
Frei Vitor Vinicios da Silva, OFM[1]
À maneira dos ciclos da natureza, iniciamos um tempo outonal não apenas para os amantes de São Francisco, mas para todos aqueles que se importam com a Mãe Terra. O humanismo de Francisco nos deixa como herança um poema intitulado “Cântico das Criaturas”, um manifesto à humanidade. Nesse ano de 2025 celebramos 800 anos desse Cântico, na certeza de que ele ainda continua apontando para uma linguagem atual e significativa. Dessa forma, somos convidados a somar nossas vozes à de Francisco para cantar à humanidade esse grito de esperança.
Esse poema foi escrito por Francisco na maturidade da sua vida, um pouco antes da sua morte. Em 1225, tivemos a primeira fase da redação e a segunda fase, mais especificamente as últimas estrofes, em 1226 quando já se encontrava às vésperas de sua passagem. É interessante que esse contexto é de enfermidade e sofrimento, o próprio Códice338, o mais antigo de Assis, tem o cuidado de nos dizer que o Cântico foi composto quando se encontrava enfermo em São Damião nos concedendo a sabedoria de que, mesmo na enfermidade, foi capaz de expressar essa experiência profunda em sua vida. Em outras palavras, aprendemos que o pai Francisco, mesmo na doença, foi capaz de louvar o Criador e toda sua obra da criação, com a certeza de que somos apenas itinerantes nesse mundo. Além disso, ao contrário dos grandes letrados de seu tempo e de uma parcela da população que usava o latim como língua, Francisco pronuncia seu canto no dialeto italiano. Assim, podemos pressupor que ele desejou ou buscou uma linguagem dos simples e não a linguagem hegemônica do seu tempo.
Para além desses aspectos históricos e reflexivos, queremos sinalizar para um Francisco amante da arte. Embora ele não tenha sido um trovador e nem um jogralista no sentido estrito, era alguém que usava da música e da poesia para manifestar a sua experiência religiosa e espiritual. Era um artista popular que carregava uma mensagem de esperança em seu tempo; sua performance buscava apresentar de forma simples e envolvente a sua experiência profunda com Deus. Era um homem que se sentia um trovador de Deus, à maneira de “[…] poetas e cantores que percorriam os palácios dos nobres, cantando com bravura de cavaleiros e o amor cortês dedicado às donzelas de seus sonhos” (TEIXEIRA, 2019, p. 577). Com isso, retomamos um Francisco que nos aponta para uma evangelização por meio da linguagem corporal, teatral e lúdica, para expressarmos uma mensagem bela ao mundo.
Tendo sua ancestralidade materna francesa, relatos nos informam que “[…] num de seus arroubos de louvor, começou a cantar em francês e, não tendo instrumento que o acompanhasse em seu louvor, tomou um pedaço de pau, colocou-o sobre o ombro esquerdo e, com o outro, que lhe servia de arco, o friccionava à maneira de quem toca violino” (TEIXEIRA, 2019, p. 575). Essas performances nos concedem a certeza de que Francisco compreendia que arte não é apenas um deleite para a alma ou um entretenimento, mas um meio de anunciar uma nova humanidade. Existe nela um compromisso social capaz de transformar nossas estruturas sociais, políticas e econômicas. Dessa forma, seu “Cântico das Criaturas” é um compromisso social na certeza de que pode nos transformar em instrumentos da paz e do bem.
Essa poesia escrita por Francisco é um louvor que sustenta ao longo do tempo um convite a buscarmos a harmonia e a paz entre nós. O Cântico é um encontro do nosso interior com o exterior, uma união de criaturas que louvam a Divindade. Por outro lado, é uma experiência de esvaziamento da vontade do poder humano; somos irmãos e irmãs chamados a viver em harmonia. É um convite à exaltação da criação em um gesto de reverência a todos e todas de nosso tempo, e precisamos reaprender a descobrir a riqueza que é o outro. Portanto, somos convidados nessa celebração da poesia de São Francisco, a reapresentá-la nas suas diversas maneiras, recorremos às artes, como, por exemplo, nas nossas danças folclóricas que belamente incorporam movimentos e representam os elementos naturais, celebram a beleza dos ciclos das estações com suas colheitas na certeza de expressar a harmonia e a bondade da criação. Ou olhemos também para a arte do ballet que expressa a perfeição e a beleza da criação a partir dos seus movimentos graciosos e disciplinados e outros tantos modos de expressar essa arte da criação.
Na certeza desse convite de São Francisco, busquemos ecoar o seu canto como um manifesto de conversão à humanidade. Conforme as inspirações do homem de Assis, façamos nossa arte, na certeza de homenagear o nosso Deus Criador e convidar a todos ao compromisso social. Devemos rever todos os atos que corrompem a criação e que afundam o ser humano no pecado. Assim, cantemos todos juntos uma arte que expresse esse amor sem hierarquias e fronteiras, sendo está uma das mensagens mais necessárias e significativas para o nosso tempo.
REFERÊNCIA
TEIXEIRA, Celso Márcio. Franciscanismo: Estudos e reflexões. Belo Horizonte: Gráfica do Colégio Santo Antônio, 2019.
[1] Graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, graduado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Especialista em Ensino Religioso e Gestão Integradora pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais, IPEMIG.