Uma fraternidade de Menores entre os menores: 40 anos de presença franciscana na zona rural de Teresina

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Neste ano de 2024, nós Frades Menores da Província Franciscana Nossa Senhora da Assunção – Maranhão e Piauí, celebramos com grande júbilo os 40 anos de presença missionária no Bairro Cerâmica Cil, Zona Rural e periférica de Teresina.

Nos idos da década de 1980, o mundo que parecia estar em constante transformação, e o Brasil, em um contexto político um tanto quanto conturbado, viu acontecer a 3ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina em Puebla (México), fonte inspiradora na caminhada das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Em consonância com a Igreja, os frades menores reuniram-se em Salvador – BA para um Conselho Plenário da Ordem no qual urgiu uma diretriz que ainda ecoa aos nossos ouvidos “os pobres são os nossos mestres”, levando-nos assumir esta realidade como germe fundante de nossa experiência com Jesus, pois nela é possível vislumbrarmos o evangelho vivo e encarnado, que nos salva e liberta. A chamada “opção preferencial pelos pobres” (assim batizada pelo Conferência de Medellín, em 1968) ficava cada vez expressamente afirmada, bem como dava priorização à dimensão histórica e social do povo de Deus.

Neste contexto, a então Custódia de Nossa Senhora da Assunção, acompanhando aos apelos eclesiais, decidiu por direcionar suas casas de formação para jovens frades à lugares mais simples, em meio ao povo, como fez o próprio Pai Francisco, que se afastou do burburinho de Assis para tornar o mundo todo sua clausura, dando especial predileção aos leprosos. Quando em julho de 1982, a Província Eclesiástica do Piauí abriu em Teresina o Seminário Sagrado Coração de Jesus para os estudos de Filosofia e Teologia, o governo da Custódia transferiu os estudantes para a dita capital, para realizarem seus respectivos cursos.

Depois de um pequeno período no Convento São Raimundo – Piçarra, em 1984, os estudantes, por iniciativa de seu então Mestre Frei Henrique Johannpötter OFM, decidem mudar-se para as cercanias da famosa “Cerâmica Cil” – 9 km distante do Seminário –morando provisoriamente no coro de uma pequena Capela situada no centro da povoação, até que a nova casa de formação estivesse totalmente construída. Após fixação de residência naquele lugar, os frades formaram uma verdadeira comunidade inserida, adaptando-se ao ambiente simples, desempenhando uma atividade intensa de assistência, não somente pastoral, mas também social.

É impossível partilhar das orações do povo e não igualmente partilhar de sua vida sofrida que embalsama suas preces, súplicas e litanias; e os frades, atentos a tantas lamúrias, condoíam-se ao ver a cruel exploração da qual os trabalhadores das cerâmicas eram submetidos pelos famigerados patrões. As jornadas eram exaustivas e as condições de trabalho mínimas. A residência dos frades era rodeada de casebres erguidos com tijolos de péssima qualidade, as crianças tinham pouco estudo e estavam fadadas a seguir o mesmo caminho dos pais. Ninguém era dono de seu pequeno lote, e dependiam exclusivamente dos donos das fábricas, que os mantinham sob seu domínio com pequenos auxílios médicos (remédios, consultas), caixões para os ritos fúnebres e nada mais.

A falta de água era constante e somente os frades tinham um poço, que serviu muito a toda comunidade. Um fato importante a se lembrar é de que a Toyota Bandeirante do Convento era quase o único automóvel da região, que igualmente ajudou todo o povo em suas necessidades. Mesmo assim, denunciar era um compromisso evangélico, e como verdadeiros “Moisés”, estes Menores homens de Deus empreenderam uma luta de libertação, mostrando ao mundo que o trabalho quando não dignifica torna o homem seu escravo. A hostilidade a presença dos frades aumentou, pois aqueles que andavam com eles, não raro, eram vigiados por jagunços. Era necessário então se fazer uma dura escolha: ou o direito e a justiça ou o pão para pôr na boca dos filhos.

Quarenta anos Deus conduziu sua porção eleita por Moises e Aarão pelos caminhos áridos do deserto até chegar à Terra prometida, por quarenta anos Deus tem nos conduzido com sua mão potente. Portanto, hoje, elevamos aos céus eternos, com o peito cheio de quem se sente liberto, um cântico ao Senhor Glorioso que pelejou ao nosso lado.

O jubileu dos 40 anos acontece oportunamente na celebração dos 800 anos da estigmatização de São Francisco, assim, compreendemos mais nitidamente que aqueles que se deixam ser fitados pelo olhar amoroso de Jesus são marcados por Ele. Nada além do amor motivou os primeiros franciscanos a estar com os mais pobres, naquele lugar, e ser no meio deles a beleza e a ternura do rosto de Jesus, o “belo” Pastor, pois “somente o amor autêntico a Cristo é capaz de tornar o amante na própria imagem do amado” (Legenda Maior de São Boaventura 13, 5).

Que permaneça nos anais da recente história franciscana do Brasil a vida e missão silenciosa destes frades, longe dos holofotes e dos aplausos, verdadeiros operários de primeira hora na vinha do Senhor. Aquela semente plantada e regada pelas torrentes águas de Medellín e Puebla foi ricamente abençoada, produzindo frutos abundantes. Que o exemplo destes nossos irmãos perdure em perpétua memória e que nos conduza nos caminhos do futuro com esperança fagueira!

Frei João Pedro Nunes dos Santos, OFM.

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