Entrevista: Ação Francisclariana para a Cúpula dos Povos na COP 30 com Moema Miranda, OFS

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MOEMA MIRANDA, OFS

Moema Miranda é leiga católica, pertence à Ordem Franciscana Secular (OFS). É antropóloga, com Mestrado em Antropologia Social, pelo Museu Nacional da UFRJ e doutora em Filosofia pela PUC-RJ. É professora no Instituto Teológico Franciscano. Integra a coordenação da Rede Igrejas e Mineração. É assessora da Comissão Episcopal Pastoral Especial para Ecologia Integral e Mineração, CEEM/CNBB e integra a Coordenação Nacional do Serviço Inter-franciscano de Justiça Paz e Ecologia (SINFRAJUPE). Participa da Equipe Coordenadora de Ameríndia. Integra a coordenação nacional da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).

1. Qual é o principal objetivo da Ação Francisclariana para a Cúpula dos Povos na COP30 e como ela se diferencia de outras iniciativas presentes no evento?

A Ação Franciscana nesse processo, nesse movimento de preparação de todos nós da Igreja no Brasil rumo à COP30, se insere num movimento mais amplo do que ela mesma. A Ação Franciscana, – é muito interessante relembrar isso,- quando a primeira grande Conferência das Nações Unidas aconteceu no Brasil, em 1992, o SINFRAJUPE tinha participado de todo o processo de preparação e teve uma presença muito ativa naquele primeiro encontro. Nós temos uma tradição franciscana de envolvimento com as causas sociais, com as causas ambientais e de compromisso com a justiça social.

Nesse ano e nesse percurso, nós estamos integrando o grande movimento da Igreja do Brasil rumo à COP30. É muito importante dizer isso. A Igreja do Brasil está tentando articular as diversas iniciativas em um movimento amplo que junta o Movimento ‘Laudato Si’, as Pastorais Sociais, os Movimentos de compromisso com as causas socioambientais, numa grande dinâmica comum, numa grande ciranda com eventos preparatórios e pré-Cop, na qual, nós, da Família Franciscana, estamos profundamente envolvidos.

O nosso objetivo é de sensibilização para as questões socioambientais, e de compromisso com os princípios de transformação, de cuidado com a Casa Comum.
Acho que, especialmente nesse momento em que o Papa Francisco se torna para nós um luzeiro que do céu nos acompanha, nós, com a Ação Franciscana, temos o compromisso de ser seguidores da proposta e do pontificado do Papa Francisco.

2. Quais são as principais demandas ou propostas que a Ação Francisclariana pretende levar para a Cúpula dos Povos, representando as vozes e preocupações das comunidades e povos tradicionais?

No processo de preparação para a COP30, a Igreja do Brasil escreveu um documento para o qual nós contribuímos também. Nós fomos parte da equipe de redação e colocamos os temas que são inegociáveis, os temas que são questões de princípio para nós como francisclarianos nesse percurso rumo à COP30.

Nós estamos chegando hoje no que os cientistas chamam de decênio decisivo para que uma alteração profunda e radical no modo de vida no planeta seja feito, se quisermos, de fato, impedir um aquecimento ainda maior, com causas catastróficas, inclusive, imprevisíveis.

Então isso implica numa mudança no estilo de vida, numa mudança radical no uso de combustíveis fósseis. Implica numa alteração de um padrão de desmatamento e também em não aceitar falsas soluções, como aquelas que se vendem em torno da economia verde, tudo o que tenha que ver com a mercantilização da natureza, com transformá-la num grande ativo e parte dos negócios.

As nossas alternativas se centram no reconhecimento do direito dos povos indígenas aos seus territórios, na demarcação dos territórios indígenas e na busca de uma economia que seja a economia da suficiência, que justamente permita que mais seres possam habitar em harmonia nesse planeta que é um planeta para a vida de todos.

3. De que forma a espiritualidade franciscana e clariana inspira e fundamenta a abordagem e as ações da iniciativa em relação às questões climáticas e à justiça social na COP30?

A espiritualidade francisclariana nos implica com o mundo. O Papa Francisco, na ‘Laudate Deum’, nos fala que o nosso convite hoje é um convite para reconciliação com o mundo. São Francisco fez uma experiência muito particular na grande experiência cristã e religiosa. Ele tirou as sandálias, andou de pés descalços e se descobriu irmão de todas as criaturas, um com as outras criaturas, reconheceu que nós somos todos irmãos.

É muito interessante pensar que hoje a ciência contemporânea, a ciência do sistema Terra, fala a mesma coisa. Nós todos somos uma mistura feita humus, de terra. Nós somos feitos dessa mistura do planeta. O Papa Francisco, no número 2 da Encíclica ‘Laudato Si’ diz que nós somos terra e às vezes nos esquecemos disso. São Francisco nos lembra disso constantemente. Então isso traz para nós um carisma, uma perspectiva, um olhar e um compromisso.

A nossa espiritualidade nos compromete com a reconciliação com o mundo, com a identificação das causas da desigualdade, da raiz dos problemas que levam à destruição ambiental e à desigualdade. É preciso reconhecer que são a mesma dinâmica. Uma dinâmica é sistêmica, um sistema de uma economia que mata, como diz o Papa Francisco. Portanto, urge buscar as alternativas que sejam de reconciliação com o mundo, de respeito pelas outras criaturas, de nos sentirmos um com os outros, numa economia da sobriedade, numa economia que nos leve ao cuidado com a Casa Comum, num mundo em que caibam muitos mundos.

4. Quais são os principais desafios que a Ação Francisclariana antecipa para a Cúpula dos Povos e quais estratégias estão sendo planejadas para superá-los e garantir que as vozes dos povos sejam ouvidas e consideradas nas negociações da COP30?

Os desafios para participação são muitos, dependendo de como se pensa a participação. A participação no processo da COP30, do nosso ponto de vista é, antes de tudo, uma participação de ampliação da consciência, de trazer para nossa ação diária as questões socioambientais, as do aquecimento global, as questões de ultrapassagem dos limites do planeta, como temas cotidianos do nosso trabalho, da nossa reflexão, da nossa evangelização, onde quer que estejamos.

O nosso desafio, portanto, é transformar, de fato, o chamado da COP 30 num grande espaço de conversão ecológica, como o Papa Francisco nos inspirava. Para a participação específica nesse processo, há muitos canais abertos. Temos todos os encontros pré-COP, com vários espaços de participação abertos.

Agora estamos vivendo um momento particularmente difícil para a participação social, um momento de muitas crises. Então, o nosso maior desafio é afirmar que um outro mundo é possível, uma outra economia é possível. Muitas vezes vamos nos convencendo de que não existem alternativas. E a ausência de alternativas favorece esse sistema, que é um sistema que produz a morte.

Reafirmar a possibilidade de outras formas de vida, de outras formas de relação com o planeta é o nosso maior desafio. Esperançar nos tempos do caos! Esperançar, apesar de tudo! Confiar que nós não estamos sozinhos e, como as mulheres na aurora, saber que nós não devemos procurar Jesus entre os mortos, mas que Ele está conosco, no nosso caminho de volta à Galileia, na construção concreta de formas de vida baseadas no Evangelho, baseadas no amor e no compartilhar.

Para Belém/Pará, especificamente, temos uma série de desafios logísticos. Mas ir a Belém não é a única forma de participar do processo rumo à COP30. Toda a Família Franciscana está profundamente convidada a se envolver nessa grande peregrinação por um mundo em que caibam muitos mundos.

5. Como a Ação Francisclariana espera que sua participação na Cúpula dos Povos impacte as decisões e os resultados da COP30, e quais são os próximos passos ou planos de acompanhamento após o evento?

Justamente nesse momento, estamos lançando uma campanha, um percurso de mobilização, uma Ação Francisclariana de mobilização. Vamos participar ativamente dos processos da pré-COP, vamos ter documentos que estão sendo preparados, vamos ter um percurso de envolvimento e estamos desenhando quais vão ser as nossas ações, durante a COP30.

Nós vamos ter presença franciscana de todos os níveis. Tem uma delegação da Família Franciscana Internacional para estar presente: os Frades, a OFS.  E a nossa perspectiva no Brasil é que sejamos também capazes de acolher, com toda a hospitalidade, a Família Franciscana que se fará presente nessa COP e, a partir daí, dar continuidade a esse percurso franciscano que começou há oitocentos anos.

É muito interessante que a COP aconteça nesse ano em que  comemoramos os 800 anos do Cântico das Criaturas. E é muito comovente também que o Papa Francisco tenha partido nessa segunda-feira, oitava da Páscoa. Que ele continue nos inspirando, nos animando como um grande luzeiro para continuidade da caminhada francisclariana por um mundo justo, humano e solidário.

6. O que significa a COP30 e o que significa a Cúpula dos Povos?

Nós estamos nos preparando para acolher no Brasil a COP30. É a trigésima vez que as Nações Unidas organizam uma Conferência das partes para discutir a questão do Clima. Quem são as partes das Nações Unidas? São os países membros dessa Conferência do Clima.

Há muitos anos que, em torno da COP,  desse encontro dos países, dos chefes de Estado, dos representantes dos Estados e Nações, a sociedade civil em todo mundo, e as organizações de fé se envolvem, se mobilizam para incidir nas negociações.

Sabemos que as grandes questões e os grandes desafios colocados pelo aquecimento global, pelas questões climáticas, hoje envolvem não apenas governos, mas o conjunto da sociedade. Por isso, nós estamos participando ativamente da organização da Cúpula dos Povos.

A Cúpula dos Povos é um encontro organizado pela sociedade civil brasileira e internacional, que acontece paralelo à COP, mas em paralelo que é uma incidência nos processos de negociação. Então, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os ribeirinhos e os trabalhadores e trabalhadoras estamos todos envolvidos nesse grande processo, nesse grande percurso de construção da Cúpula dos Povos que tem seis metas e seis temas em torno dos quais se organiza.

Nós, como franciscanos e franciscanas, também estamos envolvidos nessa preparação, no processo de organização e incidência na Cúpula dos Povos.

Esse é o grande espaço de presença da sociedade civil organizada que acontece como em todas as Cúpulas anteriores. E, dessa vez, com uma expectativa muito grande de incidência, porque as últimas COPs aconteceram em países em que a participação social era muito restrita, muito limitada e efetivamente impedida. Temos confiança que, acontecendo no Brasil, num país democrático, tenha uma presença grande de organizações da sociedade civil e de todo mundo.

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