Entrevista: Projeto de conscientização ambiental “Junho Verde”, com Dorismeire Vasconcelos, OFS

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DORISMEIRE VASCONCELOS, OFS

Leiga consagrada à Ordem Franciscana Secular (OFS), catequista, ativista socioambiental, militante dos diversos movimentos sociais e ambientais do Xingu. Graduada em Letras – Língua Portuguesa e especialista em Linguagem e Ensino da Literatura e Linguística pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Auditora do Sínodo Especial para a Amazônia, Articuladora Territorial da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Brasil, Animadora Laudato Si’, membro do Conselho Regional MLS AL e do Conselho Mundial do Movimento Laudato Si’ (MLS), membro da Coordenação do Núcleo de Mulheres da REPAM e membro da Coordenação do Núcleo Ministerialidade das Mulheres da CEAMA, Coordenação do Serviço de Justiça e Paz Integridade da Criação, OFS.

1. A mulher tem ocupado cada vez mais espaços e serviços dentro das organizações da Igreja. Você como uma mulher nortista, quais empecilhos tem enfrentado e quais conquistas tem celebrado como franciscana secular?

Eu como mulher, nortista, católica, franciscana, leiga, ativista socioambiental, sou apenas um fio dessa rede de diversidade de mulheres do Norte na Igreja e na Sociedade. Para responder a essa pergunta tenho que partir do meu compromisso de falar como Mulher. A caminhada sinodal da Igreja no pontificado do Papa Francisco, tem tido uma abertura à participação da mulher nos espaços e serviços das organizações da Igreja. Tem sido um avanço pois pequenos passos estão sendo dados. Estamos cientes de que em nosso mundo amazônico, 70% das atividades, serviços e ações das organizações eclesiais e sociais são realizados por mulheres, que são guardiãs da vida e de seus territórios, de comunidades e da fé, por séculos. Quando miramos o serviço de animação bíblico-catequética desde a Iniciação à Vida Cristã (IVC) à formação permanente de crianças, adolescentes, jovens e adultos; as coordenações de comunidades eclesiais missionárias ou de base, as pastorais, os organismos, as comissões e os conselhos, vemos que ali está a presença, a atuação eficaz, efetiva e afetiva das mulheres. Mas, quando olhamos mais além deste horizonte, percebemos que a participação nas instâncias de decisões da Igreja e da sociedade é diferente. Esse número não condiz com o serviço e a doação de tantas mulheres à Igreja e à sociedade, pois na hora das decisões da vida eclesial o número maior dos que decidem é de homens, ou seja, esse espaço não está aberto para as mulheres e a juventude. Se somos uma Igreja sinodal e ministerial, homens e mulheres devem caminhar juntos em uma equidade participativa, comunitária e sinodal, pois todos e todas são imagem e semelhança de Deus. E, sabemos bem o que nós mulheres do Norte enfrentamos como empecilhos, um deles chama-se: “cultura do clericalismo” firmada pelo patriarcado na sociedade que fez enraizar paradigmas que deixam mulheres e jovens à margem da vida participativa e decisória da Igreja e da sociedade. Esse paradigma ao longo dos séculos fez aumentar a discriminação, o preconceito, a violência fisica, psicosocial, sexual, religiosa, cultural e patrimonial contra as mulheres, bem como o índice da violência doméstica e do feminicídio, além de outros riscos como o tráfico humano e a exploração do trabalho escravo, dentre outros, levando ao silenciamento e invisibilidade das mulheres nos territórios amazônicos assim como em outros territórios do Brasil. Muitos desses riscos sociais são consequências de projetos econômicos, políticos e de infraestrutura (mineração, agronegócio, exploração de recursos naturais, grilagem, garimpos ilegais, invasão de terras…) que impactam nossos corpos e os territórios em que vivemos na Amazônia. Esses impactos e violações colocam-nos, junto às juventudes e crianças, em maior grau de vulnerabilidade e como as maiores vítimas das violações de direitos humanos e territoriais.

Mas, dentro dessa realidade de clamor da terra, de nossos corpos e dos povos, também há esperança e conquistas. Somos guardiãs e defensoras da vida, dos direitos dos povos e dos territórios, estamos presentes também na luta, organização e fortalecimento das organizações, das associações, das cooperativas, das comunidades, dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares. Gestamos vidas, mudanças e transformações da realidade, seja na bioeconomia harmoniosa com a natureza, na economia solidária da partilha ou na luta por garantia de políticas públicas de qualidade e dos direitos básicos dos povos. Também estamos presentes na caminhada da Igreja por séculos. Nos últimos anos temos nos mobilizado na organização do processo de escuta sinodal tanto do Sínodo para a Amazônia em 2019, quanto no Sínodo Sinodalidade: Comunhão, Participação e Missão (2021 a 2024). Temos incidido, demos passos para essa abertura de espaço de participação, oportunizando às mulheres refletirem sobre sua missão na Igreja, o próprio Documento Final do Sínodo para Amazônia e os motu próprio para Catequista, para Leitorato e Acolitato, a possibilidade de instituir novos ministérios de serviço das mulheres, sendo reconhecidos ou criados em prol da evangelização da Igreja, sinodal e ministerial e para a prática de uma Ecologia integral. Também, pensar na Ministerialidade e buscar a promoção de uma formação integral e permanente que inclua as mulheres e a participação delas nas instâncias de decisão da Igreja. Vemos isso nos dicastérios no Vaticano e em nossos países, regionais e igrejas locais. São passos importantes de esperança, são conquistas. Mas, ainda há muito o que fazer, como por exemplo, romper com a cultura do clericalismo, que gera poder e, consequentemente, amplia os abusos de poder na Igreja onde os mais impactados e vitimados são as mulheres e os jovens. Há muito que fazer, é preciso ampliar os espaços da pastoral para as mulheres, renovar a formação para os sacerdotes, vida consagrada e laicato, tendo em vista romper com paradigmas que invisibilizam a missão das mulheres na vida eclesial. É preciso garantir o direito das mulheres na sociedade e trabalhar junto a todos o direito da igualdade batismal.

Ser mulher, católica, leiga, ativista socioambiental é acreditar que vivemos um grande kairós, caminhamos até aqui e não tem como voltar atrás. Como disse o Papa Francisco, andar “Firme e Adiante!!!” E eu digo: Coragem, é agora, é hora. Mais tarde será tarde demais!!!

 2. Recentemente celebramos mais um ano da encíclica Laudato Si’. Quais iniciativas surgiram nesse período?

A Campanha Laudato Sì é promovida pelo Movimento Laudato Sì (MLS), a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) com o apoio de 24 instituições religiosas, educativas, eclesiais, sociais e congregacionais. A iniciativa une as diversas organizações para difundir, por meio do filme “A Carta: uma mensagem pela nossa Terra”, a própria Carta Encíclica Laudato Sì’. Esse documentário, ao apresentar um diálogo do Papa com representantes dos poetas sociais, é um instrumento de sensibilização em vista da defesa da Ecologia Integral. Com exibições do filme e as atividades complementares queremos promover no Brasil uma mobilização em torno do cuidado com a nossa “Casa Comum”. A Campanha tem seus principais períodos de mobilização: Semana Laudato Si’: Celebração do aniversário da Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco de 21 a 28 de maio de 2023 com o tema: “Esperança para Terra. Esperança para Humanidade”. Haverá programações nacionais, mas também diversas atividades pelos Regionais da CNBB, dioceses e prelazias por todo o país, visando a educação e espiritualidade para a Ecologia Integral. O Junho Verde, período em que encorajamos a realização de mais atividades regionais e locais, é uma proposta da Presidência da CNBB, aprovada como lei e direciona todo o mês para a sensibilização pelo cuidado da Casa Comum. O Tempo da Criação: Que a Justiça e a Paz Fluam, que é uma Celebração ecumênica realizada todos os anos de 1º de setembro, Dia mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, até 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis.

3. Em 04 de junho de 2022 foi sancionada a Lei 14.393/2022, proposta pela CNBB, que altera a Política Nacional de Educação Ambiental e institui a celebração do mês temático “Campanha Junho Verde” como parte das atividades educativas na relação com o meio ambiente. Poderia partilhar conosco o percurso, o objetivo e desmembramentos desta lei?

A Campanha Junho Verde nasceu de um proposta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para que as ações em prol do meio ambiente fossem tomadas durante todo o mês de junho, quando comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente, para haver mobilização nacional nesse sentido, segundo a lei, a campanha ocorreria com a participação do poder público, em parceria com as escolas, universidades, empresas públicas e privadas, igrejas e entidades da sociedade civil. A campanha será inserida na Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795, de 1999), dentro da chamada educação ambiental “não-formal” — as práticas voltadas a sensibilizar a coletividade e convocá-la a participar ativamente da defesa do meio ambiente.

O Junho Verde será promovido pelos governos federal, estadual e municipal em parceria com os vários núcleos da sociedade civil: escolas e universidades, empresas e comércio, igrejas, comunidades tradicionais, populações indígenas e entidades em geral. A campanha deverá incluir ações variadas que cumpram objetivos como disseminação de conhecimento, mudança de hábitos de consumo e inovação socioeconômica. São 16 iniciativas listadas no projeto, tais como:

● Divulgação de informações sobre o estado de conservação dos biomas brasileiros;

● Uso de espaços públicos urbanos e turismo sustentável;

● Conscientização para consumo, reciclagem, uso de água;

● Educação sobre a legislação ambiental brasileira;

● Inovação ambiental por meio da biodiversidade nativa;

● Preservação de culturas tradicionais;

● Debates sobre economia de baixo carbono, mudanças climáticas, degradação ambiental;

● Formação de consciência ecológica cidadã.

O Junho Verde deverá incorporar o conceito de “ecologia integral”, que se refere à intersecção de preocupações sociais e humanas com o pensamento ecológico. Assim mais uma ação da Igreja para firmar o compromisso do poder governamental e a sociedade com o cuidado com a Casa Comum. Consideramos que a campanha poderá catalisar o processo de conscientização ambiental da sociedade brasileira, impulsionando, durante o mês, a discussão temática nas agendas políticas, educacionais, empresarial e midiáticas.

4. A Campanha Junho Verde, assim como a encíclica Laudato Si’, destacam o termo “Ecologia Integral”. A nível de comunidade e fraternidade local, pouco se aborda a temática. Quais razões poderiam potencializar a sua adesão por parte de nossos irmãos e irmãs? Quais temas necessitam ser discutidos?

A preservação e proteção da natureza, direitos dos povos e de seus territórios, os direitos da natureza, o consumo consciente e em atitude ecológica, a reciclagem, a redução, a reutilização de resíduos sólidos, a água e saneamento básico, a proteção aos diversos biomas brasileiros, o estímulo à inovação ambiental por meio de projetos educacionais, o direito das cidades, a ecologia, a econômica de Clara e Francisco, a economia solidária, de comunhão e partilha e tantos outros, são temas que garantem processos de cuidado da criação.

5. A Família Franciscana possui uma presença significativa na Amazônia, envolvendo Vida Religiosa Consagrada, JUFRA, OFS e simpatizantes do carisma de Francisco e Clara. Quais papéis são e podem ser desenvolvidos pela Família Franciscana a nível local e regional em parceria com a REPAM?

O compromisso com: a educação e espiritualidade da Ecologia Integral; a economia de Clara e Francisco; o Serviço de Justiça e Paz e Integridade da Criação; os Direitos Humanos, Povos e Territórios; a presença efetiva, eficaz, ativa e afetiva junto às pessoas em vulnerabilidade; o ser Igreja profética, samaritana, orante sinodal e ministerial em saída às periferias existenciais e geográficas ao encontro dos pobres.

6. A REPAM e a OFS têm sede de ações com as juventudes? Sede de quê?

Sim, a juventude é nosso presente e tem um dinamismo, criatividade e talento, que transbordam AMOR, PAZ, BEM e ESPERANÇA pela vida, pulsa vida entre seus corações, gestos, atitudes e ações. Por isso para a REPAM, que tem como prioridade as juventudes e para a Ordem Franciscana Secular, que tem compromisso com a animação fraterna da Juventude Franciscana, há sede de a cada novo amanhecer promover, proporcionar, articular e mobilizar espaços de acolhimento, participação e protagonismo dessa juventude em semear sementes de vida e cuidado com a Casa Comum, promovendo uma autêntica Ecologia Integral que transforme a realidade, apontando respostas ousadas para o enfrentamento da crise socioambiental, mitigação das consequências das mudanças climáticas, insegurança alimentar, desigualdade social e racial, promovendo uma justiça socioambiental do Bem Viver e intergeracional às futuras gerações. Assim como a música “Corações Livres”, a REPAM e OFS acredita:

Eu vejo que a juventude tem muito amor
Carrega a esperança viva no seu cantar
Conhece caminhos novos, não tem segredos
Anseia pela justiça e deseja a paz…
Ei juventude! Rosto do mundo!
Teu dinamismo logo encanta quem te vê
A liberdade, aposta tudo
Não perde nada na certeza de vencer…

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