Irmã Silvania, cinco décadas dedicadas a projetos sociais que transformaram vidas

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Religiosa é uma das criadoras do projeto Transformação, que trabalha com famílias de catadores de material para reciclagem em  Passo Fundo há 16 anos.

Com mulheres que trabalham na reciclagem em um dos programas do Projeto Transformação

Com apenas 13 anos, a catarinense Silvania Ioner, chegava à Congregação Notre Dame em Passo Fundo para iniciar sua caminhada religiosa e profissional.

Única filha mulher em uma família de oito irmãos, Silvania diz que desde quando começou os estudos em um colégio de freiras, sentiu que essa seria sua missão de vida.

Presenciando a mãe ajudar vizinhos e pessoas necessitadas, entendeu sua missão e decidiu se dedicar à vida religiosa.

— Minha mãe me apoiou na minha decisão. Eu era nova, mas ela disse que estaria tranquila sabendo que eu ficaria junto das irmãs. Assim fiz a mala e hoje são 52 anos de vida religiosa e 58 que estou em Passo Fundo.

Residindo atualmente em Não-Me-Toque, a 65 quilômetros, a irmã segue trabalhando em projetos sociais também em Passo Fundo.

São mais de cinco décadas dedicadas a projetos sociais, com pessoas em situação de vulnerabilidade, crianças e mulheres, aos quais ela oferece total atenção, lembrando sempre que o apoio social vai muito além de doar recursos financeiros.

— O trabalho com pessoas vulneráveis vai no sentido da promoção humana, de ajudá-las a serem autônomas, independentes, terem oportunidade de mudar suas vidas. Por isso o trabalho social é uma realização para mim. Minha opção pela vida religiosa foi justamente por esse tipo de causa.

Silvania nasceu em São Carlos, interior de Santa Catarina. É a terceira filha de mais sete irmãos homens. De pais católicos, estudou em colégio de freiras e ali sentiu que essa seria sua missão de vida.

Além de atuar na Congregação Notre Dame, ela se dedicou aos estudos. Depois do ensino médio fez faculdade de Administração, especialização em Administração Hospitalar e MBA em Gestão de Pessoas, Estratégias e Negócios. A vida religiosa não limitou sua vontade de se especializar em outras áreas. O conhecimento a ajudou a planejar a administração da Congregação Notre Dame no Brasil, dedicando sua experiência e seu estudo, com um olhar profissional e humano.

— A vida religiosa é uma opção de vida e de princípios. Eu estudei, trabalhei, mas meu foco é a vida religiosa. Sempre mantive contato com minha família, a maioria dos meus irmãos foi trabalhar no interior de São Paulo, pelas oportunidades que o estado oferecia. Hoje só tenho um irmão vivo, mas tenho meus sobrinhos, além das minhas cunhadas.

Três de seus irmãos entraram na vida política, um se tornou prefeito e foi outro vereador.

O projeto que se transformou em seu propósito de vida

Em uma Quaresma de 2007, em que o tema era ‘Salve a Amazônia’, Silvania e um grupo de pessoas ligadas à igreja católica, sentiram a necessidade de criar um projeto que tivesse ligação com a proteção ambiental em Passo Fundo. Alguns encontros depois surgiu o Projeto Transformação, que significa ‘transformando em ações’. O tema permanente do projeto é: ‘Cuidar da vida, cuidar da natureza, cuidar das pessoas’.

A partir da criação, cinco entidades locais trabalharam na concretização do projeto: Irmãs de Notre Dame, Irmãs Franciscanas de Maria Auxiliadora, Padres Missionários da Sagrada Família, Congregação Missionária Redentorista do Instituto Menino Deus e Cáritas Diocesana.

Silvania conta que o trabalho iniciou na Paróquia Santa Terezinha, na Vila Rodrigues, com o propósito inicial de retirar mulheres catadoras que circulavam pelas ruas com seus filhos.

A sede do projeto é no prédio da Cáritas Diocesana, no centro de Passo Fundo. Cada entidade tem um papel específico. São elas que fornecem a estrutura, espaço físico, telefone, veículos, materiais e equipamentos. Despesas como água e luz dos galpões, onde é feita a separação para reciclagem, são pagas a partir de um convênio com a prefeitura municipal, que também cedeu dois caminhões para duas cooperativas de recicladores.

Cabe ao Projeto Transformação o assessoramento às cooperativas de recicladores. Toda a parte burocrática, documentos, livro ponto, orientações sobre o trabalho e precificação dos produtos, além da negociação com compradores, passa pelas mãos dos voluntários do projeto.

— Nosso papel é assessorar a questão burocrática e organização deles, como recolhimento do INSS, encaminhamentos, auxílio para o rateio das vendas, além da resolução de conflitos e a busca de melhores negociações. Formamos um grupo onde representantes de cada cooperativa discutem a venda e a precificação de materiais.

Mudar a vida das pessoas, por meio do incentivo e da colaboração social é um papel que Silvania escolheu para levar pela vida à fora.

— No projeto Transformação, por exemplo, vejo essa possibilidade, pois a grande maioria é composta de mulheres pobres em todos os sentidos, não só de dinheiro, mas de oportunidade, de sonhos. Eu me identifico com a causa delas, no sentido de ajudá-las a serem mais autônomas e donas da própria vida.

Associação do Projeto Transformação

Cinco entidades compõem a Associação do Projeto Transformação, que existe desde 2007. Ela assessora três cooperativas de recicladores: Coama, na Vila Popular, a Cotraempo, na Vila Bom Jesus onde funcionava a Associação de Recicladores Esperança da Vitória (Arevi), que foi incorporada pela Cooperativa Mista de Produção e Trabalho dos Empreendedores Populares da Santa Marta Ltda (Cootraempo) e a Cooperativa de Trabalho dos Recicladores do Parque Bela Vista (Recibela), cooperativa com 67 recicladores na Vila São João, onde fica uma usina de reciclagem.

Os programas desenvolvidos têm como objetivo auxiliar as famílias de recicladores.

Na Vila Popular, quando o primeiro galpão de reciclagem foi construído, o grupo pensou em um programa que pudesse atender também os filhos das catadoras.

— A mãe precisa levar o filho ou neto junto quando vai trabalhar na cooperativa. Então precisávamos pensar em um programa que abrigasse estas crianças. Primeiramente contratamos uma assistente social que fez uma pesquisa, pois haviam várias famílias de catadores e queríamos entender essa realidade. Essas famílias passaram por uma capacitação e foi fundada a Cooperativa Coama, com um galpão de reciclagem para que estas pessoas não ficassem com os materiais em suas casas e para que pudessem se organizar em grupo. Em paralelo criamos um espaço para os filhos destas pessoas. Crianças de seis a 12 anos permanecem no contra turno da escola, participando de oficinas de informática, dança, projeto de vida e valores.

Outro projeto aconteceu na Vila Jardim, que depois foi transferido para o bairro Edmundo Trein, chamado ‘Sementes do Jardim’.

Os catadores da chamada usina de lixo Recibela, na Vila São João, que puderam mudar suas perspectivas a partir do Projeto Transformação.

— Antes eles ficavam acampados em cima do lixão e agora já constituíram uma cooperativa, que conta hoje com 67 cooperados trabalhando em dois turnos, tamanha a demanda e também pelo espaço restrito. Assim eles conseguem se manter com dignidade.

Trabalhar com cooperativas de recicladores trouxe experiência e aprendizados para o grupo. Tanto que dentro do projeto existe um programa de Cooperativismo, que presta assessoria permanente às três cooperativas.

Estar em um projeto social resulta no envolvimento em outras esferas. O programa de políticas públicas do projeto promove a participação em espaços de discussão como os conselhos municipais do meio ambiente, crianças e adolescente e assistência social, além da participação no projeto de elaboração de resíduos sólidos e outros projetos que envolvem educação socioambiental em escolas, igrejas e outros locais.

— Em 2022 promovemos 60 oficinas de educação socioambiental, a partir de um projeto com recursos do Conselho Municipal do Meio Ambiente. Hoje estamos atuando junto há três condomínios da cidade, onde elaboramos os contratos com as cooperativas para o recolhimento dos materiais recicláveis e fizemos a capacitação das empregadas domésticas, pois são elas que fazem a destinação do lixo. É um projeto completo, abrangente.

O papel social dos catadores

Silvania lembra que há um papel social relevante no trabalho de coleta e reciclagem do lixo, pois os recicladores ajudam no controle do lixo da cidade e ainda conseguem ter uma vida digna, através da renda pelo seu trabalho.

— Durante a formação, lembramos a eles do papel importante que fazem na preservação do meio ambiente a partir da reciclagem e da retirada do lixo das ruas. Trabalhar com esse projeto é uma realização.

Bombeiro Mirim

O Projeto Bombeiro Mirim, em parceria com a Prefeitura Municipal e o Corpo de Bombeiros foi outro que contou com o trabalho de Silvania. O projeto foi executado pela Congregação de Notre Dame, em parceria com a Prefeitura Municipal e o Corpo de Bombeiros, de 2004 até 2016. Atendeu aproximadamente 80 meninos entre 12 e 15 anos, em situação de vulnerabilidade social, no turno inverso da escola, com atividades que envolviam noções de cidadania, cursos profissionalizantes, como técnico em informática, marcenaria, compostagem e produção de hortaliças. O propósito era tirar esses adolescentes das ruas, oportunizando uma futura profissão e envolvimento social.

— Tenho orgulho desse projeto e de tantos outros que participei na minha jornada até agora. Sempre procurei estar envolvida em ações para dar oportunidade às pessoas de mudarem suas vidas e muitas vezes vi isso acontecer. A transformação acontece por opção da pessoa, eu posso incentivar, ajudar, apoiar, preciso ter uma força de convencimento para as pessoas acreditem nelas mesmas e que consigam realizar o que desejam e elas conseguem. Por tudo isso eu sonhei com a vida religiosa.

Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br

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