Carta de Repúdio a lei 13.922/19 – Dia do Rodeio no Dia de São Francisco de Assis

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Caríssimos irmãs e irmãos,
Paz e bem

Impulsionados pela coragem e senso de justiça de nosso Pai Seráfico Francisco de Assis, queremos declarar total REPÚDIO a Lei 13.922/19, publicada na data de hoje, intitulando o Dia do Rodeio no dia 04 de outubro, data consagrada de Proteção aos Animais e Dia de São Francisco de Assis.

A sanção da Lei 13.922/19, publicada na data de hoje, foi proposta aprovada anteriormente pelo Congresso Nacional enquanto projeto de lei, com autoria do deputado federal Capitão Augusto (PL/SP). Em ofício enviado à Presidência do Senado, o parlamentar explica que escolheu 4 de outubro “em alusão ao Dia (Mundial) dos Animais, mesma data em que também se festeja o dia de São Francisco de Assis, que é Santo protetor do Animais”.

O Presidente Bolsonaro também sancionou, meses atrás, a vaquejada e o laço “como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestações culturais nacionais” e elevou “essas atividades à condição de BENS de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultura brasileiro”.

As práticas descritas como corriqueiras tempos atrás, hoje são vistas como brutais e
inaceitáveis pela maioria da sociedade, sendo intensamente questionadas por não condizerem mais com o tipo de sociedade desejada. A concepção de maus-tratos previsto na Lei de Crimes Ambientais¹ é uma construção doutrinária e jurisprudencial, e é conquista do ativismo do movimento pelos Direitos do Animais no Brasil, ainda muito recente quando estamos falando em mudanças culturais.

Meses atrás, veio a público³ declarações do maior locutor da história dos Rodeios do Brasil, Asa Branca, que se encontra vitimado pelo câncer. Ele se diz arrependido de sua participação em espetáculos em que os animais eram maltratados por ele e pelos outros peões, que recebiam incentivos dos organizadores dos shows; revela fortes bastidores dos rodeios, onde fica evidenciado o sofrimento que os animais são submetidos.

Detalhou que o público tinha uma festa de alegria, à custa da dor e sofrimento dos bichos; relembrou que usavam um aparelho para emitir choques de 12 volts com o objetivo de fazer com que os bois saltassem de forma mais frenética, para garantir boas notas diante dos juízes. Havia também tropeiros que colocavam arames no sedém, a faixa de couro enrolada na região da virilha do animal, com o mesmo objetivo. 4

Os maus-tratos já se evidenciam na própria roupa do competidor, que terá bruto contato com o bicho. Será se conhecemos de perto os apetrechos utilizados pelo competidor? Segue detalhes de alguns:

Esporas – objetos pontiagudos, acoplados às botas dos peões, servindo para golpear o animal na cabeça, pescoço e baixo-ventre, fazendo o animal sair mutilado do enfrentamento;

Peiteira – corda ou faixa de couro amarrada e retesada ao redor do corpo do animal logo atrás da axila. Nelas ainda, são colocados sinos, os quais produzem um barulho altamente irritante ao animal, tornando o ambiente perturbador, aglutinado da ampla iluminação, barulho e povoação.

Dentre outros apetrechos, utilizam de: objetos pontiagulhos, choques elétricos, mecânicos aplicados nas partes sensíveis do corpo do animal, terebintina (tipo de aguardente), pimenta e outras substancias ásperas que são introduzidas no corpo do animal. Asa Branca hoje dedica seus dias na luta contra rodeios e nós, franciscanas e franciscanos piauienses, não podemos ficar apáticos a essa realidade.

Apresentando um pouco da gravidade dessas leis em conjunto, há quem defenda maior fiscalização para que os animais tenham o bem-estar garantido. Mas, é possível garantir que os mesmos não sofram? Pontualmente não, porque todas as modalidades possuem como objetivo final subjugar o animal, o que normalmente é feito pela força ou pelo desvale apresentado pelo competidor.

Recentemente, um animal da espécie bovina sofreu fratura nas duas patas traseiras enquanto dava pinotes para tentar tirar o peão do seu lombo. Trata-se, evidentemente, de maus-tratos. Visto que, o animal é subjugado de alguma forma, o que, consequentemente, enseja o desespero do mesmo, já que é um animal predado.²]

Todavia, qual a relação disso tudo com Francisco de Assis?

São Francisco – aclamado na propositura dessa lei – é o Patrono da Ecologia Integral, o Santo dos Animais e, no fim de sua vida, encabeçou o que hoje é um dos maiores movimentos de estilo de vida: o veganismo. Foi incapaz de fazer mal a qualquer bicho em qualquer situação. Em cada momento da vida de conversão de Francisco temos exemplos claros e fortes de sua relação com os bichos, todos por ele chamados de irmãos. De modo algum, compactuaria com uma lei que defende crimes que causa tantas dores a diversas espécies de animais, em forma de esporte.

São Francisco é aquele que nos lembra no Cântico das Criaturas que toda obra do Senhor é uma extensão intimista dEle; no seu modo poeta-místico de ser, evoca todas as criaturas, sem exclusão. São todas face do “Bom Senhor”, pois toda criação é boa: “E Deus viu que tudo era bom” (Gên. I, 31).

Nas nossas formações, ainda na base da vida franciscana, nos aproximamos em teoria
desse “Espírito de Assis” como parte essencial da nossa vocação; diariamente em nossos votos somos convidados a transbordarmos isso em prática na luta constante de proteção e amor à Casa Comum – a partir de nossa voz, ações e presença profética e ativa no meio de todos e todas, protagonizando um ideal que nos convoca a ser agentes de transformação em todos os ambientes que há morte, dor e descaso, pois “até agora pouco ou quase nada fizemos”.

Somos certas de 700 franciscanos e franciscanas nesse imenso Estado; que com suas dores sabe de perto a importância da terra, da água, da fauna e flora para nossa existência, precisamos nos questionar de como estamos colocando em prática a interconexão com todos os seres, conectada na nossa experiência humana radical de proteção a todas as criaturas, como nos pede Francisco de Roma, na Laudato Si.

Em consequência do tempo que vivemos, do descaso governamental, do desinteresse
social, dos desastres ambientais e do egoísmo dominante no mundo inteiro, o Francisco de Roma, fazendo alusão ao Francisco de Assis, convoca a Igreja a voltar seus ouvidos para os gritos da Mãe (Natureza) que chora as dores de seus Filhos (criaturas). São milhares de desastres ambientais irreparáveis nos últimos tempos, em nosso País especialmente. E essa lei trata-se de uma ameaça a memória afetiva milenar do nosso Pai Seráfico, que abraça a intercessão de mais de 850 mil organizações não-governamentais, coletivos e movimentos sociais nesse País, no avanço necessário de uma sociedade vibrante, atuante e livre para denunciar abusos, celebrar conquistas e avançar nos direitos dos animais.

Com esse apelo a comunhão com a Casa Comum, Francisco de Assis se tornou, não
somente, um exemplo de humildade, símbolo de servidão e amor aos animais, mas uma filosofia de vida, a qual deve ser protagonizada por todos nós que vivemos essa vocação em fraternidade.

Declaramos, portanto, que nós – filhos espirituais de São Francisco – não concordamos e não aceitamos que essa prática de tortura animal seja uma pseudo-homenagem ao nosso Pai fundador.

Que Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em sua revolucionária empatia, interceda por meio de São Francisco e Santa Clara, a chama da ternura e vigor que se fazem necessárias em nossos corações, a fim de buscarmos ser voz profética e presença solidária aos gritos dos bichos.

Contamos com a leitura, divulgação e reflexão de todos.

—-

¹ Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/1998;
² RODEIO: Touro tem patas quebradas em rodeio e é retirado arrastado para fora da arena. O grito do bixo. [s.l.]. 18 de jun. 2018. Disponivel em <https://ogritodobicho2.com/2018/06/rodeio-touro-tem-patas-quebradas-em.html?m=1>. Acesso em 05 de dez. 2019;
³ BATISTA JR., João. “Asa Branca entra na luta contra rodeios”. Veja (online). 4de out. 2019. Disponível em: h<ttps://veja.abril.com.br/entreterimento/asa-branca-entra-na-luta-contra-rodeios/>. Acesso em 5 de dez. 2019;
4 Asa Branca e a crueldade nos rodeios. Canal Ciencias Criminiais. 4 de out. 2019. Disponivel em: “<https://cienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/619544829/maus-tratos-a-animais-em-rodeios-o-bem-estar-pode-ser-garantido/amp>. Acesso em 05 dez de 2019.

Fraternalmente,

Jéssica M Lima Rocha, OFS/JUFRA
Coordenadora Regional da Família Franciscana do Piauí
CFFB-PI

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