Grande parte do mundo católico celebra o mês de setembro como mês da Bíblia. A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja reconhece a centralidade da Palavra de Deus na vida cristã e empreende grandes esforços no serviço de animação bíblica. A Bíblia vai ocupando o espaço que lhe pertence na liturgia, na catequese, na formação e na vida das comunidades, nas mãos do povo.
As Comunidades Eclesiais de Base, que tomaram força no Brasil a partir da Conferência de Medellín (1968), se reúnem em torno da Palavra. É a Palavra lida a partir da vida que vai mostrando os caminhos da transformação necessária, da libertação. É a palavra lida, escutada, discutida e concretizada no dia a dia que move trabalhadoras e trabalhadores a organizar-se e engajar-se na luta pela conquista de seus direitos roubados; é a Palavra lida à luz do cotidiano que dá força e resistência, que inspira a camponeses iletrados e trabalhadores com “pouca leitura” a apresentar-se sem tremer nos tribunais defensores do latifúndio e do poder econômico e a responder com tal sabedoria, conhecimento e coragem que confunde e causa perplexidade aos inquisidores. Pela força da Palavra, Margarida, Padre Ezequiel, Dom Romero, Chico Mendes, José Machado, Santo Dias, Dorothy, Ângelo Kretã, e a infinda ladainha de mártires da terra enfrentaram pistoleiros e, com seu sangue fecundaram a terra que defendiam com sua destemida palavra e ação profética.
Francisco não era muito diferente. Disso nos dá testemunho seu biógrafo Tomás de Celano “Entendia e interpretava também as Escrituras, sem as ter estudado, mas tendo-se tornado o imitador delas, como aqueles que os príncipes dos judeus desprezavam como ignorantes e iletrados” (1Cel 25,4).
E ainda: “Embora este homem bem-aventurado não tenha tido nenhum estudo, aprendeu as coisas que são do alto, da sabedoria que vem de Deus e, iluminado pelos fulgores da luz eterna, não era pouco o que entendia das Sagradas Escrituras. Sua inteligência purificada penetrava os segredos dos mistérios, e, onde ficava fora a ciência dos mestres, entrava seu afeto cheio de amor. Lia os livros sagrados de quando em quando mas, o que punha uma vez na cabeça ficava indelevelmente escrito em seu coração. “Tinha memória no lugar dos livros, porque não perdia o que tivesse ouvido uma única vez, pois ficava refletindo com amor em contínua devoção.
… Afirmava que passaria facilmente do conhecimento de si mesmo para o conhecimento de Deus aquele que estudasse as Escrituras com humildade e sem presunção” (2Cel 102, 1- 4.7).
“Quando estava doente e cheio de achaques, disse-lhe uma vez um companheiro: “Pai, sempre te refugiaste nas Escrituras, elas sempre foram um remédio para tuas dores”. … O santo respondeu: “É bom ler os testemunhos das Escrituras, é bom procurar nelas Deus nosso Senhor, mas eu já aprendi tantas coisas nas Escrituras que para mim é mais do que suficiente recordar e meditar. Não preciso mais nada, filho. Conheço o Cristo pobre e crucificado”. (2Cel 105.1.3-5).
De Santa Clara não temos muitos testemunhos, mas os que conhecemos são convincentes. Suas cartas nos testemunham que ela era conhecedora da Sagrada Escritura, pelas muitas citações bíblicas que nelas encontramos. Em sua canonização, o amor à Palavra de Deus, seu esforço para bem acolhê-la para melhor vivê-la, merece destaque, assim como seu cuidado de que a Palavra de Deus fosse central na formação da novas Irmãs: “Por meio de devotos pregadores, cuidava de alimentar as filhas com a palavra de Deus e não ficava com a parte pior. Quando ouvia a santa pregação, ficava tão inundada de gozo e gostava tanto de recordar o seu Jesus que, uma vez, durante a pregação de Frei Filipe de Atri apareceu um menino muito bonito para a virgem Clara e a consolou durante grande parte do sermão com as suas graças. Diante dessa aparição, a Irmã que mereceu ser testemunha do que a madre viu sentiu-se inundada por uma suavidade inefável.
Não tinha formação literária, mas gostava de ouvir os sermões dos letrados, sabendo que na casca das palavras ocultava-se o miolo que tinha a sutileza de alcançar e o gosto de saborear. De qualquer sermão, conseguia tirar proveito para a alma, pois sabia que não vale menos poder recolher de vez em quando uma flor de um áspero espinheiro que comer o fruto de uma árvore de qualidade.
Uma vez, o papa Gregório proibiu qualquer frade de ir sem sua licença aos mosteiros das senhoras. A piedosa madre, doendo-se porque ia ser mais raro para as Irmãs o manjar da doutrina sagrada, gemeu: “Tire-nos também os outros frades, já que nos privou dos que davam o alimento de vida”. E devolveu ao ministro na mesma hora todos os irmãos, pois não queria esmoleres para buscar o pão do corpo, se já não tinha esmoleres para o pão do espírito. Quando soube disso, o papa Gregório deixou imediatamente a proibição nas mãos do ministro gera (LSC 37).
Hoje, nada obstrui nem limita nosso acesso às Sagradas Escrituras. Também temos abundantes e preciosas fontes de estudo para melhor conhecer a Palavra de Deus em seu sentido mais profundo e original. Temos à disposição preciosos métodos de reflexão de contemplação, de oração desta Palavra. Bebamos com assiduidade e alegria desta Água de vida que nos é presenteada de todas as formas e em todo o tempo.
Escrito por: Irmã Maria Fachini, Catequista Franciscana
Fonte: CICAF.org.br