“O nosso Deus está em toda a parte!” (Maria Avosani)
A conversa congregacional sobre interculturalidade – um encontro formativo que faz parte do processo de reorganização da congregação – teve início com a acolhida feita por Irmã Ana Macedo, desejando que o encontro, reunindo tantos fios culturais, possa nos fortalecer na escuta e na proximidade. Irmã Adriana Milmanda (Argentina), da Congregação das Servas do Espírito Santo, também foi acolhida com alegria e foi apresentada como facilitadora da reflexão.
A seguir, um grupo de irmãs e jovens formandas de Rondonópolis/MT, a partir de uma vivência intercultural e intergeracional, motivou o momento orante, convidando-nos a rezar em sintonia com o Espírito dos nossos ancestrais. Irmã Laura Vicuña, mediadora do encontro, situou a live dentro da vivência da escuta, discernimento e priorização. Temos a graça de sermos um grupo diverso, cada qual trazendo seus cantos e melodias, por isso, torna-se tão desafiador e belo ‘entrar gentilmente’ no espaço de outro povo e das diversidades.
Irmã Adriana iniciou sua reflexão sobre a interculturalidade lembrando a Fratelli Tutti (n. 85), onde Papa Francisco afirma que a fé nos cumula de motivações preciosas para o reconhecimento do outro, da outra, em sua dignidade, possibilitando, ao mesmo tempo, rever nossas práticas.
Para a Vida Religiosa, hoje, a missão na perspectiva intercultural não é uma questão opcional, mas um apelo, porque o mundo de hoje é intercultural!
Tal missão é um processo intencional, espiritual e de conversão. Por isso, ao entrar neste caminho nos perguntamos: Como reagimos frente à crescente diversidade que nos cerca? O que nos motiva? O que estamos buscando? Como a alimentamos?
O tempo do ‘inter’ que vivenciamos – é tempo do Espírito, é ‘kairós’! É intensidade! Sinal dos tempos num mundo intercultural e interligado. O que nos une e nos liga, é significativo, mas o que nos diferencia também é importante e precioso para gerar interação.
Como missão da Igreja, a interculturalidade é apelo para abrir espaços livres de escuta intencional da polifonia das culturas de nossas comunidades e perceber outros horizontes para a vida e missão.
Conhecimento e ferramentas ajudam a passar da monocultura para a interculturalidade. Irmã Adriana indicou chaves para acolher o chamado e o dom da interculturalidade: A interculturalidade nos permite recuperar a radicalidade de uma espiritualidade encarnada. O humano é local para o encontro com Deus. Abrir-se às surpresas de um Deus que quer se revelar é atitude que nos liberta de uma fé abstrata. A abertura radical à alteridade é possibilidade para uma espiritualidade mobilizadora.
Acolher o chamado e o dom da interculturalidade é uma oportunidade para tecer outras relações. Ajuda a crescer na perspectiva intercultural assumir, no cotidiano, como mediação, a confrontação com o outro, a outra, pelo diálogo com o diferente, no sentido de conhecer a história, os valores, perceber as sombras, desigualdades, privilégios, submissão, desconfiança, exclusão, etc.
A Teologia não conseguiu mudar a missão na Igreja e nas congregações. A interculturalidade possibilita horizontes diferentes de compreensão e de práticas de missão, além de valorizar as próprias raízes culturais e das outras pessoas.
A interculturalidade oportuniza a conversão da Vida Religiosa à missão profética, no contexto das diversidades. Acolher o dom e o chamado à interculturalidade requer de nós, abraçar a própria conversão vivendo processos contraculturais.
Ao final da colocação, fomos presenteadas com o canto “Dichosas Mujeres”, cantado pela fraternidade interprovincial, intercultural e internacional de Guajitos- Guatemala.
O tempo para as ressonâncias e perguntas, conduzido pela Irmã Dalvina Pedrini, permitiu à assessora fazer considerações e esclarecimentos importantes:
Em relação às culturas, o passado respondeu ao que devia; hoje o quadro é outro. Neste processo, a autocrítica e a crítica da história podem ser meios sanadores. Vale a pena criar espaços distintos para apropriar-se das diferentes cosmovisões e meios que favoreçam a igual participação das diferentes culturas. Isto vai ajudar a compreender-nos e a responder ao novo que o mundo apresenta, hoje.
A inculturação visa mais a cultura, enquanto a interculturalidade foca mais as relações entre as culturas, no sentido de recriar a forma de ser Igreja para que novos rostos possam emergir na Igreja, no serviço ao Reino.
A atualidade do assunto e os horizontes que ele desvenda para a missão da Vida Religiosa no mundo atual, nos desafiam a um maior aprofundamento, a contínua escuta e abertura das diversidades, profunda conversão, bem como a criar condições de igualdade para transformação mútua, espaços para o diálogo, avaliação e experiências alternativas, iluminada por uma leitura bíblica a partir do contexto, a partir das vítimas, holística, saudável que ajude a incluir a natureza, os pequenos e pequenas que o sistema deixa sem ar, sem pão e sem chão!
A proposta da interculturalidade, na qual Jesus nos ensina a nos mover com benevolência e com sabedoria, é um caminho que vai além de tolerar, de ficar em paz numa convivência passiva de expressões culturais diferentes. O Espírito nos impulsiona a dar um passo a mais: somos convidadas para, à luz da fé, aprender a interatuar juntas e juntos, como ocorreu na mesa e debaixo da mesa no encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia.
O respeito e o reconhecimento das diversidades permitem que traços ocultos e novos da beleza do Mistério que constantemente se revela, brilhem em toda a parte!
A gratidão pela possibilidade de vivenciar esse momento de tantas luzes foi expressa por um grupo de irmãs, aspirantes e leigos/as de Angola que, cantando e dançando, com uma mistura de idiomas e ritmos, nos envolveram numa celebração de vida e resistência!
O desafio que temos pela frente é imenso, mas vale a pena!
Por: Irmã Tereza Valler
Fonte: CICAF