FREI JOÃO MESSIAS SOUSA, OFM
Natural de Alenquer, Pará, Brasil, mestre pelo programa de pós-graduação interdisciplinar em ciências humanas da universidade do estado do Amazonas (PPGICH/UEA). Pesquisador do núcleo de estudos socioambientais da Amazônia (NESAM). Possui graduação em filosofia pela pontifícia universidade católica de Minas Gerais e teologia pelo instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atualmente é coordenador das Pastorais Socioambientais da Arquidiocese de Santarém, PA, e religioso Franciscano da Ordem dos Frades Menores -OFM, Membro da Custódia São Benedito da Amazônia. Realiza estudos e pesquisas no campo da formação e ecoespiritualidade franciscana no contexto amazônico, refletindo sobre saberes, representações, imaginários, conhecimentos e poder inerentes às práticas socioculturais dos povos indígenas visando contribuir para a construção de propostas alternativas de bem viver.
1. Francisco e Clara de Assis são referência na igreja por anunciarem a vida em Fraternidade e o Cuidado com todas as criaturas. Como se dá a nível de Família Franciscana, a vivência da Fraternidade na Amazônia?
Há um vasto leque de referências de experiências e de vivências da fraternidade franciscana na Amazônia. Em um primeiro momento, vou falar das minhas vivências em dois aspectos: as ações institucionais e as ações da vida pastoral, iniciando pelos institucionais.
Na fraternidade de São Boaventura, junto a FFB, em Manaus, no Estado do Amazonas, se costuma fazer reuniões regulares, com cronograma bimensal, para rezar juntos, refletir e celebrar a vida em missão. Já na fraternidade de Santarém, no Estado do Pará, há reuniões regulares com cronograma próprio, onde constam os encontros, os almoços, os jantares, as atividades voltadas para as celebrações do jubileu, as temáticas franciscanas, além da festa nossa vida e missão da rede franciscana na Amazônia.
Na rede franciscana (nas cidades de Santarém e Monte Alegre, no Estado do Pará) temos a escola de formação para leigos, na qual é oferecida uma disciplina de espiritualidade Franciscana, ministrada por frades franciscanos, com o intuito de promover uma interação entre a juventude franciscana, através do grupo de teatro Kabi Kaxi.
O segundo aspecto, referente às experiências e vivências da fraternidade franciscana na Amazônia, é o aspecto pastoral. Que se dá com os “né”, na relação que nós temos com os né, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas; nossa relação é um compromisso com os que foram invisibilizados, inferiorizados e subordinados na história da colonização neste chão amazônico.
A nossa espiritualidade, fraternidade, solidariedade e compromisso estão fortemente marcadas com os povos indígenas, comunidades tradicionais ribeirinhas e as comunidades quilombolas. Estamos incorporados e adaptados aos seus modos de vida, respeitando a natureza e lutando juntos pela garantia de direitos, construção e acesso a políticas públicas afirmativas e inclusivas, com uma compreensão clara da criação, do cuidado, do zelo de um para com o outro e da integração com a natureza.
Diante de tantos desafios de vida franciscana, de ações de pastorais, de presença de fé e esperança, aprender a respeitar e a lidar com o diferente, com as comunidades tradicionais e quilombolas, povos indígenas. Destaco, aqui, os Munduruku, com os quais aprendi muito sobre o cuidado, o zelo com a criação, da relação da natureza e criatura, onde se compreende a presença de Deus nas criaturas, onde há uma irmandade da criação.
2. A ecologia esteve presente em oito campanhas da Fraternidade. De “Por um mundo mais humano: Preserve o que é de todos”, em 1979 a “Fraternidade: Biomas Brasileiros e defesa da vida: ‘Cultivar e guardar a Criação’ (Gn2,15)” em 2017. Quando cristãos, avançamos muito pouco. O que nos falta?
As campanhas da fraternidade têm sido muito importantes na história da igreja no Brasil e, principalmente, na Amazônia. São um instrumento de divulgação da palavra e intervenção social. A campanha é essencial para chamar o povo, para alavancar, para despertar a população em geral para os temas específicos nas campanhas, que precisam ser debatidos como questões sociais.
As campanhas da fraternidade têm sido muito importantes na história da igreja no Brasil e, principalmente, na Amazônia. Como um instrumento de divulgação da palavra e intervenção social, a campanha é essencial para chamar o povo, para alavancar, para despertar a população em geral para os temas específicos de cada campanha, que precisam ser debatidos como questões sociais.
Os reflexos da ação humana na natureza na região Amazônia são pulsantes e gritantes. A mãe natureza pede socorro aos ativistas, às lideranças comunitárias e indígenas, aos franciscanos e franciscanas, pois todo o trabalho de longa data promovido pelas campanhas de educação ambiental, proteção e preservação de áreas, de luta por demarcação de terras, de formação e conscientização está se perdendo neste novo cenário de mudanças climáticas intensas na região amazônica.
Sendo necessário intensificar e ampliar as reflexões, debates, reafirmar e fortalecer a presença nos espaços de controle social, criar novos mecanismos de métrica de resultados da campanhas a curto e a longo prazo, promover e apoiar campanhas, projetos e ações específicas e pontuais, realizar, de maneira conjunta, denúncias nas instâncias e órgãos competentes, dando voz e vez aos que precisam ser assistidos, e abrir e promover espaços de diálogos, negociação e intermediação entre as comunidades, poder local, nacional e grupos de interesse.
3. A vivência da Ecologia integral na Amazônia perpassa cultura, forma de vida, consumo consciente, porém há muito a ser feito. Quais os desafios da Região Amazônica para a integralização da Ecologia?
Os desafios da Região Amazônica para a integralização da Ecologia perpassam pelo respeito (reconhecimento e valorização) à grande diversidade de povos indígenas, comunidade quilombolas e comunidades tradicionais ribeirinhas existentes na região amazônica. Os povos indígenas, com a organização e o funcionamento de sua sociedade, com sua produção, transmissão e socialização de conhecimentos tradicionais, originais e milenares, com seus projetos políticos e pedagógicos estratégicos, e seus modos distintos de viver/relacionar, ver e compreender o mundo, demonstram ser (re)existências e resilientes na luta por outro mundo possível, o do Bem Viver.
O Bem viver dos povos indígenas está sob constante ameaça, pois seus territórios tradicionais, mesmo os que estão demarcados e garantidos por lei, enfrentam as ameaças de serem impactados por grandes obras do governo federal e ou estadual, como a construção de hidrelétricas, portos de embarque e desembarque de soja, instalações de linhões de energia, invasões e exploração pelo garimpo de ouro ilegal, pela exploração de madeiras, pela caça e pesca predatória, pela cooptação e ameaça do narcotráfico, pela monocultura de soja e da atividade da pecuária. Além disso, o abandono do estilo de vida tradicional e a venda das pequenas propriedades rurais para o plantio da soja causam êxodo para as cidades, gerando desemprego, falta de acesso às políticas públicas, e bolsões de pobreza.
Mas, o principal problema é a falta de Consulta Livre, Prévia e Informada, um direito dos povos indígenas, que garante a participação deles em decisões administrativas e legislativas que os afetem, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. Esse direito não é respeitado em nenhum momento do processo, seja por governos, seja por empresas privadas. Suas terras são simplesmente invadidas, exploradas, destruídas por interesses econômicos. É evidenciado o descaso dos governos pelos Povos indígenas e suas lutas na morosidade dos processos de demarcação dos seu Territórios.
Acabam destruindo a floresta, poluindo os rios, os peixes, a natureza, a terra e os alimentos. Da mesma forma que os produtores de soja, que compram ou alugam a terra, destroem toda a vegetação nativa e plantam a soja, utilizam agrotóxicos que causam enormes prejuízos à saúde pública, contaminando a terra, o subsolo e os lençóis de água existentes.
A atividade garimpeira tem atraído muitas pessoas, especialmente entre os jovens, com a falácia da ilusão do desenvolvimento e enriquecimento fácil. Isso criou uma mentalidade de lugar de exploração, na qual aqueles que se opõem, questionam e exigem respeito ao modo de vida são vistos como um obstáculo (atraso), como se estivessem tentando impedir o desenvolvimento e o progresso. Por isso, acabam sendo retirados do caminho, calados, desqualificados, perseguidos e, se insistirem, mortos. Não compreendem, não aceitam ou não querem aceitar o diferente: outro modo de vida, de conviver com a natureza, da cultura do Bem Viver, expressão do Éder, o Paraíso harmônico da criação de Deus para vida da humanidade.
4. Em 2025, quanto família franciscana, celebraremos 800 anos do Cântico das Criaturas de Francisco de Assis; os 10 anos da Laudato Si’ e da REPAM. Como se envolver nas festividades e experienciar estas celebrações?
Existem três grandes momentos importantes para cultivar uma cultura de gratuidade e de cuidado com a obra de Deus, dom em nossa existência. Assim, os sentimentos do qual poderia perpassar nas nossas diversas ações pastorais, nas nossas celebrações, nas nossas fraternidades, nas nossas paróquias brotam do coração de Francisco, depois de reconhecer como Dom que ser agraciado brota o louvor à criação.
O sentimento de promover celebrações de ação de graça por toda obra criada e momento de louvor pelo espaço que habitamos. Ao mesmo tempo, se faz necessário fazer celebrações penitenciais pelos males causados à mãe terra, que é agredida, que é rasgada, tem suas florestas queimadas, rios poluídos e o precioso alimento consagrado de cada dia contaminado pelo mercúrio e pelo agrotóxico.
Realizar uma ou várias rodas de conversas com os diversos atores envolvidos e comprometidos na construção da Casa Comum, proporcionando uma escuta silenciosa à mãe terra, às nossas águas, ao ar, ao lamento dos animais, às sementes contaminadas.
Promover seminários com a temática da economia de Francisco e Clara, reafirmando e fortalecendo a REPAM, que há 10 anos vem apoiando e promovendo espaços de diálogos, debates, reflexões, negociações, decisões e encaminhamentos de pautas coletivas, dentro de uma rede de atores que luta por justiça social, econômica, política e ambientais, sendo um sinal de resistência dos povos. A união de diversas entidades, atuando com pautas coletivas, apostando em alternativas viáveis e despertando e incentivando as iniciativas que buscam encontrar respostas para as mudanças climáticas na grande região amazônica. Então o Laudato Si’/REPAM tem se tornado essa busca por uma ação conjunta de vários atores sociais.
Podemos ir além do celebrar ao escutar o chamado da nossa mãe terra, o clamor das nossas florestas, entrando e fortalecendo os movimentos sociais e populares que estão construindo projetos de leis do direito da Floresta e da cidade que queremos.
5. A conferência da ONU sobre mudanças Climáticas (COP30) será realizada em Belém (PA). Quais as expectativas e organizações dos povos da Amazônia para este encontro?
Podemos ainda, ir além do celebrar e escutar o chamado da nossa mãe terra, o clamor das nossas florestas, entrando e fortalecendo os movimentos sociais e populares que estão construindo projetos de leis do direito da Floresta e da cidade que queremos.
A segunda perspectiva é que essa participação popular traz suas demandas, apontando desafios e necessidades, localizados dentro de contextos onde todos tem o mesmo problema em comum: as mudanças climáticas. A relevância global da proposta reside em sua abordagem de justiça climática integrada aos desafios hídricos, florestais e sociais, alinhando-se às metas de desenvolvimento sustentável da ONU. Ao focar na eficiência do uso da água e na gestão integrada de recursos busca-se soluções mensuráveis que possam ser aplicadas em diversas realidades ao redor do mundo.
A terceira perspectiva, é o local de sua realização: o Brasil, em Belém, no Estado do Pará, na Amazônia. Esse local é muito representativo, pois vai permitir uma maior participação dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, das comunidades ribeirinhas, dos povos da floresta, de ativistas, da região local, de países vizinhos e de toda a América do Sul. Essa diversidade de vozes e visões fornece um peso e uma credibilidade vinda da floresta e das periferias das cidades, trazendo mais empoderamento e autonomia com sua presença.
A quarta perspectiva, de caráter geral, é que haja uma COP com uma avaliação das medidas que foram adotadas e reajuste de novos objetivos, metas, estratégias e indicadores de resultados, no sentido de poder dar respostas concretas aos desafios desta crise de mudanças climáticas que a humanidade está enfrentando. Como, por exemplo, concretizar a existência de um fundo de compensação para os povos da floresta (especialmente para povos indígenas, comunidades tradicionais e ribeirinhas), que mantêm a floresta em pé com seus conhecimentos tradicionais, seu conjunto cosmológico, sua autogestão de manejo de recursos territoriais, prestando um serviço essencial para a humanidade.
Por fim, espera-se que os acordos internacionais sejam tão audaciosos quanto a gravidade da emergência climática exige. Que esta COP ofereça espaços de escuta nas negociações para os povos da Amazônia, considerando suas perspectivas de forma significativa. É crucial que sua presença não seja mera decoração e que seus pontos de vista sejam absorvidos nas decisões, privilegiando seu bem viver e seus modos de vida. Para garantir que essas premissas orientem a Conferência, as principais organizações dos povos da Amazônia estarão presentes e organizadas, atuando para salvaguardar os direitos e demandas.