Peregrinos de Esperança, no caminho de São Francisco e Santa Clara
“Entre outros benefícios que temos, está a nossa vocação…” (Test. de Santa Clara)
01 a 04 de maio de 2025 em Canindé – CE
ENTREVISTA
Frei Marconi Lins de Araújo, OFM¹
1. Qual impacto o Ano Jubilar “Peregrinos de Esperança” tende a repercutir no chamado vocacional e no processo formativo?
Frei Marconi – O Ano Jubilar já é um chamado vocacional a toda Igreja para peregrinar na esperança, num mundo quase desesperado pela globalização da indiferença, como afirma o Papa Francisco, por jogarmos fora as oportunidades que temos para cuidar de nossa casa comum, de construir a cultura do encontro e do diálogo intercultural e inter-religioso, e de uma economia solidária e sustentável, pelo uso indevido e manipulador da maravilha da tecnologia da informação e redes sociais.
Somos chamados a ser homens e mulheres de esperança, e como irmãs e irmãos menores, itinerantes, anunciar ao mundo o Evangelho como forma de vida observada e proposta por São Francisco, Santa Clara e seus primeiros companheiros e companheiras. O Papa afirma, no início da Bula de proclamação do Jubileu que o Ano Jubilar “possa ser, para todos, um momento de encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus, ‘porta’ de Salvação; com Ele que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda parte e a todos, como sendo a ‘nossa esperança” (SnC,1).
2. Quais são hoje os principais desafios na missão dos Formadores e Animadores Vocacionais? Caminhos para a superação…
Frei Marconi – Creio que o primeiro desafio em nossa missão é fazermos da escuta um estilo de vida, como afirma o Papa Francisco sobre São Francisco: “São Francisco de Assis escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de vida” (Fratelli Tutti 48). Não existe vida vocacional sem escuta e, para isso, é preciso aprender a fazer silêncio que permite acolher e ouvir Aquele que nos fala, ou seja, precisamos criar o espaço de oração em nossa vida pessoal e fraterna.
Outro desafio é conhecer a história, a realidade onde vivemos, com suas contradições e oportunidades, vendo nela a presença de Deus e a ação do Reino, sendo nela testemunhas de conversão ao projeto de Deus e interpelando outras pessoas a fazerem a experiência que fazemos.
Grande desafio é conhecer a juventude, vê-la num mundo que não permite que ela seja protagonista de sonhos e mudanças, mas que se torne consumista de coisas, seduzida por felicidades passageiras que a torna sem esperança. A proximidade da juventude exige sairmos da segurança de nossos espaços para irmos ao mundo dos jovens, em sua maioria empobrecidos. A juventude deve ser um de nossos claustros. Por que tantos jovens são atraídos para novas comunidades e outras opções de vida?
Um dos caminhos que devemos tomar para superar os desafios que se nos apresentam é assumir a itinerância, dimensão constitutiva de nosso carisma franciscano, e que nos faz ter simpatia pelo mundo, ao qual Jesus revelou o amor infinito do Pai.
3. Em relação ao tema e o lema do encontro do SAV/CFFB, o que destaca como fatores essenciais do chamamento e do processo formativo?
Frei Marconi – O chamado vocacional que recebemos deve repercutir permanentemente em nossa vida. Não é um acontecimento passado, mas que nos acompanha e nos interpela sempre, quanto mais estivermos atentos aos apelos da Igreja e do mundo. O chamado tem a ver com a fé, faz-nos pessoas esperançosas e sempre disponíveis para ser como Jesus, “que por toda parte, andou fazendo o bem”(At 10,38). A experiência vocacional é pessoal, mas é mediada pelos outros e pela realidade concreta: toda vocação é convocação, é graça de Deus. Na perspectiva franciscana, devemos sempre refletir a dimensão vocacional a partir do que afirmava São Francisco: “O Senhor me conduziu entre os leprosos… O Senhor me deu irmãos… O Senhor me revelou que devia viver segundo a forma do Santo Evangelho”(Test).
Somos chamados a “ter os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fl 2,5), num mundo onde vemos a “globalização da indiferença”, como nos adverte o Papa Francisco. Comprometer-nos a ser e a construir a fraternidade que nasce do Evangelho e que nos leva a confraternizar com toda a humanidade, em comunhão com toda a Criação.
4. Que esperança e frutos vislumbram do encontro do SAV que vai acontecer em Canindé/CE?
Frei Marconi – A esperança que tenho é que possamos fortalecer nosso compromisso com a riqueza de nosso carisma, somar, pela escuta mútua, a riqueza das experiências que fazemos, e nos comprometer ainda mais como Família Franciscana para construir um outro mundo possível, que visibilize o Reino que Jesus nos trouxe do Pai, “pois para isto Ele nos mandou pelo mundo universo, para darmos testemunho de Sua voz, por palavras e obras, e fazermos saber a todos que ninguém é todo-poderoso senão Ele” (CtO, 9). Eis o fundamento de nosso serviço à formação e à animação vocacional em nossa Família Franciscana. Motivados pelo Jubileu da Esperança, pela celebração dos 800 anos do Cântico das Criaturas, composto por São Francisco, os frutos virão de tantos benefícios que o Senhor nos concede, entre eles, nossa vocação, como afirmava nossa Irmã e Mãe Clara de Assis.
5. Algo mais que queira destacar.
Frei Marconi – Seja bem-vindo quem participar do encontro do SAV/CFFB, e esteja motivado a partilhar a alegria de estarmos juntos como Família Franciscana, sob o impulso da graça deste Ano Jubilar proclamado pela Igreja, e pelos 800 anos do Cântico das Criaturas, composto por nosso Seráfico Pai São Francisco e vivido por nossa Família. Certamente vamos nos enriquecer e fortalecer os laços que nos unem e nos identificam como seguidores de São Francisco. Para nós, o carisma de São Francisco não é uma camisa que se veste, mas uma pele que se assume e que nos faz sentir as necessidades que a humanidade tem de paz e de bem.
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¹ Sou um frade menor, nascido em Caruaru, interior de Pernambuco, no dia de São Francisco, há 71 anos. As marcas da fé, da capacidade de enfrentar as dificuldades e de estar a serviço dos outros, recebi de minha mãe, que ficou viúva bem jovem e que se dedicou a mim e a meus dois irmãos. Desde pequeno, queria ser padre, e não entrei no seminário ainda adolescente porque tinha que trabalhar para ajudar minha mãe. Depois descobri a vocação religiosa franciscana. Entrei com 19 anos para o postulantado franciscano, deixando o trabalho numa concessionária de automóveis. Minha vida familiar, particularmente o exemplo de minha mãe, e meu engajamento na comunidade cristã forjaram minha vocação.
Após o noviciado, em Olinda, em 1974, fui para Fortaleza, Ceará. Lá fiz minha formação filosófica e teológica no Seminário da Prainha, onde estudaram Padre Cícero e Dom Hélder Câmara, onde tive uma formação dentro de um contexto muito especial que era o pós-Concílio Vaticano II, as Conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979), a força das
Comunidades Eclesiais de Base (Ceb’s) e da Vida Religiosa inserida nos meios populares.
Depois de ordenado presbítero, em 1980, já iniciei todo um caminho de serviço à formação, desde mestre de postulantes, de professos temporários, na pastoral vocacional, como secretário provincial do cuidado pastoral das vocações, promotor vocacional, definidor, vigário provincial e ministro provincial (nove anos), pároco, e hoje, ainda na formação e na orientação de retiros para religiosos, sacerdotes e leigos. As oportunidades de formação sobre a vida religiosa, a animação de fraternidades, sobre o carisma franciscano, aconteceram em cursos e no percurso de dois Capítulos Gerais, encontros da Ordem e da Conferencia dos Frades Menores, e no âmbito da Família Franciscana. Neste caminho percorrido, continuo encantado pela vida de nosso Seráfico Pai São Francisco, de Santa Clara, de Santo Antônio, enfim, por nosso carisma, buscando o seguimento do Cristo que nasceu no caminho, pobre e humilde.