“Caminho dos Santos Mártires do Brasil”, resgate de fé e cultura no nordeste do Brasil

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“Após a elevação da hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do Senhor para a adoração dos presentes, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e se deu início à terrível carnificina.”

Os martírios ocorridos em 1645 em Cunhaú e Uruaçu, levaram à honra dos Altares os Protomártires do Brasil Pe. André de Soveral, Pe. Ambrósio Francisco Ferro, o sacristão Mateus Moreira e outros 27 companheiros leigos. A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco na Praça São Pedro em 15 de outubro de 2017. Sua memória é celebrada pela Igreja no Brasil em 3 de outubro.

Para incentivar e difundir a devoção aos nossos primeiros mártires, foi criado “Caminho dos Santos Mártires do Brasil”, um percurso de fé inspirado também no Caminho de Santiago – uma das mais conhecidas Rotas de Peregrinação – que repassa a história dos mártires, intimamente ligada à invasão holandesa no nordeste.

Por trás da iniciativa, Sidnésio Moura, coordenador do Fórum Nacional de Turismo Religioso, que ao Vatican News recordou um alerta de 2014 do ex-presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, cardeal Antonio Maria Vegliò: o Turismo Religioso não pode negligenciar a espiritualidade, e a espiritualidade deste segmento é a evangelização.

O Caminho pode ser feito a pé, de bicicleta, de moto, carro ou excursão. Independente da modalidade escolhida pelo peregrino, o objetivo é “levar as pessoas a um pleno encontro com Deus, um pleno encontro de evangelização, de espiritualidade”. A exemplo do Caminho de Santiago, o peregrino vai recebendo carimbos na credencial ao longo das etapas do percurso e no final do Caminho recebe o Certificado do Peregrino.

Um percurso de fé e cultura

Ao longo da peregrinação estão capelas, igrejas, catedrais, santuários, ruínas, mas também os atrativos de cada localidade. E em se tratando de Nordeste, não poderia faltar também a ênfase à Laudato Si do Papa Francisco, com a vista à área de Proteção Ambiental de Dunas Móveis, onde há 27 lagoas, sem falar na beleza das dunas e praias.

O trajeto tem início no Engenho de Cunhaú, em Canguaretama, onde está a Capela de Nossa Senhora das Candeias – local do primeiro massacre – e o Santuário Chama do Amor. Ali, os peregrinos são acolhidos por sacerdotes, ocasião para conhecer um pouco mais da história dos Santos Mártires e receber uma bênção.

Na localidade, também é possível visitar a comunidade indígena Catu, da etnia Potiguara, originária do antigo aldeamento de Igramació, século XVIII.

O percurso inclui depois o litoral de Nísia Floresta, onde está a Igreja Matriz Nossa Senhora do Ó, com 188 anos. Justamente na localidade que nasceu há quase 60 anos a Campanha da Fraternidade, segundo contou entusiasmado Sidnésio Moura, destacando o aspecto histórico do lugar.

Já no povoado de Hortigranjeira, no município de Nísia Floresta, estão as ruínas da casa de São João Lostau (ou Lostão) Navarro, um dos companheiros do sacristão Mateus Moreira. Segundo relatos históricos, ele foi levado preso ao Forte dos Reis Magos e depois para Uruaçu, local onde ocorreu o segundo massacre e onde foi morto.

De Nísia Floresta o percurso segue para a Via Sacra de Timbó e então para Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte.

“Em Natal – contou o coordenador do Fórum Nacional de Turismo Religioso – nós tínhamos uma antiga Catedral, a Matriz Nossa Senhora da Apresentação. A primeira igreja de Natal foi fundada em 1599, onde no presbitério a gente pode ver preservado o local onde era o primeiro piso”.

Ali, de fato, foi celebrada a primeira Missa em Natal, “e o segundo pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação foi o padre Ambrósio Francisco Ferro”. Mateus Moreira – que ao ter seu coração arrancado exclamou “Louvado seja o Santíssimo Sacramento” – era sacristão da Matriz Nossa Senhora da Apresentação. Ele foi proclamado Padroeiro dos Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão.

Mas neste “caminho de evangelização”, Sidnésio conta que também foi incluída a Gruta dos Ciganos, no Santuário dos Ciganos, “o primeiro no mundo onde o peregrino, o turista, vai conhecer 7 mil anos de história dos ciganos”.

O Santuário dos Ciganos fica na praia de Santa Rita, na cidade chamada Extremoz. E ao explicar do porquê da inclusão deste Santuário no roteiro, Sidnésio recordou a primeira visita de um Pontífice a uma comunidade cigana, mais precisamente São Paulo VI, à comunidade nômade de Pomezia, Itália. Uma mudança de olhar e acolhida à comunidade cigana seguida por São João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Ademais, o potiguar destacou as figuras de Santa Sara Kali, Padroeira universal do povo cigano, o Beato Ceferino Giménez Malla – ativista pelas causas romani espanholas – e Beata Emília Fernández Rodríguez de Cortés – cigana mártir.

Da Gruta dos Ciganos retorna-se a Natal, com a visita ao Santuário Nossa Senhora de Fátima, onde está sendo construída a quarta réplica da Capela de Fátima, de Portugal.

Da Capela, a peregrinação segue para São Gonçalo do Amarante, já em Uruaçu, local do segundo massacre, ocorrido em outubro de 1645, e onde é possível conhecer toda a sua história.

O retorno então para Natal, para a visita à Basílica do Mártires, no Bairro Nazaré. “Nesse Santuário – explicou Sidnésio – está a iconografia, a autêntica, verdadeira, a primeira iconografia” quando da beatificação dos Mártires por desejo de São João Paulo II, no ano 2000.

Como foi o martírio

Para quem não conhece a história dos primeiros mártires do Brasil, o coordenador do Fórum Nacional de Turismo Religioso faz um breve relato:

No ano de 1645 os holandeses invadem o Estado do Rio Grande do Norte, eles vêm de Pernambuco. E aí aconteceram os dois massacres no Estado do Rio Grande do Norte. O primeiro massacre acontece no dia 16 de julho de 1645, durante a celebração da Santa Missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú, no atual município de Canguaretama, aqui no Estado do Rio Grande do Norte. De acordo com os relatos históricos, após o padre André de Soveral realizar a elevação da Hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do Senhor para adoração dos presentes, Jacó Rabe trancou as portas da Capela e com a tropa de índios Tapuias e soldados ordenou a matança de todos os fiéis. Em Uruaçu, o segundo massacre aconteceu três meses depois, no dia 3 de outubro – hoje parte do município de São Gonçalo do Amarante. Com as notícias sobre o ocorrido em Cunhaú, alguns católicos buscaram refúgio na Fortaleza dos Reis Magos, em uma fortificação construída no pequeno povoado de Potengi, que ficava próximo da fortaleza, mas foram atacados pelas tropas de Rabe. Eles resistiram, mas acabaram se rendendo e foram massacrados às margens do rio Uruaçu. Entre os mortos estava o padre Ambrósio Francisco Ferro e o camponês Mateus Moreira. De acordo com os relatos históricos, os invasores holandeses, ofereceram aos fiéis católicos a opção de conversão ao calvinismo, mas eles escolheram martírio e o acolheram entre orações e exaltação à Deus, né.

Mateus Moreira, a gente sabe que quando arrancaram seu coração, quando ele é morto, ele em um brado, em um grito, fala: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. E isso aí revolta, naquele tempo, naquele momento, os holandeses, a disposição dos fiéis na hora da morte era a de verdadeiros mártires. Ou seja, aceitando voluntariamente o martírio por amor a Cristo. Os assassinos agiam em nome de um governo que hostilizava abertamente a Igreja Católica, a religião do governo português do qual eram adversários. Foram dezenas de mortos. Nos dois episódios, mas apenas 30 foram canonizados, sendo 28 leigos e dois sacerdotes, isso porque devido à violência com que foram mortos, muitos não puderam ser identificados. Isso é, existe um relato que na canonização, quando o Papa Francisco canoniza, ele fala o nome de Ambrósio Francisco Ferro, André de Soveral, Mateus Moreira, seus 27 companheiros e os anônimos. Então para ver que são muito mais Santos do que aquilo que a gente imagina.

Então foi um massacre, foi uma invasão, a invasão holandesa. Na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, o padre Ambrósio, que foi o segundo pároco da igreja, quando soube da invasão holandesa, começou a esconder coisas para que os calvinistas ali não as queimassem – a violência era tão grande – não queimassem dados históricos da igreja. É claro que muitas coisas se perderam, mas uma coisa que não se perdeu, que foi descoberta em 1995 na reforma da Matriz Nossa Senhora da Apresentação – estava escondido na parede – foi o Ostensório. O Ostensório que em alguns momentos solenes, que sai da Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação, em Natal, era o Ostensório escondido dentro da parede. Existia uma abertura, o padre Ambrósio esconde o Ostensório e na reforma foi descoberto. O Ostensório é uma relíquia histórica nossa, então é belíssimo, essa história relacionada aos nossos mártires. Então isso é um resumo daquilo que nós temos, daquilo que nós temos sobre os Santos Mártires. Vale a pena, vale a pena vir conhecer o caminho, vir conhecer a história, vir se aprofundar nessa história, certo, belíssima dos nossos Mártires do Brasil, Santos Mártires de Cunhaú e Uruaçu.

Contato

O “Caminho dos Santos Mártires do Brasil” foi aberto recentemente. O primeiro Tour foi realizado com guias de turismo e já vem despertando interesse. Sidnésio conta já ter recebido ligações de Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Paraná, e naturalmente do Rio Grande do Norte.

“As pessoas estão querendo se encontrar com Deus, e é esse o diferencial do Caminho dos Mártires, é esse encontro com Deus”, garante o potiguar, especialmente neste período de pandemia em que tantas pessoas perderam algum ente querido.

Os contatos para peregrinações podem ser feitos pelo número (84) 99 06 9597 ou pelo perfil Instagram @sidnesiomoura.

Fonte: Vatican News

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