Reflexão: Ternura do abraço

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A Igreja Católica, ao celebrar a Semana da Família, faz coro, ainda mais fortemente, com outras instituições da sociedade para mostrar a importância de se investir na família. O contexto familiar é escola onde se deve aprender a ternura que inscreve, em cada pessoa, o sentido da vida, dom inviolável. A ternura ultrapassa simples consideração melosa. Estrutura a conduta social na lei do amor e capacita cada ser humano para ser um dom na vida de seu semelhante. A missão que Jesus confiou a seus discípulos se efetiva no testemunho de pais e mães que, no dia a dia, permanecem fiéis ao mandamento maior, a vivência do amor, oferecendo as suas vidas pela família. Deste amor brotam a misericórdia e o perdão. O resultado é a fecundação do indispensável tempero da ternura, com a sua luz própria, direcionando corações para o rumo certo. Assim, reconhece-se um Evangelho da família, com capítulos que alicerçam dinâmicas qualificadas no amor. A ternura do abraço guarda, pois, um potencial estruturante – oferece à interioridade o equilíbrio nas relações interpessoais, configurando-as na modulação do amor.

O remédio da ternura leva à cura das dores do cansaço e das feridas, conforme ensina a família de Nazaré – oportuno se lembrar daquele doloroso episódio, a violência praticada pela arbitrariedade de Herodes. A ternura da Sagrada Família projetou luzes nas sombras da perseguição que ainda hoje envolvem tantas pessoas – o sofrimento das famílias de refugiados e dos descartados da sociedade. Há, pois, um Evangelho da família, que deve emoldurar a experiência de cada pessoa, garantindo laços de fraternidade. A família educa para a abertura ao outro, uma grande escola da fé, da liberdade e da convivência humana. Trata-se de uma escola indispensável. Sua ausência representa grande lacuna, que prejudica competências humanas tão necessárias para o bem viver.

A experiência da fraternidade na família possibilita o aprendizado sobre a necessidade do cuidado com o semelhante, desenvolvendo, ao mesmo tempo, o gosto por conseguir ajudar alguém e a humildade para, em momento de necessidade, não recusar a ajuda oferecida. O Evangelho da família inclui o cultivo da solicitude, da paciência e do carinho, possibilitando chegar ao princípio cristão determinante: o outro, para além de sua condição e das suas circunstâncias, é sempre mais importante. Torna-se, pois, evidente que nenhuma experiência pode substituir a singularidade da família com o seu Evangelho. No contexto familiar tem-se a oportunidade de crescer entre irmãos, uns cuidando dos outros, ajudando e sendo ajudados. Essa experiência forte da irmandade, embora com fadigas e desafios, capacita o ser humano para a sociabilidade, alicerçando a configuração das relações político-sociais. O círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos se alarga em uma grande família, possibilitando uma comunhão sempre mais profunda.

O Papa Francisco faz um apelo, na Carta Encíclica sobre a alegria do amor na família: a família ampliada de cada pessoa deveria acolher, com muito amor, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de seus filhos, as pessoas com deficiência que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem com a solidão, os idosos e os doentes que não recebem o apoio de seus filhos, incluir até mesmo os mais desastrados na condução de suas vidas. A Igreja tem a inegociável tarefa de anunciar o Evangelho da família, convocando para essa missão outras instituições. Uma tarefa que deve envolver, primordialmente, as famílias cristãs, testemunhando a alegria que enche o coração. Trata-se de importante semeadura, verdadeira obra de Deus. É preciso proporcionar a todas as famílias uma compreensão que lhes garanta a qualificação como escola de fé e de amor. O desafio permanente é não se contentar com um anúncio teórico e desligado dos problemas das pessoas. Deve-se oferecer a oportunidade do exercício da reciprocidade, na comunhão e na fecundidade. Esse exercício é um legado indispensável vivido com singularidade no contexto familiar. O equilíbrio humano e a competência na administração da vida estão profundamente vinculados à aprendizagem da reciprocidade.

A ternura do abraço é muito mais do que uma simples situação de aconchego envolvendo pais e filhos. Trata-se de lição que amadurece o ser humano na experiência insubstituível da reciprocidade. Permite desenvolver a competência para o exercício da solidariedade, se sacrificando pelo bem do próximo, vencendo a mesquinhez. Quando não se aprende a reciprocidade carrega-se o peso do isolamento, do egoísmo, da inabilidade para seguir princípios morais. Reciprocidade não se aprende conceitualmente, mas a partir de vivências, particularmente aquelas que caracterizam a vida em família. Investir na família é, assim, imprescindível, oferecendo as condições materiais e humanas, espirituais e morais para que todos tenham a oportunidade de alicerçar a vida na rocha invencível do amor – experimentado na fé e na grandeza da alma, na ternura do abraço.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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