Celebrar a Imaculada Conceição para acolher o Salvador

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Imaculada Conceição (c. 1645-1655 ), Bartolomé Esteban Murillo (Wikipedia, domínio público).

Frei Augusto Luiz Gabriel*

No dia 8 de dezembro, em pleno Tempo do Advento, a Igreja celebrou a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria. É a festa do começo absoluto, como afirma Paulo VI, quando Deus, por pura iniciativa sua, e preparando a chegada do seu Filho, preservou a Virgem Maria de toda a mancha de pecado original, para que na plenitude da graça fosse a digna Mãe de seu Filho. A Igreja sempre venerou a santidade da Mãe de Deus com o seu coração inteiramente voltado para Deus. Maria é a mulher “cheia de graça” (Lc 1,28), saudada pelo anjo, na Anunciação.

Sobre a história do dogma da Imaculada Conceição, lê-se que a doutrina da santidade original de Maria se formou inicialmente no Oriente pelo século VI ou VII e dali passou para o Ocidente, junto com a festa litúrgica que se introduziu primeiro na Itália inferior, então bizantina, daí passando à Inglaterra e à França. Nestes países, no entanto, desde o começo denominou-se como festa da Imaculada Conceição. Antes ainda, fontes antigas destacam que no século III a literatura do período inspirava muitas festas marianas, como por exemplo a da Imaculada Conceição e a Natividade da Virgem Maria.

Mas foi em 8 de dezembro de 1854, com a bula “Ineffabilis Deus” que Papa Pio IX declarou a Imaculada Conceição como dogma. Na história da Igreja, há muito tempo a devoção à Imaculada Conceição ocupou lugar de destaque, anterior até mesmo à própria definição e proclamação do dogma. No entanto, no dia citado, com a Basílica de São Pedro lotada, o Papa Pio IX lia emocionado o decreto definitivo que sancionava o dogma:

“Com a autoridade do Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e Nossa, declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que afirma que a beatíssima virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio do Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha da culpa original, é revelada por Deus e por isso deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis.”

A definição do dogma foi um processo que se insere em um contexto muito mais amplo e complexo de acontecimentos que marcaram e transformaram todo o século XIX. O processo de definição foi então influenciado por um conjunto de questões da qual a Igreja não poderia ficar isenta, entre as quais, sobre a figura de Maria. Neste ano de 2023, a Igreja celebra 169 anos deste dogma. Mas, a instituição da qual sou inscrito como frade menor franciscano, já foi erigida há mais de três séculos e meio, com esta invocação: Província da Imaculada Conceição. Vale ressaltar que a ordem franciscana já celebrava esta solenidade desde o século XIII.

No Prefácio da Santa Missa, intitulado “Do Mistério de Maria e da Igreja”, vê-se uma relação entre a figura da Virgem e o povo de Deus. No primeiro parágrafo, se recupera a teologia de fundo da solenidade que consiste na afirmação do dogma da Imaculada Conceição. Maria, é colocada como digna habitação “livre da mancha do pecado original” e plena de graça. Portanto, Maria é proclamada como fez o anjo na Anunciação.

Na imagem de Maria tem-se os primeiros frutos da Igreja, que é convocada a ser conforme o exemplo da Mãe do Senhor: “Sem ruga, sem mancha, resplandecente de beleza”. Maria é mãe da Igreja, modelo de santidade e advogada dos cristãos. Também São Francisco de Assis, em sua “Saudação a Mãe de Deus” coloca em paralelo a Bem-Aventurada Virgem Maria como símbolo da Igreja.

Assim, o próprio texto litúrgico desta solenidade apresenta o mistério da festa em conexão com a história da salvação, louva Maria como “primícias da Igreja” esposa imaculada de Cristo, como modelo de santidade acima de todos os santos. Advogada nossa, “ela intervém constantemente em favor do vosso povo”, e de seus filhos, que são todos os cristãos. Foi em virtude da salvação do gênero humano que Maria foi preservada do pecado. E isso é fortemente evidenciado em todos os textos litúrgicos da Celebração da Eucaristia.

Maria, preservada do pecado e cheia de graça, consegue orientar tudo para um projeto santo. No entanto, não deixa de sofrer, angustia-se, sente os limites da carne. Mas estes limites, não foram motivos de desesperança e lamúria, e sim, potencializaram ainda mais a sua vida. Nela tudo é cristalino sem ser simplista, tudo é puro sem ser frágil e tudo é livre sem ser desmedido.

O tempo litúrgico mais próprio para a veneração de Maria é o Tempo do Advento. É o que afirma o papa Paulo VI na Encíclica Marialis Cultus, sobre o culto a Virgem Maria: “O Advento deve ser considerado como um tempo particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor”.

Celebrar a Imaculada Conceição no Advento revela uma radical preparação para acolher o Salvador que vem. Nesse mesmo período a Virgem é recordada muito especialmente nos dias de expectação (de 17 a 24 de dezembro), no último domingo do Advento. O mistério pascal mostra o Salvador que nos vem como cordeiro sem mancha, que tira o pecado do mundo. Ele é o Sol da justiça, Cristo nosso Deus e o bálsamo para a humanidade ferida pelo pecado.

A Solenidade da Imaculada Conceição ocupa um lugar privilegiado na vivência da liturgia durante o Ano Litúrgico. Deus realizou maravilhas em Maria. Ela é modelo de realização do mistério de Cristo e é intercessora junto ao seu Filho. Na celebração desta solenidade, Imaculada revela o mistério de Cristo e conduz a Ele. Assim, esta festa, é sempre pascal.

Vale ressaltar, que no Brasil, por determinação da CNBB e autorização da Santa Sé, a Solenidade da Imaculada Conceição é sempre celebrada no dia 8 de dezembro, mesmo que este dia seja um domingo do Tempo do Advento.

A Igreja dá graças ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, pelas maravilhas e graças realizadas em Maria, Mãe de Deus. Nela a Igreja contempla e vive a vocação, a missão e o destino de cada ser humano.

Portanto, o dia da Imaculada se celebra como festa e solenidade de toda a Igreja e da humanidade, porque no dom gratuito que Deus faz a Maria, Ele abençoa a todos nós. Ela é o feliz exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga e nela foi dado início à Igreja, esposa de Cristo, resplandecente de beleza e santidade.

A Solenidade da Imaculada Conceição é uma celebração estritamente unida a obra de Deus. Celebra-se a ação de Deus que, a fim de preparar para o seu Filho uma mãe que fosse digna Dele, preservou Maria do pecado original e a enriqueceu com a plenitude de sua graça, pois, por ela, “nos veio o sol da justiça, o Cristo, nosso Deus”.

Este artigo foi publicado originalmente na “Revista Ave-Maria”.

* Frei Augusto Luiz Gabriel, OFM, Religioso franciscano da Ordem dos Frades Menores. É graduado em Filosofia pela FAE Centro Universitário de Curitiba (PR), e em Teologia pelo Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Atualmente compõe a equipe de Animação da Evangelização com as Juventudes da Província da Imaculada Conceição do Brasil e desempenha seus trabalhos pastorais na Paróquia Santa Clara de Assis de Colatina (ES). Foi ordenado presbítero em outubro deste ano.

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