“O FRANCISCANISMO COMO UMA DAS EXPRESSÕES DO LAICATO” ANO DO LAICATO – PARTE V

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Breve histórico do laicato e o Documento 105 da CNBB: Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: sua contribuição para compreensão do papel do leigo na Igreja

Diversos documentos foram escritos pelos nossos Pastores na América Latina, e em muitos deles desenvolvem a questão do leigo em alguma de suas partes. “Os leigos cumprirão mais cabalmente sua missão de fazer com que a Igreja ‘aconteça’ no mundo, na tarefa humana e na história”, é o que nos vemos no Documento de Medellín (1968, n. 10,2.6). Por sua vez, Puebla (1979) encontramos que “homens e mulheres da Igreja no coração do mundo e homens e mulheres do mundo no coração da Igreja” (n. 786) é o que precisa ser refletido e incentivado como práxis cristã. O Documento de Santo Domingo (1992) recomenda como uma de suas prioridades: “Promover os conselhos de leigos, em plena comunhão com os pastores e adequada autonomia, como lugares de encontro, diálogo e serviço, que contribuam para o fortalecimento da unidade, da espiritualidade e organização do laicato” (Doc 105, 126-127). Posteriormente, a Conferência de Aparecida (2007), afirma ser necessária “maior abertura de mentalidade para entender e acolher o ‘ser’ e o ‘fazer’ do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo” (n. 213). E vai além disso quando, fazendo voz do Concílio Vaticano II, firma: “os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja” (DAp, n. 211). Em seu tempo, e a partir daquilo que as conferências Latino Americanas apontaram, percebemos que “também as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora na Igreja do Brasil – 2015- 2019 enfatizam: ‘A formação dos leigos e leigas precisa ser uma das prioridades da Igreja particular’” (Doc. 105, 240). Com tudo isto, importa destacar e reconhecer o fato de que todos estes documentos eclesiais sempre beberam seu conteúdo essencial no teor pastoral do Concílio Vaticano II.

Continuemos, por hora, nossa reflexão acerca da preocupação que a Igreja tem para com os leigos a partir do século XX com a belíssima promulgação do “Ano do Laicato”, que teve seu início na Solenidade de Cristo Rei, em 2017, e findar-se-á na Solenidade de Cristo Rei em 2018. O estabelecimento deste ano do “Laicato”, tem o ousado intuito de conscientizar os leigos sobre o fato de que somente completarão seu sentido pleno quando em comunhão com os demais sujeitos eclesiais (clérigos, religiosos, consagrados). Comemoraremos assim os 30 anos do Sínodo Ordinário sobre os Leigos (1987) e 30 anos da publicação da Exortação Apostólica Christifideles Laici, de São João Paulo II, sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo (1988).

A preocupação é demonstrar que, “a partir de Jesus Cristo, os cristãos leigos e leigas infundem uma inspiração de fé e de amor nos ambientes e realidades em que vivem e trabalham. Em meio à missão, como ‘sal, luz e fermento’, sempre cheia de tensões e conflitos, buscam testemunhar sua identidade cristã, como ‘ramos na videira’ na comunidade de fé, oração e partilha” (105, 185).

A este respeito o Documento destaca que “os indivíduos na Igreja, mantendo sua subjetividade, possuem uma identidade comunitária, possibilitada e mantida pelo Espírito de Cristo” (105, 103). Somemos a isto a concepção teológico-pastoral onde “a noção de povo de Deus também chama a atenção para a totalidade dos batizados: todos fazem parte do povo sacerdotal, profético e real. O Vaticano II supera a noção da Igreja como uma estrutura piramidal, começando por apresentar o que nos une – nos capítulos sobre a Igreja mistério e povo de Deus – e só depois o que nos distingue” (105, 100). Daí a necessidade de se compreender tais concepções conciliares em artigos anteriores.

A realidade pastoral no Brasil: as conquistas da Igreja contemporânea

No Brasil, por exemplo, já no período Colonial, encontramos irmandades, confrarias e associações, algumas delas heranças de séculos – como as Ordens Terceiras de São Francisco, do Carmo etc. –, numa dimensão mais espiritual e de assistência. Em geral, eram conduzidas pelo clero. No ano de 1935, no Brasil, foi oficializada a Ação Católica Geral e, mais tarde, a Ação Católica Especializada (ACE): Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e Ação Católica Operária (ACO), que se transformou em Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC). No seio do Povo de Deus nasceram, como frutos do Concílio Vaticano II, novos movimentos, novas comunidades e associações de leigos, serviços e pastorais. A partir daí “um idêntico espírito de colaboração e corresponsabilidade (…) se difundiu também entre os leigos, não apenas confirmando as organizações de apostolado já existentes, mas criando outras novas, que não raro se apresentam com um aspecto diferente e uma dinâmica especial” (cf. RH, n. 5).

No entanto, a relação dos militantes da Ação Católica (AC) na política, nos inícios da década de 1960, somados aos conflitos com a hierarquia e outros segmentos leigos, bem como a intensa repressão sofrida pelo golpe militar em 1964, levaram os movimentos laicais, em particular a Ação Católica, a viver um período de crise. No ano de 1970, com a eclesiologia oriunda do Concílio Vaticano II, aliada às reflexões acerca do laicato sobre tema “Leigos”, promovidas pela Assembleia dos Bispos, sugeriu-se a criação de um organismo de articulação do laicato, o então Conselho Nacional dos Leigos (CNL), hoje Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB). E na 11ª Assembleia Geral da CNBB, 1975, foi aprovada a criação de um futuro organismo de leigos que culminou na criação do Conselho Nacional de Leigos (CNL). Em seguida, na 23ª Assembleia, em 1985, foi analisado o tema “Leigos”, como contribuição à preparação do Sínodo sobre os leigos em 1987.

Todas estas tentativas de se favorecer a participação do leigo na Igreja no decorrer da História, bem como de se desenvolver uma verdadeira Teologia do Laicato, culmina nos documentos pós-conciliares de modo valiosíssimo para toda a Igreja. Tal visão teológica, quando provinda dos Pastores, torna-se algo notório: que “a unidade da Igreja se realiza na diversidade de rostos, carismas, funções e ministérios” (105,93). Sendo assim, “é importante dar-nos conta desse grande dom da diversidade, que potencializa a missão da Igreja realizada por todos os seus membros, em liberdade, responsabilidade e criatividade” (105, 93). Por isso a Igreja no Brasil também deseja “animar a todos os cristãos leigos e leigas a compreenderem a sua própria vocação e missão e a atuarem como verdadeiros sujeitos eclesiais nas diversas realidades em que se encontram inseridos, reconhecendo o valor de seus trabalhos na Igreja e no mundo” (105, 10).

Vendo-os sempre como evangelizadores e não apenas como úteis somente nos locais onde a Hierarquia não consegue chegar, e como colaboradores essenciais onde a Igreja se instala, os cristãos leigos e leigas “são convidados a viver a espiritualidade de comunhão e missão. Comunidade missionária, a Igreja está voltada ao mesmo tempo para dentro e para fora, num movimento de sístole e diástole. A espiritualidade de comunhão e missão tem seu fundamento na comunidade trinitária e no mandamento do amor” (105, 193). Em outras palavras, a sociedade urge de um processo de evangelização capaz de “impregnar” a todos os seus setores por meio de um autêntico testemunho dos cristãos católicos, aqui, “ser cristão, sujeito eclesial, e ser cidadão não podem ser vistos de maneira separada” (105, 164). Sobre isto nos afirma São João Paulo II, na Exortação apostólica Christifideles laici: “Ao descobrir e viver a própria vocação e missão, os fiéis leigos devem ser formados para aquela unidade, de que está assinalada a sua própria situação de membros da Igreja e de cidadãos da sociedade humana” (cf. 59).

Por isso o Documento afirma: “O cristão leigo expressa o seu ser Igreja e o seu ser cidadão na comunidade eclesial e na família, nas opções éticas e morais, no testemunho de vida profissional e social, na sociedade política e civil e em outros âmbitos. Busca sempre a coerência entre ser membro da Igreja e ser cidadão, consciente da necessidade de encontrar mediações concretas – quer sejam políticas, jurídicas, culturais ou econômicas – para a prática do mandamento do amor, de forma especial em favor dos marginalizados, visando à transformação das estruturas sociais injustas” (105, 164-165).

Dentre os meios para se alcançar a devida evangelização e organização do laicato, destaca-se a necessidade de adequada formação do povo de Deus, tendo-se em mente que “A formação de sujeitos eclesiais, que implica amadurecimento contínuo da consciência, da liberdade e da capacidade de exercer o discipulado e a missão no mundo, deve ser um compromisso e uma paixão das comunidades eclesiais” (Doc. 105, 229). Sejam em associações, instituições eclesiais, ou mesmo pastorais, o leigo tem o direito e o dever de progredir em sua caminhada de fé, unido ao Cristo-cabeça, consciente de seu papel e atuação no próprio seio eclesial. Como fontes para este progresso o Documento 105 apresenta: “A Doutrina Social da Igreja é um precioso tesouro que oferece critérios e valores, respostas e rumos para as necessidades, as perguntas, e os questionamentos da ordem social, em vista do bem comum. Fundamentada nas Escrituras, nos Santos Padres, nas encíclicas sociais do Magistério Pontifício, no testemunho de tantos santos e santas, no Concílio Vaticano II e, na América Latina, nas Conferências de Medellín, Puebla, Santo Domingo, Aparecida e agora na Evangelii gaudium, ilumina a dimensão social da fé e a implantação do Reino na sociedade” (237). E completa: “A comunidade eclesial é responsável pela formação. Aqueles que ocupam funções de direção ou exercem especial responsabilidade no povo de Deus – bispos, presbíteros, diáconos, consagrados e lideranças leigas de um modo geral – são os primeiros responsáveis pelo processo formativo” (105, 225).

Encerramos com as palavras dos próprios bispos no que se refere ao papel do leigo no mundo atual a fim de nos prepararmos para o próximo capítulo: “Permanecendo Igreja, como ramo na videira (Jo 15,5), o cristão transita do ambiente eclesial ao mundo civil para, a modo de sal, luz (Mt 5,13-14) e fermento (Mt 13,33; Lc 20,21), somar com todos os cidadãos de boa vontade, na construção da cidadania plena para todos. “Não é preciso ‘sair’ da Igreja para ‘ir’ ao mundo, como não é preciso sair do mundo para ‘entrar’ e ‘viver’ na Igreja”. Os cristãos leigos e leigas são Igreja e como tal vivem sua cidadania no mundo, ou seja, assumem sua missão sem limites e fronteiras, através de sua presença nas macro e microestruturas que compõem o conjunto da sociedade” (105, 166-167).

Em louvor de Cristo. Amém.

Frei Everton Leandro Piotto, OFM

Referência

CRISTÃOS LEIGAS E LEIGOS NA IGREJA E NA SOCIEDADE – Sal da Terra e Luz do Mundo (Mateus 5,13-14) CNBB DOCUMENTO 105, 54ª Assembleia Geral Ordinária da Conferência dos Bispos do Brasil. APARECIDA-SP, 6 a15 DE ABRIL DE 2016. 1ª edição – Paulinas.

Disponível em Custódia Sagrado Coração de Jesus

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