Frei Vitor Vinicios da Silva, OFM¹
A Campanha da Fraternidade é um convite da Igreja do Brasil aos cristãos e aos homens e mulheres de boa-fé, para viverem um processo de transformação. Do ponto de vista das comunidades cristãs caminhamos em sintonia com o tempo litúrgico, a Quaresma. Essa estação quaresmal é o tempo da preparação para vivenciarmos algo muito importante na vida dos batizados, celebrarmos o Mistério Pascal de Cristo. Em outras palavras, somos convidados a preparar a terra do nosso coração, arrumar a nossa casa interior/exterior para que possamos não apenas converter o nosso coração para celebrar o ápice da nossa fé, mas acolher o amor do Pai, a reconciliação consigo mesmo, com o outro e com a Criação. A Igreja nos apresenta exercícios que evidenciam esse caráter de conversão, nos exorta a observar as três principais práticas ou vias que nos ajudam a viver esse tempo: oração, jejum e caridade (ou esmola) como um caminho transformador que afeta a vida pessoal, comunitária e social.
Em diálogo com as três práticas vividas pelos fiéis, a Igreja do Brasil propõe a Campanha da Fraternidade (CF) como uma forma de viver mais intensamente esse tempo. A prática da oração, jejum e caridade, espelhada na CF, é vivida sempre a partir de um tema que atravessa a vida comunitária e social, pelo simples fato de a fé cristã nunca ser individualizada e sim comunitária. Embora existam devoções e movimentos intimistas, é preciso sempre entender a fé na sua dinâmica de “comum-união”. Dessa forma, a Igreja olha para a realidade social e sinaliza um aspecto que precisa ser transformado. Nesse sentido, a CF 2025 é a continuidade de um processo que vem, assiduamente, sendo apontado pelo Papa Francisco: Ecologia Integral. Retomando o histórico, tivemos a encíclica “Laudato Si” (2015), o Sínodo da Amazônia (2019), a exortação apostólica “Laudate Deum” (2023) e, agora, a Igreja do Brasil, em sintonia com esse processo, nos convida a refletir o tema da “Fraternidade e Ecologia Integral” tendo como lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Com isso, somos chamados a trilhar o caminho da ecologia integral, na perspectiva da conversão.
Esse farol que nos ilumina nesse tempo advém de uma consciência e olhar apurado para nossa realidade. Nossa sociedade brasileira, como todas as demais, enfrenta as consequências de um comportamento hostil à Natureza. O progresso tem como mola propulsora a visão de um mundo inesgotável, uma visão extrativista que busca realizar os infinitos desejos humanos frente a uma realidade finita. Além disso, nosso sistema econômico endossa a competição entre os sujeitos sociais e aumenta ainda mais o abismo social entre as classes. Enfim, precisamos “[…] abandonar a idolatria dos desejos desordenados do consumismo e materialismo” (CF, n.14), pois não podemos mais continuar com a narrativa de um reservatório infinito. A Terra está esgotada e dá sinais desses sintomas. Estamos vivendo o prelúdio que afeta o Brasil e, por isso, precisamos converter a nossa forma de pensar e de relacionar-nos.
Frente a esse cenário, somos convocados a viver e reaprender a falar uma língua da fraternidade e da beleza da relação conosco, com os outros, com a Criação e com Deus. A CF 2025 é a bússola que nos leva à mudança de paradigma. Precisamos deixar a lógica extrativista e passar para a lógica do cuidado. É importante recordar essa constante preocupação da Igreja. No Sínodo da Amazônia o Papa Francisco sinalizou o conceito de “Pecado Ecológico” no intuito de denunciar essa maneira de habitar a Casa. O tema da “Fraternidade e Ecologia Integral” propõe a conscientização a respeito de como temos cometido o pecado ecológico e, principalmente, convida-nos a “[…] caminhos pessoais e comunitários de conversão nesse aspecto” (CF, n.52).
Todavia, é necessário inovar o conceito tradicional/clássico de ecologia integral. Não estamos falando apenas do cuidado com a Natureza. O conceito proposto é mais abrangente, estamos apontando também para o meio ambiente, ou seja, o ambiente onde nos relacionamos na cidade, no trabalho, na família e a espiritualidade que cultivamos. Enfim, não está em jogo apenas a ecologia física, isto é, tutelar o habitat dos vários seres vivos, mas a ecologia humana.
É com essas motivações e outras que somos convidados a assumir um novo rumo na marcha humana. A identidade cristã é demarcada pelo cuidado com a criação (Gn. 1,28) e precisamos nos esquivar da interpretação equivocada do verbo “dominai” a partir de uma leitura do texto bíblico “[…] no seu contexto, com uma justa hermenêutica (LS, n.67). A CF 2025 nos convoca a uma pedagogia da escuta, como afirma a professora Mara, da educação básica da etnia Kubeo, no Amazonas:
“[…] nosso povo não ensina crianças a falar. A gente ensina a criança a escutar. Se ela aprende a escutar, ela aprende a brincar, refletir e entender os seres que habitam os céus, as águas, a floresta e o centro da terra. Ela escuta o vento, o silêncio, o canto dos pássaros, dos sapos, das cigarras, dos grilos e aprende a diferenciar cada coisa que escuta. Primeiro ela escuta o vento, depois ela sente o vento e, por último, ela fala o que é o vento. Por isso, quando as nossas crianças falam, elas já sabem o que significa a palavra que estão pronunciando.” (CF, n.132).
Em consonância com essa profunda fala, recordamos que a CF 2025 tem como objetivo promover o processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra. Dessa forma, que possamos assumir todos os desafios de cuidar das várias casas: a casa interior (espiritualidade), a casa onde habitamos (família), a casa onde passamos grande parte do nosso tempo (trabalho), a casa em que nos relacionamos (cidade) e, sobretudo, a Casa Comum (o planeta Terra) pois nela tudo está interligado (CF, n. 16) e trilhar um caminho de mudança a partir de uma espiritualidade cristã que integra o divino, o humano e o ambiental.
¹ Graduado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino, graduado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, Especialista em Ensino Religioso e Gestão Integradora pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais, IPEMIG.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA TEB: Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola,2020.
CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2025: Texto base. Brasília: Edições CNBB, 2024.
FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da Casa Comum. Brasília: Edições CNBB, 2016.