Frei Augusto Luiz Gabriel
Rondinha (PR) – “Quem entendeu o que é encontro, entendeu tudo”. A frase de Frei Hermógenes Harada resume o que foi o primeiro dia (2/7) do Encontro Celebrativo dos 10 anos da morte deste frade, em andamento no Convento São Boaventura de Rondinha, em Campo Largo (PR). O Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, abriu as reflexões abordando o tema “O encontro com Jesus Cristo e seu seguimento” para cerca de 50 participantes das mais diversas localidades do país. Entre uma reflexão e outra, testemunhos e histórias dominaram este começo do evento celebrativo, que promete ter outras edições, e também marcou pelo lançamento do livro “Da fidelidade do pensamento – Fragmentos de um Diário”, escrito por Frei Hermógenes em 1975.
Frei Uli, como é chamado pelos seus confrades desta Província da Imaculada Conceição, iniciou suas reflexões voltando no tempo. Em 1986, era mestre dos noviços em Rodeio e, mensalmente, reunia-se com Frei Hermógenes no Noviciado para estudarem e lerem os Escritos de São Francisco. Na última vez que esteve lá, leram a “Primeira Admoestação” e Dom Leonardo contou que teve uma certa dificuldade para entender “a luz inacessível” de que fala esse Escrito. Frei Harada, que viajara na madrugada no outro dia, deixou debaixo da porta do quarto do mestre de noviços um bilhete (veja a íntegra), escrito à mão, dizendo que para São Francisco a única possibilidade nossa de ver a Deus inacessível é com gratidão profunda diante desse amor humilde que vem de encontro a nós.
Dom Leonardo disse que numa visita a Frei Harada, quando estava na UTI, antes de um encontro de estudo que haviam organizado, com o intuito de aprofundar a questão da história e da historicidade, ele falou convictamente: “É preciso entender o que é encontro. Quem entendeu o que é encontro, entendeu tudo”. E continuou o bispo franciscano: “Quem entendeu encontro entendeu tudo! Essa questão vem me acompanhando, questionando, animando”, revelou.
Dom Leonardo propôs aos participantes um encontro de partilha e provocações. “Os textos espirituais, o Evangelho não estão falando de fatos-coisas, não é narração das histórias do passado! São histórias de encontro!”, disse.
Segundo o frade, quando se fala de inacessibilidade, está se tentando representar um lugar ou uma coisa que está longe, de difícil acesso. “Inacessível eram os doces que nossa mãe fazia e escondia em cima do armário quando éramos crianças e não podíamos alcançar. Inacessível significa algo que, por estar longe de mim ou no lugar onde não consigo chegar, torna-se impossível de ser possuído ou de ser tocado por mim. Mas se eu tivesse um meio ou um modo, um caminho, eu o alcançaria, eu o tocaria”, refletiu. Para Dom Leonardo, “o encontro é puro toque, puro golpe”. “E tudo é sustentado na gratuidade do mistério do próprio toque, que se deixa tocar e se desvela numa unidade onde tudo apenas é”, filosofou.
Por isso, quando se diz: “Prove que eu creio; quero ver como é isso; é impossível de compreender”, são todas atitudes de quem acha que é de sua competência poder fazer o Encontro acessível a partir de si. “O encontro só é acessível na recepção grata e humilde de amor”, ensinou. “Tu, Senhor, Palavra e eterna criança, criadora de um novo céu e uma nova terra, não mais te imploramos, nem sequer te buscamos, nem mesmo te nomeamos. Silenciosamente apenas te olhamos, te admiramos, te cuidamos, te reverenciamos. Pois, como a um filho te ouvimos e te carregamos com nossos olhos, em nossos braços, em nosso regaço”, completou.
FONTES FRANCISCANAS COMO NOSSA FORMAÇÃO
Frei Dorvalino Fassini, coordenador do encontro, falou sobre o estudo das Fontes Franciscanas como formação básica dos franciscanos. Segundo ele, logo após o Vaticano II – e com o princípio do franciscano Papa João XXIII -, era necessário voltar às origens, isto é, voltar a Jesus Cristo, ao Evangelho.
Neste sentido, os franciscanos no Brasil sentiram-se incentivados e criaram o curso de Espiritualidade Franciscana, com duração de um ano, em Petrópolis (RJ). Aconteceu que logo no primeiro ano o diretor do curso saiu, deixando Frei Hermógenes, Frei Gamaliel e Frei Arcangelo Buzzi sozinhos.
“O que é importante acentuar é que foi através deste grupo, principalmente de Frei Hermógenes, que nós, franciscanos no Brasil, começamos a ter as Fontes Franciscanas presentes na nossa formação. Ou seja, começou-se, portanto a ler, a estudar esses documentos”, lembrou o frade.
Para ele, é necessário que haja distinção entre a dimensão historiográfica e a dimensão espiritual das Fontes. “Muitas pessoas olham apenas o aspecto historiográfico, isto é, como documentos que relatam os fatos, os acontecimentos verificáveis, que podem ser provados cientificamente. Se um fato não é provado cientificamente é desconsiderado para a formação, para a espiritualidade. O importante é perceber que as Fontes não nasceram dos fatos. Os fatos é que nasceram das Fontes”, destacou.
Para o mestre em espiritualidade franciscana, as Fontes são as guardiãs e o entusiasmo da graça do encontro. “Frei Hermógenes ensinou que não se deve ter apenas as Fontes em nossa vida, mas que as Fontes devem ser a nossa vida”, acrescentou.
Citando a introdução da Verbum Domini, do Papa Emérito Bento XVI, Frei Dorvalino acredita que a Palavra de Deus será a fonte de toda a vida da Igreja, como a Eucaristia é a Fonte, mas não basta apenas usar a Bíblia, pois só usar ainda não é ter a Bíblia como fonte. “Por que quando usamos as Fontes, encaixamo-las dentro de nossos projetos, dentro da formação. Este, para mim, é o Legado que Frei Hermógenes nos propõe: a formação deve nascer das Fontes e não apenas usando as Fontes”, concluiu.
Frei Aloísio de Oliveira e as irmãs Amarilda e Claudenice falaram como acontece a formação franciscana, baseada no método exposto por Frei Dorvalino, em suas respectivas casas de formação. Todos afirmaram que os textos de Frei Harada fazem parte do conteúdo programático do ano em suas casas de formação.
TESTEMUNHOS DA HISTÓRIA DE UMA ALMA
Irmã Helena Maria Sinoka, das Irmãs Catequistas de Jaraguá (SP), partilhou com os presentes um verdadeiro acervo fotográfico de Frei Hermógenes, lembrando inclusive as origens do frade japonês. Momento dinâmico que fez surgir muitas perguntas e revelações. Muitas pessoas presentes no evento nunca tinham visto imagens do frade e também não tinham conhecimento de alguns dados.
Entre as fotos, uma bela coincidência: ao ser exibido a imagem da lembrança de Ordenação Presbiteral do frade, constatou-se que exatamente no dia 2 de julho, portanto há 62 anos, ele foi ordenado presbítero. A primeira missa de Frei Hermógenes foi no histórico Convento São Francisco, situado no centro de São Paulo.
Em seguida, Frei Gamaliel Devigili, que conviveu com Frei Harada, abordou o tema “Curso Cefepal: Uma experiência do ressurgimento do pensamento franciscano contido nas Fontes Franciscanas”. Segundo ele, falar de fonte é a mesma coisa que falar de princípio, de origem. Para ele, os textos das Fontes não saíram da cabeça de São Francisco. “Ele parte da fonte original que é Deus Pai, Filho, Espírito Santo”, acentuou. Frei Gamaliel também recordou como funcionavam os trabalhos no Cefepal.
LANÇAMENTO DO LIVRO DE FREI HARADA
O momento conclusivo do dia foi mais que especial. Irmã Luci Fontenelle, juntamente com Frei Dorvalino, lançaram o livro “Da Fidelidade do Pensamento – Fragmentos de um Diário”, de Frei Hermógenes Harada, escritos e pensamentos do frade do ano 1975.
Harada foi um pensador, um homem que nasceu, trabalhou e festejou o pensamento. Este diário é um texto que testemunha esse nascer e morrer a cada dia. O diário original foi entregue a Frei Guido Scheidt, que deverá encaminhá-lo aos arquivos da Província da Imaculada.
Na introdução do livro, escreve Marco Aurélio Fernandes: “Por e para ser fiel ao Pensamento, enquanto Espírito, e a concretude de sua liberdade, Harada foi intempestivo, inoportuno. Sabia que nenhuma reforma restitui o vigor originário, frontal de ser, do que quer que seja, sem a transformação radical e revolucionária do Pensamento. Foi agudamente crítico, mas ao mesmo tempo, como um vassalo de um Grão-Senhor, firmemente súdito, na fidelidade da obediência, isto é, na ausculta da autoridade da Vida, aprendendo a abnegação de toda e qualquer preferência. Ele viveu a abnegação, porém, como a alegria da renúncia: da re-anuncia da Jovialidade do Mistério. Foi contundente como a espada de um Samurai. Algo do Bushi-do (o caminho da espada, do guerreiro), estava sempre vigente em seu engajamento. Era o corte afiado da decisão que aparecia então. Seu engajamento, porém, foi pelo Ser, isto é, pelo adensamento da vida em sua gratuidade sem por quê. Por isso, retraiu-se de todo o falatório e de toda a agitação estéril da publicidade. Sua contundência e dureza guerreira, porém, trazia consigo um aprofunda ternura. Sua alma seca escondia a suavidade da ternura. Aprendera a amar assim… profundamente…”
CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
A Celebração Eucarística do dia foi presidida pelo Bispo da Diocese de Umuarama (PR), Dom João Mamede Filho, frade conventual. Dom Leonardo Steiner, Frei Valdir Laurentino, da Fraternidade Franciscana São Boaventura e Frei Levi Jones Botke, da Congregação dos Frades Menores Missionários foram os concelebrantes. A Missa não teve homilia, pois as reflexões ficaram reservadas para o momento do encontro.
Fonte: http://franciscanos.org.br/?p=165981