Entrevista: Fraternidade e Educação, com o professor Edivanderson Silva, JUFRA

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Edivanderson Lopes Silva, JUFRA

Edivanderson Lopes Silva, natural de Santarém – Pará, Engenheiro de Pesca pela Universidade Federal do Oeste do Pará, Licenciado em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil, pós-graduando em Engenharia de Segurança do Trabalho e Projetos Educacionais pela Unimais.

Irmão na Fraternidade Frei Juvenal Carlson – JUFRA, secretário regional de finanças no Regional Norte 3 – Pará/Oeste, membro do conselho fiscal nacional da JUFRA do Brasil. Atua como professor da rede Municipal de ensino em comunidade ribeirinha, membro do Grupo Municipal de Educação Fiscal de Santarém, voluntário em projetos de assistência a comunidades tradicionais com demais movimentos da família franciscana. Desenvolve pesquisas e projetos na linha de qualidade de água, conhecimento tradicional, educação ambiental e etnomatemática.

1. Em breve, iremos iniciar o Tempo Quaresmal. Neste período, a Igreja do Brasil nos orienta a refletir sobre “Fraternidade e Educação”, tema da Campanha da Fraternidade, com o lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (cf. Pr 31, 26). Professor, no atual contexto brasileiro, como a Igreja contribui para a educação? Quais pontos, em sua realidade local, são exemplos para a Família Franciscana do Brasil e quais carecem de atenção?

O tema a ser trabalhado na Campanha da Fraternidade é muito importante para reflexão e debate no atual contexto pelo qual estamos passando. Educação e fraternidade sempre são temas atuais e necessários a serem trabalhados como elementos primordiais para a formação de uma sociedade mais humana, consciente e justa.

Temáticas como essas mostram a importância que a igreja possui em promover espaços que permitam a socialização, acolhida, compartilhamento de ideias que busquem estar a serviço de uma educação significativa, transformadora e libertadora. A igreja sempre lutou e buscou espaços que possibilitem dar voz aos menos favorecidos, e no contexto atual não tem sido diferente, a luta tem sido constante junto aos demais seguimentos da sociedade em busca do cumprimento dos direitos adquiridos.

A igreja povo, que estão inseridos em ambientes educacionais, é agente mediador do diálogo trazendo a importância da educação e a vivencia de fraternidade na comunidade.

Na realidade em que estou inserido é comum a partilha, tanto do alimento quanto da vida, marcada por dificuldades e conquistas através de suas organizações religiosas, esportivas, comunitárias e escola. A partilha do próprio alimento, retirado dos rios e da terra, cultivada e cuidada com muito suor e dedicação. A partilha de um riquíssimo conhecimento a respeito da natureza, suas contribuições, sinais e ensinamentos, passados de geração em geração. Assim como São Francisco de Assis que sempre pregou respeito e amor pela criação Divina, convidando o homem a não ser o instrumento de sua destruição e sim a contemplação e conservação.

Os exemplos a nós dados são a maneira como suas organizações dentro da comunidade trabalham juntas em lutas coletivas, o cuidado com a criação, a vivencia em comunidade e acolhida.

2. Esta é a terceira vez que a Campanha da Fraternidade trata da educação. A primeira em 1982, após, em 1998 e agora com enfoque específico, abordando a educação e a pandemia COVID-19. Ainda hoje analisamos e descobrimos desafios potencializados nestes 02 anos de pandemia no Brasil. A educação integral tanto no campo escolar, familiar, profissional, religioso, encontra-se abalada. Como enxergar e caminhar com sabedoria neste período?

Os últimos 2 anos mostraram as inúmeras diferenças existentes na educação brasileira, que só foram permitidas por conta das mudanças necessárias que vieram devido à pandemia de covid-19. A falta de estrutura e preparo das equipes escolares deixou bem visível a importância da formação continuada dos nossos professores, além de melhorar a estruturação da escola para receber e possibilitar trabalhos com recursos tecnológicos essenciais na educação nos dias de hoje.

Nesse período, o processo de educação teve de se reinventar, novas metodologias foram criadas, a fim de alcançar novos objetivos. Deixou-se mais de lado a questão do quantificar o conhecimento do aluno e se passou mais em entregar qualidade nos materiais, levando sempre em consideração suas especificidades e dificuldades com acessos aos meios pelo qual pudesse manter vínculo com as unidades de educação.

As equipes tiveram que aprender a utilizar recursos pedagógicos que por vezes eram menos utilizadas, a tecnologia. Nem todos estavam preparados, muitos professores nem mesmo tinham domínio das ferramentas, mas a necessidade falou mais alto. Cartilhas, vídeos, lives, podcast e muitos outros meios de chegar ao aluno foram desenvolvidos.

As dificuldades geográficas também foram explícitas diante a necessidade de uso tecnológico em sala de aula. Cidades menores e em regiões mais pobres do Brasil possuíam muita dificuldade. Na Amazônia, alunos se deslocavam entre comunidades para acesso à internet, subiam em árvores na tentativa de melhora de sinal. Hoje é possível reconhecer que, mesmo criando instrumentos para a igualdade de ensino em todo o Brasil, faz-se necessário empenho de nossos governantes para que a sala de aula e a comunidade estejam preparadas para oferecer a mesma qualidade de educação em todas as regiões do Brasil.

Novos desafios estão por vir e é de grande importância que as Escolas e suas equipes estejam preparadas para utilização dos mais diversos recursos, a fim de se utilizarem de criatividade e recursos tecnológicos para proporcionarem um aprendizado significativo dos seus educandos, buscando também diminuir a desigualdade entre as várias salas de aula existentes em nosso imenso Brasil.

3. Quais valores humanos a família franciscana, em sua vasta presença em nosso país, pode contribuir para o processo fraterno e educativo da sociedade?

“Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”, frase atribuída a São Francisco de Assis.

Há muitos anos, São Francisco de Assis mostrou que não somente as palavras poderiam ser utilizadas por um franciscano como meio de evangelizar, mas também suas ações e vida deveriam ser o próprio evangelho.

Ao assumir o compromisso no processo educativo, devemos abraçar integralmente o papel de educador e agente transformador de realidades e vidas.

A fraternidade se faz na vivência e nos laços construídos com o outro. Na educação, esta fraternidade é muito importante no processo de inclusão, igualdade, empatia, aprendizagem, fatores essenciais para a construção do conhecimento, redução da desigualdade no ambiente escolar, a busca por uma fraternidade universal e a civilização do amor.

4. Em sua trajetória pedagógica, além da sede por educar e formar bons cidadãos, tem se desafiado a construir pontes, elaborando projetos com o intuito de contribuir para sua área de atuação. O que precisamos transformar urgentemente em nossa Igreja, em nossa Sociedade para que a educação integral (consigo, com o outro, com o todo) seja de fato assumida quanto jovem, pai, avô, formador, irmã?

Assumir a educação em sua forma integral requer colocar-se no lugar do outro, reconhecer suas dificuldades, anseios e perspectivas. A sociedade e a igreja devem caminhar juntas e sempre abertas ao diálogo que possibilitem uma transformação no cenário educacional e social existente.

Devemos assumir de forma verdadeira o “ser igreja”, buscando fortalecer a igreja povo, como pede o Papa Francisco. A partir de então, construir uma sociedade mais fraterna onde cada irmão tenha consciência de sua importância, passando a exercer seu papel como agente fundamental no processo da educação integral.

5. Poderia compartilhar conosco uma frase, uma reflexão própria da cultura amazônica que alimente e revigore a capacidade de aprendizagem de nossas irmãs e irmãos que se encontram muitas vezes desanimados diante do atual contexto político, educacional e social do Brasil?

“Floresça onde estiver”
Essa foi uma das frases que adotei quando cheguei na comunidade e me deparei com uma realidade bem diferente da que vivenciei no tempo de escola e durante a universidade. Uma escola de palafita, sem energia elétrica, sem sinal de celular, sem internet, mas com alunos que despertam em mim a vontade de dar o melhor e poder contribuir para a modificação de suas vidas.

Várias são as passagens bíblicas que mostram pessoas que, em meio a dificuldades encontradas, souberam florescer. É necessário coragem e persistência para dar o seu melhor mesmo sabendo que as dificuldades são maiores, mas nunca devem ser maiores que sua vontade em ser a diferença. A flor que não é regada pela coragem, logo se entregará ao desânimo e murchará, mas a que for regada germinará e produzirá novos e bons frutos.

O povo ribeirinho da Amazônia enfrenta quatro períodos muito comuns na região, a subida dos rios, a cheia, a vazante e a seca, tudo isso em 1 ano. Suas vidas estão sempre em mudança e essas mudanças na maioria das vezes são definidas pela natureza, mas em nenhum momento se procura um culpado, a vida segue e todo dia é tido como um novo recomeço.

Que tenhamos a mesma garra e coragem desse povo que, mesmo em momentos e situações difíceis, permanecem firmes na busca de seus ideais e na esperança de que dias melhores virão.

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Especiais: São Francisco de Assis. Disponível em: https://franciscanos.org.br/carisma/especiais/sao-francisco-de-assis#gsc.tab=0

A responsabilidade social da Igreja: um dever legal ou mandamento bíblico? Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-responsabilidade-social-da-igreja-um-dever-legal-ou-um-mandamento-biblico/

A civilização do amor, expressão do bem-aventurado Papa Paulo VI. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/a-civilizacao-do-amor-expressao-do-bem-aventurado-papa-paulo-vi/

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