permite-nos viver como filhos do Pai celestial e familiares de Cristo, na união do Espírito Santo.

Possuir o espírito do Senhor (ou ser possuído ou habitado pelo espírito do Senhor) implica mais ainda: implica em fazer as obras (a vontade) do Pai, dar à luz a Cristo através de santa operação. Todo o viver do “homo spiritualis” é “viver espiritualmente”, e todas as suas atitudes são “espirituais”, porque ele possui habitualmente o “espírito do Senhor”. Portanto, o espírito do Senhor constitui não somente o ser do “homo spiritualis”, mas também o seu agir, o seu viver e o seu comportar-se.

5. O espírito do Senhor e o espírito da carne

“Por isso, vamos nós, irmãos todos, acautelar-nos de toda vanglória e soberba. Guardemo-nos da sabedoria deste mundo e da prudência da carne. Pois o espírito da carne tem grande interesse em fazer muito em palavras e pouco em obras, nem procura a piedade e santidade interior do espírito, mas antes visa e deseja uma piedade e santidade que apareça por fora diante dos homens. E é de tais que diz o Senhor: Em verdade vos digo que estes já receberam sua recompensa” (Mt 6,2). O espírito do Senhor, porém, exige que a nossa carne seja mortificada e desprezada, vil, abjeta e desprezível; e ele procura a humildade e a paciência e a pura, simples e verdadeira paz do espírito; e acima de tudo deseja sempre o temor de Deus, a sabedoria de Deus e o divino amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo”(18).

Para Francisco, na linha paulina de Rm 8,5-8, o espírito do Senhor em seu santo modo de operar, isto é, no seu agir, opõe-se ao “espírito da carne”. O presente texto em estudo apresenta esta oposição. Para uma melhor compreensão desta oposição, convém lançar um breve olhar sobre a expressão “espírito da carne”.

Os termos “carne” (“corpo”) e “mundo” (“século”) nos Escritos de São Francisco não indicam sempre a realidade visível e física. Indicam freqüentemente a realidade inimiga de Deus. Também no Evangelho de S. João se encontram os dois sentidos para estes termos. “Carne” e “mundo”, na segunda frase do texto, são empregados para indicar esta realidade contrária aos desígnios de Deus. E em outra passagem, porque são inimigos de Deus, Francisco os considera verdadeiros inimigos do homem:

“Reparai, ó cegos, iludidos por nossos inimigos – isto é, pela carne, pelo mundo e pelo demônio – que é agradável ao corpo praticar o pecado, e amargo servir a Deus”(19).

Embora indiquem a realidade inimiga de Deus e dos homens, “mundo” e “carne” não podem ser tomados como sinônimos. Expressões como “irmão carnal”, “viver carnalmente”, “caminhar carnalmente”(20) (Francisco, de fato, não usa nunca expressões como “irmão mundano” ou “viver, andar mundanamente”) fazem pensar que “carne” pretende sublinhar o aspecto pessoal da realidade inimiga de Deus, enquanto “mundo” significa a estrutura ou conjunto de circunstâncias exteriores que constituem a realidade inimiga de Deus. Esta distinção entre “mundo” e “carne”, por exemplo, se pode entrever no seguinte texto:

“Mas todos aqueles que não vivem em penitência … e servem corporalmente o mundo com desejos carnais … sao cegos…”(21).

A expressão “servir o mundo” sugere que “mundo” seja uma realidade exterior ao homem; “corporalmente” e “com desejos carnais” são expressões que indicam antes a atitude pessoal ou interior com que o homem serve o mundo inimigo de Deus.

Em outro lugar, Francisco considera o corpo (aí sinônimo de “carne”) como o inimigo mais próximo do homem:

“Há muitos que, pecando ou recebendo alguma injúria, costumam lançar a culpa sobre o inimigo ou sobre o próximo. Mas assim não é na realidade, porquanto cada um tem sob seu domínio o inimigo, isto é, o próprio corpo, por meio do qual ele peca”.

Francisco chama o operar o pecado ou o agir da carne (realidade inimiga de Deus) de “espírito da carne”. A partir do conceito de “espírito da carne”, ele concebe o “homo carnalis” (homem carnal). Sinteticamente, ele descreve em que consiste o “homo carnalis”:

“Mas todos aqueles que não vivem em espírito de penitência, nem recebem o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que praticam vícios e cometem pecados, e que vivem segundo suas más concupiscências e desejos perversos, e que não cumprem o que prometeram e com seu corpo servem corporalmente o mundo com desejos carnais, cuidados e solicitudes deste mundo, ludibriados pelo demônio, cujos filhos são e cujas obras praticam: cegos são eles, porque não são capazes de enxergar a verdadeira luz, Nosso Senhor Jesus Cristo” (23).

O “homo carnalis” é aquele que “pratica vícios e comete pecados”; é aquele que “serve o mundo com seus desejos carnais”; este é chamado filho do demônio, porque faz as obras do demônio. O “homo carnalis” age e vive “carnaliter” (24). Ao praticar vícios e cometer pecados, o homem carnal encarna, no seu agir, o modo de agir do “espírito da carne”; assume as características do espírito da carne. O pecado, portanto, vem de dentro dele, não de fora: todos os vícios e pecados procedem do coração do homem (Mt 15,19) (25). É ele próprio o responsável pelo seu pecado e não um inimigo exterior. O “homo carnalis” está, deste modo, em irreconciliável oposição ao “homo spiritualis”.

A oposição entre “homo spiritualis” e “homo carnalis”, no entanto, não pode ser interpretada no sentido maniqueístico. Francisco, quando descreve o “homo spiritualis” e o “homo carnalis”, não tem a pretensão de dividir maniqueisticamente o mundo em homens espirituais de uma parte e homens carnais de outra parte. Para Francisco, cada homem é “homo spiritualis” e “homo carnalis”; é “homo spiritualis”, à medida que age e vive como filho de Deus, realizando as obras e a vontade do Pai; é “homo carnalis”, à medida que age e vive como filho do demônio, praticando vícios e pecados e realizando as obras do demônio.

Portanto, é no próprio homem que se concretiza a oposição “homo spiritualis” – “homo carnalis”; é no próprio interior do homem que se dá a oposição entre o espírito do Senhor e o espírito da carne como dois modos contraditórios de ser (26) (ser filho de Deus ou filho do demônio) e de agir (realizar as obras do Pai ou realizar as obras do demônio).

É digno de nota o fato que Francisco estabeleça uma conexão entre o agir e o ser. Fazer as obras do Pai é a manifestação concreta do ser filho do Pai; fazer as obras do demônio é a manifestação concreta do ser ou tornar-se filho do demônio.

No texto em estudo, ao “espírito da carne”, que opera o pecado, Francisco opõe a operação ou o modo de agir do “espírito do Senhor”. O texto mostra como se processa a operação do “espírito do Senhor”. A primeira operação é a de vencer o “espírito da carne”: “O espírito do Senhor quer que a carne seja mortificada e desprezada, vil e desprezível”. Depois que é vencido o “espírito da carne”, o “espírito do Senhor” torna o homem capaz de desejar as virtudes (humildade, paciência, etc.), que têm como ponto culminante o relacionamento de temor, de sabedoria e de amor para com a Trindade: “e acima de tudo deseja sempre o temor de Deus, a sabedoria de Deus e o divino amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

6. O Espírito do Senhor e seu santo modo de operar

“Entretanto, admoesto e exorto em Jesus Cristo, Nosso Senhor, que os irmãos se preservem de toda soberba, vanglória, inveja, avareza, cuidado e solicitude deste mundo, detração e murmuração; e os que não têm estudos não os procurem adquirir, mas cuidem que, antes de tudo, devem desejar o espírito do Senhor e seu santo modo de operar: rezar sempre a Deus com coração puro; ser humilde e paciente nas perseguições e enfermidades; amar aqueles que nos perseguem, censuram e atacam” (27).

Esta admoestação contém duas partes distintas: a primeira, iniciada por “os irmãos se preservem”, descreve com toda clareza, mesmo se Francisco não o nomeie, o “espírito da carne” com as suas operações: soberba, vanglória, inveja, avareza, etc.; a segunda parte, iniciada por “cuidem que”, descreve o “espírito do Senhor” com as suas operações: rezar ao Senhor, ter humildade, paciência, etc.

Mas o que é importante neste texto não é tanto conhecer a lista das operações do “espírito do Senhor”, mas compreender o que quer significar ou sugerir a expressão “espírito do Senhor e seu santo modo de operar”.

A idéia de “operação” ligada ao “espírito do Senhor” não é casual, mas constitui o sentido mesmo da concepção do modo de agir do “espírito do Senhor”. O homem, possuído pelo espírito do Senhor, age segundo a maneira de agir de Deus. E este agir está sempre orientado para o bem. Trata-se de um agir que é fazer a obra do Pai celestial, conforme o segundo texto analisado neste estudo. É este espírito do Senhor, que se torna humano no homem, que permite a este fazer a obra do Pai.

Este modo de operar do “espírito do Senhor” não é, porém, uma vaga inspiração a alguma obra boa ou a um indefinido sentimento em direção ao bem; não se identifica também com um conceito abstrato de graça. O “espírito do Senhor” é presença habitual no homem do modo de ser, de pensar, de querer e de agir de Deus, presença que o identifica como filho do Pai celeste e como esposo, irmão e mãe de Jesus Cristo na união do Espírito Sant0 (28). Possuindo o “espírito do Senhor”, o homem, identificado como filho do Pai celeste, realiza também as obras do Pai; identificado como irmão de Cristo, como Cristo busca em tudo fazer a vontade do Pai celeste; e com a ação específica do Espírito Santo que une a alma fiel a Jesus Cristo, o homem que possui o “espírito do Senhor” se dispõe à “sancta operatio” (santo modo de operar), isto é, procura, como mãe de Cristo, trazer Cristo em sua vida e dá-lo à luz através de santo modo de operar (29).

Segundo nossa interpretação, encontram plena explicação na operação do “espírito do Senhor” as expressões “frater spiritualis” (irmão espiritual), “spiritualiter conversari” (conviver espiritualmente), “spiritualiter ambulare” (caminhar espiritualmente) e semelhantes (30). Quem possui o “espírito do Senhor” vai vencendo pouco a pouco o “espírito da carne” até tornar-se uma criatura nova, um “homo spiritualis”; quem possui o “espírito do Senhor” sente-se impulsionado a “viver (caminhar) espiritualmente”. Se este homem é um frade menor, o “espírito do Senhor” fará dele um irmão espiritual (“frater spiritualis”) capaz de amar os irmãos com amor maior do que o amor maternp (31) e de viver espiritualmente a vida religiosa (“spiritualiter conversari”) e de tratar os outros espiritualmente (“spiritualiter monere, spiritualiter honorare”, etc.).

Portanto, o agir do homem é santo modo de operar à medida que encarna o modo de agir do espírito do Senhor; assim, o santo modo de operar, que é uma característica do espírito do Senhor, se torna característica habitual do agir do homem espiritual.

7. Como se reconhece o espírito do Senhor

“Eis o meio de reconhecer se o servo de Deus tem o espírito do Senhor. Se Deus por meio dele operar algum bem, e sua carne não se exaltar por causa disso, pois a carne é sempre contrária a todo bem, mas antes considerar como mais insignificante e se julgar menor que todos os outros homens”(32).

Constata-se, no supracitado texto da décima segunda Admoestação, que o “espírito do Senhor” está ligado à ideia de reconhecimento de Deus como aquele que opera o bem. Para Francisco, é fundamental a imagem de Deus como origem e autor de todo bem. A oração e exortação ao louvor ao Deus Sumo Bem, que se encontra na Regra Não-bulada, afirma-o de maneira cristalina:

“Atribuamos ao Senhor Deus altíssimo todos os bens; reconheçamos que todos os bens são dele; demos-lhe graças por tudo, pois dele procedem todos os bens. E ele, o altíssimo e soberano, o único e verdadeiro Deus, os possua. E a ele se dêem, e ele receba toda honra e reverência, todo louvor e exaltação, toda ação de graças e toda a glória, ele de quem é todo o bem, e que só ele é bom”.

Citando o texto de Mt 19,17 (“só Deus é bom”), Francisco atribui a Deus a exclusividade no bem. Todos os bens são de Deus, procedem de Deus, têm Deus como autor. Esta exclusividade no bem se compara à exclusividade no amor que São João atribui a Deus. Para São João, Deus é amor, e onde há amor, Deus aí está. Para Francisco, Deus é o Sumo Bem, e onde há o bem, Deus aí está como origem e como autor.

Num trecho da mesma Regra Não-bulada, Francisco parece, à primeira vista, ter uma visão extremamente negativa do homem e negar-lhe qualquer possibilidade de fazer o bem. Seria esta uma maneira de expressar a exclusividade de Deus como origem e autor de todo bem? É necessária uma análise do texto antes de tirar esta conclusão. O texto é o que segue:

“E odiemos o nosso corpo com os seus vícios e pecados, porque, vivendo carnalmente, quer privar-nos assim do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e da vida eterna e consigo arrastar a todos para o inferno. Pois por nossa culpa somos asquerosos, míseros, e contrários ao bem, mas dispostos e prontos para o mal“(33).

Estaria o homem impedido de fazer o bem? Seria o homem, para Francisco, realmente um ser contrário ao bem?

As expressões “corpo com seus vícios e pecados” e “vivendo carnalmente” mostram, sem qualquer resquício de dúvida, que Francisco está pensando no espírito da carne. E o espírito da carne é esta realidade antagônica no homem que o induz ao pecado, que o conduz na direção oposta ao espírito do Senhor. O homem só é contrário ao bem, quando se deixa arrastar pelo espírito da carne. Não é contrário ao bem por impossibilidade de praticá-lo, mas é por própria culpa que o homem se torna contrário ao bem. Se fosse uma impossibilidade, não teriam qualquer sentido as inúmeras exortações aos frades e aos fiéis para fazerem o bem e para realizarem as obras do Pai celeste.

Voltando ao texto da décima segunda Admoestação, para Francisco, o espírito da carne é cheio de contradições. Este é contrário a todo o bem; e mesmo assim, procura gloriar-se pelo bem que não lhe pertence. Quem vive segundo o espírito da carne faz, desta maneira, uma indébita apropriação do bem que pertence a Deus.

Ao invés, quem possui o espírito do Senhor não se exalta, não atribui a si próprio ou ao seu próprio eu (34) o bem que Deus opera através dele, não se apropria do bem do Senhor, mas é humilde, reconhecendo-se desprezível e o menor dentre todos.

8. O espírito do Senhor e a possibilidade humana de fazer o bem

“Por isso, é o espírito do Senhor, que habita nos fiéis, que recebe o santíssimo corpo e sangue do Senhor (cf. Jo 6,62). Todos aqueles que não participam do mesmo espírito e ousam recebê-lo, comem e bebem a sua condenação (1Cor 11,29)” (35).

Ao afirmar que é o espírito do Senhor que recebe o corpo e sangue do Cristo na eucaristia, Francisco, muito provavelmente, tem como substrato o texto da Carta de São Paulo aos Romanos: “o espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (8,26). Exatamente no mesmo capítulo, nos versículos 5-8, São Paulo mostra a oposição existente entre viver segundo a carne e viver segundo o espírito (36). Para ele, o viver segundo a carne é espírito de escravidão, enquanto o viver segundo o espírito é espírito de adoção: “Pois não recebestes um espírito de escravidão, para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba, Pai!” (Rm 8,15).

Francisco se move neste mesmo campo de idéias, ou seja, no campo da oposição entre o espírito da carne e o espírito do Senhor. Receber indignamente o corpo e sangue de Cristo significa uma obra do espírito da carne. Recebê-los dignamente significa o espírito do Senhor.

Entender o espírito do Senhor como uma realidade que não seja o próprio homem, por exemplo o Espírito Santo, implicaria num dualismo que não se encontra em Francisco. O dualismo consistiria nisso: não seria o homem a receber a eucaristia, mas o Espírito Santo; o homem receberia a condenação. Segundo este dualismo, o homem estaria impossibilitado de fazer o bem. Mas como Francisco não quer culpar o inimigo externo pelo pecado do homem, igualmente não quererá privar o homem da honra de receber a visita do Senhor na eucaristia. Outras exortações, na verdade, mostram que Francisco quer que os fiéis recebam o corpo e sangue de Cristo, como se percebe no texto seguinte:

“E recebamos … o corpo e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem não comer a sua carne e não beber o seu sangue (cf. Jo 6,55.57) não pode entrar no reino de Deus (Jo 3,5). No entanto, que se coma e se beba dignamente, pois quem o recebe indignamente, come e bebe sua própria condenação”(37).

Este texto, tendo o homem como sujeito do verbo “receber”, mostra com toda a clareza que é o homem quem recebe o sacramento da eucaristia. Isto nos leva à conclusão de que, para Francisco, quando ele afirma que é o espírito do Senhor que recebe a eucaristia, ele pensa no homem que vive segundo o espírito do Senhor e não segundo o espírito da carne. O espírito do Senhor é a própria possibilidade que o homem tem de praticar o bem.

Conclusão

A leitura dos textos de Francisco que tratam do espírito do Senhor permitem que apontemos algumas breves conclusões. São conclusões simples, nada grandiosas; apenas, de alguma maneira, diferentes, porque consideradas sob uma ótica diferente.

Todos os textos examinados são passíveis de uma interpretação mais antropológica do que teológica. Esta afirmação não pretende jamais desmerecer nem diminuir a interpretação teológica; apenas, ao conceber o espírito do Senhor como uma realidade humana, coloca em relevo a excelência dada a essa realidade humana acima das demais criaturas, pois vê nela a imagem do Filho e a semelhança do próprio Deus.

O espírito do Senhor é compreendido como o modo de ser, de pensar, de querer, de sentir, de agir, de viver de Deus ou segundo Deus. Este modo de ser, de pensar, de agir, etc. torna-se realidade humana, encarnada na pessoa, e deve ser compreendido como um devir ou vir-a-ser, pois inclui uma tarefa, a de tornar-se sempre mais semelhança de Deus, reflexo da glória do Pai.

A vida de penitência tem como finalidade adquirir, ou melhor, ser possuído pelo espírito do Senhor, o que levará as pessoas a terem em mais plenitude a semelhança de Deus, a serem filhos do Pai celeste, irmãos, esposos e mães de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a especial ação do Espírito Santo.

Quem é possuído pelo espírito do Senhor torna-se homem espiritual. A presença habitual do espírito do Senhor permite aos fiéis viverem espiritualmente, agirem sempre espiritualmente, conviverem espiritualmente. O homem só pode fazer o bem, possuindo o espírito do Senhor. O espírito do Senhor é concebido, portanto, como a possibilidade humana de alguém praticar o bem.

Ao espírito do Senhor, que visa sempre ao bem, opõe-se o espírito da carne que procura e deseja praticar os vícios e cometer pecados. O homem possuído pelo espírito da carne é o homem carnal, torna-se filho do demônio.

Por isso, nosso Pai São Francisco está constantemente exortando¬nos a “desejar possuir acima de tudo o espírito do Senhor e seu santo modo de operar”.


Espírito Santo segundo o Dicionário Franciscano

Sem dúvida alguma espírito é uma das palavras-chaves da espiritualidade franciscana. Sua importância se revela já pelo fato de ocorrer 120 vezes nos escritos do santo. Um aspecto característico do termo – como de toda palavra-chave – é que parece exprimir toda a espiritualidade de Francisco, que se reflete na própria particularidade do termo. A linguagem exprime assim uma profunda intuição do santo a respeito das virtudes: “Quem possui uma não ofende as outras”. (SdVt 6). O motivo profundo de tal unificação interior deverá talvez aparecer claro no final de nosso estudo.

1. Análise textual: a) Deus é Espírito, por isso tudo aquilo que é de Deus (até a eucaristia e as virtudes infusas) só pode ser visto, percebido unicamente por meio do Espírito, como declara Francisco na Adm 1.5; b) como Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, aparece mais vezes em contextos trinitários, no qual a obra da salvação é considerada comum às três Pessoas:- é próprio do Espírito ser autor de todo bem e virtude; c) é por obra sua que Deus fixa morada na alma fiel; d) visto como E. de Nosso Senhor Jesus Cristo que habita os corações, faz com que se reconheça a proveniência de todo bem de Deus, dispõe a viver as suas santas obras, é desejável acima de qualquer outra coisa.

e) Existem expressões características de Francisco “na caridade do espírito”, “em obediência ao Espírito”, “a pobreza do Espírito”, “a vida do Espírito”, “a sabedoria do Espírito”; nelas a atenção é colocada naquele que é a fonte destas e de todas as virtudes e dons; ressaltando-se, portanto, a natureza da graça nestas atitudes; – outras expressões designam assim o servo de Deus e seguidor de Cristo que é, como ele, transformado pela ação divina e gratuita do Espírito, de posse da verdadeira sabedoria e vencedor da sabedoria da carne.

f) Com relação ao estudo e anúncio da Escritura, Francisco adverte quanto ao perigo da “letra” que mata, e que se busque e se siga “o Espírito da letra divina”, que significa também, neste contexto, deixar-se iluminar somente pelo E., que é o seu autor.
g) Várias vezes Francisco declara que as palavras de Cristo são “espírito e vida”, e, assim, também as “suas” palavras ou as dos teólogos; exprime com isso a sua certeza de que todos aqueles que recebem no Espírito a palavra divina são vivificados por Deus.

h) Muitas vezes Francisco lembra o sentido oposto, o “espírito (sabedoria) da carne” e o “Espírito do Senhor”, que distingue os “penitentes” daqueles que “não fazem penitência”.

i) O fruto do Espírito, que deve ser desejado acima de qualquer outra coisa, é a atitude de “adorar a Deus em espírito e verdade”, “com pureza de coração e de mente”, porque Deus é espírito.

_ A palavra “espírito” qualifica outros tantos aspectos da experiência franciscana: Francisco diz que o homem é criado à semelhança de Deus no Espírito, Deus forma os seus eleitos com o espírito de arrependimento: tanto no trabalho, como na pregação e na contemplação deve-se cuidar para não se extinguir o espírito da santa oração e devoção; deve-se desejar e buscar acima de qualquer coisa o Espírito do Senhor e o seu santo modo de operar; na oração, voz e espírito devem estar em consonância; – Todas estas expressões indicam uma relação sobrenatural com Deus.

j) E assim toda vez que aparece a palavra espiritual: amigos, irmãos e irmãs, amor entre irmãos espirituais, é no seu sentido do Espírito que é criador da fraternidade; – advérbio espiritualmente tem o mesmo significado, com mais evidëncia quando aparece contraposto a “viver carnalmente”, e é assim que a Regra deve ser entendida.

l) Francisco, nas suas orações marianas, coloca Maria num contexto trinitário bem
específico e como “esposa do Espírito Santo” mas também como ponto de partida da Igreja na graça das virtudes e dons que o Espírito Santo infunde nos corações; – ressalta a maternidade espiritual mariana na Igreja e na Ordem em relação a Cristo, que todo “fiel” pode gerar por obra do Esposo, o Espírito Santo; e indica como ministro da Ordem o Espírito Santo e como “paráclita”, advogada, Maria, enquanto esposa do mesmo.

2. Síntese doutrinal – De uma ampla análise emergem estes pontos teológicos: a) Francisco teve uma intuição profunda, mística de Deus Trindade como Espírito que dá vida; – b) a vida de Deus, no seio da Trindade, assim como também no mistério da salvação, é interpessoal; – c) e é uma vida sempre presente; – d) e age sempre em íntima união; – e) por causa desta concepção trinitária ocorre que nem sempre se entende bem a qual pessoa Francisco se refere quando usa as palavras Espírito ou Senhor; – f) mas a missão do Espírito aparece fundamental na atuação da vida cristã em sua íntegra; g) para Francisco a fonte única de todo bem, também no homem é somente Deus que, operando em nós, nos torna filhos, esposos, irmãos e mães; h) uma relevância especial é dada a Maria-Igreja em relação ao Espírito; i) entre as virtudes que Francisco considera infusas sobressaem-se como palavras-chaves: penitencia, pobreza, obediência, caridade, vida evangélica apostólica, seguimento de Cristo.

j) Fica claro que se pode atribuir ao Espírito um valor vital-central e unificante na espiritualidade franciscana: que Francisco parece sintetizar com a expressão possuir o Espírito do Senhor e o seu santo modo de operar”; por isso afirma que quem possui uma virtude possui todas, porque é o Espírito do Senhor o inspirador de toda a virtude.

3) Momento histórico e atual – É frequente o uso desta palavra e adjetivos derivados na história franciscana, principalmente nos momentos de renovação, e, também na secular discussão acerca da interpretação da Regra. Para os “espirituais”, como Clareano, a observância espiritual é exatamente a literal; a história se desenvolveu em torno de duas interpretações: uma escrita, ligada às declarações pontifícias, e a outra que aceita também as dispensas pontifícias; – entre essas duas interpretações se encaixaram, ao longo dos séculos, os vários movimentos de reforma, em nome de uma leitura simples da Regra, mais como experiência genuína pessoal do que como mentalidade legalística;
e é o horizonte no qual se situam hoje as várias famílias franciscanas.

4) Momentos do Espírito na experiência das origens – É a ação do Espírito que faz dos frades “irmãos espirituais”, unindo-os num laço de amor mais profundo do que o próprio amor materno, pois é ele o “ministro geral da Ordem” e repousa igualmente sobre ricos e pobres, doutos e simples; e conduz os simples e os pequenos, como foi o caso de Francisco, ao conhecimento dos mistérios de Deus, nisto consiste a verdadeira sabedoria; – é o princípio dinâmico da vida da fraternidade; ele vivifica aqueles que na Palavra de Deus não buscam a “letra” e a autopromoção, mas uma luz para clarear o seu caminho e o dos outros, isto é, as santas obras; os frades devem deixar-se conduzir pela sua ação; – Francisco presta atenção especial à ação do Espírito, vive-a até o total despojamento de si; – a obediência ao Espírito torna os frades humildes, pacientes, alegres nas tribulações, verdadeiros servos de Deus e de todas as criaturas, e transforma o amor humano em ágape.

– No período da conversão, Francisco se deixa instruir pelo Espírito e opta pelas coisas amargas, que lhe são transformadas em doçura, e também Clara aprende dele esta mesma atitude de penitência; Francisco e Clara atribuem diretamente à inspiração divina a sua vocação ao seguimento de Cristo, segundo a forma do Evangelho; Francisco ressalta que só recebe dignamente a salvação e o corpo e sangue do Senhor aquele que o enxerga com os olhos do Espírito, na fé e no Espírito que habita nos fiéis; a busca do Espírito do Senhor, que é vontade de conversão, é o fundamento da CtFl, e por isso animação interior do Memoriale propositi, e também da nova Regra da OFS; aquele que acolheu como graça o seguimento de Cristo, e torna-se totalmente disponível à ação do Espírito; e, se torna espiritual”, pronto para refutar o “espírito da carne” e para conformar-se em tudo ao Senhor; e para tratar a si mesmo e aos outros com “discrição”, que é sabedoria e misericórdia; Francisco destaca a necessidade de “renascer”da água e do Espírito”que é anunciada “aos sarracenos”, quando assim o sugerir o Espírito aos seus frades missionários.

– Francisco chama Maria de “esposa do Espírito”, um título novo na tradição mariana; mas aplica este título também às clarissas e a todos os fiéis; por obra do Espírito, Maria é “consagrada”, é “virgem feita igreja”, tabernáculo e palácio do Senhor; e entra numa relação singular com a Trindade; e por isso Francisco, confiando-se ao patrocínio dela, quer imitar-lhe a vontade de acolhida, para conceber e gerar Cristo em si e nos homens. Assim, também a alma fiel entre em relação esponsal com o Espírito, que, com a sua presença e ação, lhe confere fecundidade e maternidade espiritual na Igreja e pela Igreja, participante da maternidade de Maria.; dom do Espírito ao mundo é também Francisco que, investido de sua força, se torna salvação, esperança e norma de vida segundo o Espírito, imagem de Cristo; inserido vitalmente no quadro da história da salvação, como ressaltam os hagiógrafos.

Dicionário Franciscano, Espírito Santo, espírito, espiritual – verbete 204-215

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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