A vocação de Santa Clara

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Agosto: mês vocacional – mês de Santa Clara. Sempre digo que falar da vocação da Mãe Santa Clara é ir nas próprias fontes da nossa vocação. Aquilo que foi próprio de seu caminho com o Senhor é dela, mas ao mesmo tempo é profecia e herança para nós, que seguimos a Jesus através de seus passos.

Gostaria de refletir um pouco sobre a vocação de Clara, não a partir dos dados biográficos a este respeito, sua história vocacional, que todos conhecem, mas a partir do ponto central desta vocação, o “ponto de partida” e de chegada para ela. O que a motivou, o que a seduziu, o que a sustentou em sua resposta de amor ao Amado.

As primeiras palavras de Clara em seu Testamento são uma verdadeira convocação ao louvor ao Pai das misericórdias pelo dom da vocação: “Entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente da generosidade do Pai de toda misericórdia (cf. 2Cor 1,3) e pelos quais mais temos que agradecer ao glorioso Pai de Cristo, 3 está a nossa vocação que, quanto maior e mais perfeita, mais a Ele é devida. 4 Por isso diz o Apóstolo: “Reconhece a tua vocação” (cf. 1Cor 1,26).” Clara percebe a própria vocação e a de suas irmãs como o dom maior, entre todos os benefícios que o Pai dá a cada dia. É esta a sua maior alegria, “a qual ninguém poderá roubar” (Cf. 4CCL 5).

Mas, o que é para Clara esta altíssima vocação? Logo após as palavras introdutórias do Testamento acima citadas, ela continua: “O Filho de Deus fez-se para nós Caminho (cf. Jo 14,6; 1Tm 4,12) (Test. 5)”. Esta seria a essência da sua vocação. É a pessoa mesma de Jesus, o Verbo encarnado, o pobre no presépio, na vida, na cruz. É Cristo em seu mistério total. Clara, assim como Francisco, não segue um ideal, um projeto elaborado. Segue tão somente Jesus, e Jesus pobre e humilde. É desta forma que Jesus se fez nosso Caminho, e o é especialmente para Clara e suas irmãs. E ela aprendeu isto do Pai Francisco: “O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho (cf. Jo 14,6; 1Tm 4,12) que nosso bem-aventurado pai Francisco, que o amou e seguiu de verdade, nos mostrou e ensinou por palavra e exemplo. (Test. 5)” Para mim, é muito marcante e simbólica a introdução do filme Clara e Francisco, quando ele vai caminhando à frente, deixando atrás suas pegadas, e Clara segue colocando seus pés nos rastros de Francisco. Francisco olha para trás e lhe pergunta: “Clara, estás seguindo minhas pegadas? Clara sorri e diz: “pegadas mais profundas.” Ou seja, Clara Segue Jesus nos passos de Francisco. Ela reconhece o chamado do Senhor pela mediação de Francisco. Este é o seu grande memorial. E ela enche-se de profunda gratidão por esta tão sublime dádiva.

Seguir Jesus foi para Clara o maior dos benefícios, o maior motivo de bendizer ao Pai, o caminho da “bem-aventurança” neste mundo, antes mesmo da beatitude da eternidade: “Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele 10 cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, 11 cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, 12 cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, 13 cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, 14 pois é o esplendor da glória (Hb 1,3) eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha (Sb 7,26).(4CCl). Como não perceber nestas frases a profunda alegria, beatitude, plenitude de Clara, por poder seguir “o Filho de Deus que se fez nosso Caminho?” Clara é apaixonada, enamorada de Deus. Vive seu cotidiano em São Damião, na Liturgia, na contemplação, no trabalho, na vida fraterna, como um festivo banquete, onde o Esposo se dá continuamente em alimento, onde Ele preenche todo espaço dentro e fora dela. É assim a experiência da clausura de Clara. Ela, sentindo-se plenamente feliz em participar deste sagrado banquete, exclama, cheia de júbilo, a Inês de Praga, a quem ela se dirige: Feliz és tu! E diz a ela em outra carta: vós tendes é que exultar e vos alegrar (cf. Hb 13,18) muito, repleta de imenso gáudio e alegria espiritual, 22 pois tivestes maior prazer no desprezo do século que nas honras, preferistes a pobreza às riquezas temporais e achastes melhor guardar tesouros no céu que na terra, 23 porque lá nem a ferrugem consome nem a traça rói, e os ladrões não saqueiam nem roubam (cf.Mt 6,20).(1CCL).

Assim, percebemos que Clara vive sua vocação de seguir Jesus pobre e humilde como quem encontrou um tesouro no campo, a pérola preciosa, o próprio reino dos céus. Para possuir a Cristo, ela despojou-se de tudo e de si mesma, desde a sua fuga da casa paterna até a restituição de si mesma nos braços do Esposo, na hora de sua passagem para a eternidade.

É o olhar voltado para o Senhor, a cada dia e sempre, que deu todo sentido aquilo que Clara viveu junto com suas irmãs em São Damião, durante seus 40 anos de reclusão naquele pequeno convento.

Para concluir, deixo abaixo um trecho da introdução dos Escritos e Legenda de Santa Clara nas Fontes Franciscanas da editora mensageiro, que resume o que aqui refletimos:
“Se lermos atentamente os escritos de Santa Clara, perceberemos de imediato que a sua inexorável e única paixão era seguir a Jesus Cristo, crucificado. Jesus Cristo crucificado, como no caso de São Francisco, a fascina, a atrai, absorve‑lhe todas as forças, no grande desejo de unir‑se a ele, de ser carne de sua carne, osso de seus ossos. Para Irmã Clara, Jesus Cristo crucificado era tudo, sua existência, sua realização, sua contemplação, sua consagração. Seja o que for, e como for, as vicissitudes e as diversidades de formas que tomavam a sua vida e a vida de suas primeiras co-irmãs, no corpo e na alma, em particular e em comunidade, na vida privativa e na vida pública, nas coisas cotidianas e nas coisas extraordinárias de acontecimentos inesperados, na dor e na alegria, nos fracassos e nas vitórias, na doença e na saúde, na morte e na vida, em tudo, e em cada coisa, a cada momento, viver, existir, ser, para Clara não era senão, única e exclusivamente, seguir de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento a Jesus Cristo crucificado. Essa era para Clara, a vida franciscana, a vida em pobreza, a Vida Religiosa consagrada. E isto simplesmente, e não vice‑versa! Assim, a pobreza, isto é, a senhora Pobreza, ou seja, Jesus Cristo crucificado, não era uma das inúmeras modalidades que constituem a vida clariana. Era como que o registro central, a categoria fundamental, a partir e dentro do qual se consideravam e se operavam todos os afazeres da vida clariana, sejam quais forem suas denominações, por exemplo, contemplação, fraternismo, minorismo, busca de perfeição pessoal, vida comum, vida espiritual e cultivo de piedade, clausura, vida de mosteiro, vida no eremitério, sim, a própria pobreza, entendida como prática de ascese e de penitência ou, também, de uso pobre das coisas etc. Todas essas coisas não teriam nenhum sentido, por si e em si, se não estivessem enraizadas em Jesus Cristo crucificado e seu seguimento. Nesse sentido, o seguimento de Jesus Cristo crucificado era radical, isto é, a raiz de todas as coisas para Santa Clara.”

Que possamos, como a Mãe Santa Clara, fazer de Jesus pobre e humilde, o centro da nossa tão bela vocação franciscana.

Em louvor de Cristo, Amém!

Escrito por Irmã Maria Bernarda do Bom Pastor, OSC para o Boletim Irmão Sol nº 04 de 2021.
Mosteiro Mãe da Providência – Cascavel/PR

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