“O FRANCISCANISMO COMO UMA DAS EXPRESSÕES DO LAICATO” ANO DO LAICATO – PARTE VI

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O ano do laicato e o Documento 105

O intitulado “Documentos 105: Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade” com seu texto aprovado pela CNBB em 2016, na 54ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP (de 6 a 15 de abril) tem por objetivo principal celebrar a presença e atuação dos leigos e leigas na Igreja e na sociedade, bem como refletir qual é o lugar do leigo na comunidade eclesial, os avanços e retrocessos, seu rosto e ministério específico, a chamada “índole secular”.

Ainda há que se ressaltar os objetivos específicos propostos para a reflexão durante este Ano do Laicato, os quais consistem em celebrar os trinta anos do Primeiro o Sínodo dos leigos, ocorrido em 1987; e, também celebrar Exortação Apostólica Christifidelis Laici, de São João Paulo II, que trata da atuação e do protagonismo dos cristãos leigos e ligas na Igreja, trazendo para reflexões temas como a vocação e a missão dos leigos na comunidade dos batizados e no mundo.

Também espera-se que as comunidades desenvolvam estudos acerca do próprio Documento 105, além de se fomentar e estimular a presença e atuação dos cristãos leigos e leigas como agentes de evangelização e o seu testemunho de fé a ser dado na sociedade atual, em todos os ambientes. Tendo por base o Concílio Vaticano II, ocorrido em 11 de outubro de 1962 até 8 de dezembro de 1965, e outros documentos subsequentes, a proposta é que as comunidades reflitam intensamente sobre um o novo modo de ser Igreja, estimulando inovações no quesito pastoral e na concepção de “Povo de Deus”.

O papel do leigo na Igreja

Um primeiro elemento refletido no Documento 105 é o papel do leigo na Igreja e na evangelização do mundo contemporâneo. Aqui são delineados, a partir do Evangelho de Mateus 5, 13-14 – “Sal da terra e luz do mundo” – a missão e atuação do leigo, sempre enviado pela comunidade de fé para levar a Boa Nova do Reino a todos os homens. Nesta primeira parte são abordados os avanços alcançados a partir do Vaticano II, citando-se a criação e organização: do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), dos conselhos regionais e conselhos pastorais, dos leigos teólogos, dos serviços e grupos de leitura e reflexão bíblicas, da consciência missionária dos próprios cristãos leigos, da cooperação na administração dos bens eclesiásticos, das novas comunidades e o envolvimento dos leigos nos movimentos sociais e tantos outros.

Somando um alto número de homens e mulheres que buscam a santidade por meio de seu trabalho cotidiano, os quais “se santificam nos altares do seu trabalho: a vassoura, o martelo, o volante, o bisturi, a enxada, o fogão, o computador, o trator” [estes inúmeros fiéis] “constroem oficinas de trabalho e oficinas de oração” (Doc 105, 35). Também nota-se o significativo avanço em relação ao laicato por meio dos discursos do Papa Francisco, que trazem para suas reflexões constantes os mais variados problemas e temas vinculados à realidade social contemporânea, com falas sempre mais pastorais e humanitárias, em favor da vida e da dignidade humanas.

Mas, na contramão dos avanços, encontramos também diversos recuos, ou melhor, até mesmo alguns obstáculos, dentre eles, um deles é a super-valorização do serviços prestados somente no interior da igreja local, em detrimento desta índole secular, que deveria impulsionar a atuação do cristão leigo na sociedade, na política, na economia. Em diversas realidades ainda nota-se consideráveis atrasos quanto: a atuação dos leigos em conselhos pastorais e administrativos da comunidade paroquial; ao enfraquecimento do profetismo do leigo; mera manutenção pastoral por meio da sacramentalização, do devocionismo, do clericalismo; exagero do ritualismo; enfraquecimento ou a pouca atenção quanto ao cuidado para com os mais pobres; o pouco preparo com as lideranças; a clericalização do próprio leigo, que atua como “mini-padre” nas comunidades onde se insere; dentre outros vícios e, muitas vezes, a má conduta destes nos setores da política, defesa da natureza, da sociedade etc.

Soma-se a isto o fato de o Documento 105 trazer uma interessante “ilustração” acerca do rosto do laicato no Brasil, fazendo clara referência à lógica do mundo globalizado em que vivemos, com todos os seus impactos e dilemas; e apontando setas, despertando para os discernimentos a serem feitos além de desafios manifestados nas tentações com as quais um leigo se depara ao viver sua fé neste mundo.

A missão do leigo

Como já vimos, a partir do Vaticano II a Igreja se empenha em procurar, nos relatos acerca das comunidades cristãs primitivas, a inspiração pastoral para sua atuação junto às sociedades contemporâneas. Compreendendo o leigo como membro do Corpo Místico de Cristo, ramo da Videira e Povo de Deus, algo que confere-lhe o papel de agente primeiro de sua própria evangelização e missão no mundo.

Vemos, neste ponto, uma verdadeira missão do laicato que, em sua “índole secular” – ou carisma secular – deve corresponder ao chamado que Deus lhe fez desde o batismo: a santificação. Em outras palavras, por vocação específica, através do seu próprio estado de vida, o cristão leigo assume para si uma missão específica, que é a mesma assumida por toda a Igreja – comunidade de batizados – : levar a todos o conhecimento do amor de Deus, chamando-os a corresponderem a este amor, com isto, transformando o mundo todo. Sendo o seu lugar de atuação os “areópagos do mundo”, todo batizado leigo tem por objetivo impregnar os mais variados ambientes da sociedade com o seu testemunho evangélico. Para isto, ser ativo nas pastorais e movimentos dentro dos limites da paróquia não basta, antes, é ao mundo que o cristão precisa ser enviado, de modo a anunciar e testemunhar o Cristo, o Reino de Deus, em todos os lugares.

Na escola, no trabalho, na política, na economia o cristão leigo precisa alertar a humanidade sobre a necessidade de amar e sentir-se amada por Deus, influenciando positivamente todas as realidades sociais e espirituais existentes. Aqui vale destacar ainda que a Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Vaticano II, reafirmou esta mesma concepção ao tratar de “Corpo de Cristo” – constituído pelos cristãos batizados – como comunidade de irmãos que têm por meta a santificação. Isto é o que configura seu chamado especial feito por Deus (cf Jr1, 1ss). No entanto, comumente na Igreja, temos esta vocação – que é a da grande maioria dos batizados, e que, no entanto, permanece pouco compreendida e cuidada até por parte dos próprios leigos – a certo ponto subjugada e até submetida aos membros do claro, tanto em sentido formativo-doutrinal, quanto místico-espiritual.

Ainda no aspecto do chamado à santidade, cujo ápice encontramos já no batismo e na vivência plena deste sacramento, temos algo que deve nos provocar e questionar sempre é como o cristão leigo deve buscar e manifestar esta santidade. Pergunta não muito inovadora à primeira vista, uma vez que há muito a Igreja reconhece que o Batismo confere ao fiel a dignidade de sacerdote, profeta e rei; algo que exige santidade de vida por si mesmo, devendo inspirar e impulsionar toda a vida da comunidade.

Importante mencionar o fato de que ainda carecemos, em muitas de nossas comunidades de fé, desta valiosa compreensão acerca de tal reconhecimento da dignidade e do direito dos cristãos leigos e leigas na Igreja. E o mesmo se pode dizer quanto à compreensão adequada dos conceitos de sacerdócio comum dos fiéis, profetismo por meio do testemunho e atuação conscientes no mundo, bem como da realeza que lhes deve inspirar a governar e reger sabiamente sobre as posses dos bens materiais e da vida em comunidade.

Ainda dentro do âmbito missão, o Documento diferencia os ministérios ao associar a vocação sacerdotal (clero, bispos, padres e diáconos) ao sacerdócio ministerial específico, enquanto coloca os fiéis leigos dentro de uma vocação também específica; sem deixar de relacionar ambas as vocações à vocação originada no batismo. O que configura a Igreja como um conjunto de ministérios e vocações que convergem para uma única missão: dar continuidade à missão de Jesus, imitando-o.

Deste modo, todos os leigos tomam parte na missão da própria Igreja, que é anunciar o Reino de amor divino e levar todos os homens a esse mesmo Deus. Ao levar o testemunho de fé cristã aos “rincões” do mundo, sem perder-se na concepção semi-pelagiana de que o mundo é algo ruim e somente a concepção individualista e pessoal/intimista algo bom, o leigo precisa tomar consciência da sua atuação como sujeito evangelizador na família e na comunidade, seja na pastoral ou no âmbito social.

Com isto os bispos chamam a atenção para a compreensão sobre a “ministerialidade” eclesial. Onde os leigos podem e devem tomar consciência do papel que lhes é cabido, predispondo-se a colocar os muitos dons, habilidades profissionais e trabalhos exercidos na sociedade a serviço de todos. Aqui vale a mudança de mentalidade, exigida tanto para o clero e dos religiosos, quanto em relação aos próprios leigos.

Ao seu final o documento apresenta elementos da ação do leigo na Igreja e na sociedade, elencando ambientes que favorecem o laicato como agente especial no processo de evangelização: a Igreja, em suas diversas dimensões e ambientes, demonstra a necessidade de se fomentar uma espiritualidade contemporânea capaz de impregnar o homem e a sociedade por inteiro. Uma plena integração entre Eucaristia e ação pastoral, algo que exige forte colaboração da parte do laicato.

Para tanto ainda há que se desenvolver e melhor trabalhar conceitos base da espiritualidade cristã e da missão de todo batizado. Para tanto o documento termina apontando reflexões quanto à necessidade de uma adequada para o leigo, a fim de que este seja capaz de desempenhar seu apostolado pessoal e comunitário nos mais diversos ambientes que merecem maior atenção, como família, política e trabalho.

Em louvor de Cristo. Amém.

Frei Everton Leandro Piotto, OFM

Referências

CRISTÃOS LEIGAS E LEIGOS NA IGREJA E NA SOCIEDADE – Sal da Terra e Luz do Mundo (Mateus 5,13-14) CNBB DOCUMENTO 105, 54ª Assembleia Geral Ordinária da Conferência dos Bispos do Brasil. APARECIDA-SP, 6 a15 DE ABRIL DE 2016. 1ª edição – Paulinas.

 

Disponível em Custódia Sagrado Coração de Jesus

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