Família Franciscana do Acre reúne depoimentos em Tempos de Pandemia

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O Regional CFFB AC RO coordenado por Irmã Isabel do Rocio Kuss, CICAF, em tempos de Pandemia, reservou um espaço para colher depoimentos da Família Franciscana, mas precisamente na capital do Estado do Acre, Rio Branco.

Os depoimentos atuam em algumas vertentes: a partilha, a fé, a fraternidade que germina e dá frutos são algumas, como as Irmãs Izelba Maria e Esperança Raquel e o irmão da Ordem Franciscana Secular, Fábio Silva, relatam.


Estar perto, estando longe

Irmã Izelba Maria Volpatto, FMMA
Rio Branco, 9 de junho de 2020

Nós, Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, marcamos presença na Área Missionária Cidade do Povo, situada na periferia da capital do Acre. Trabalhamos na animação das comunidades eclesiais e com projetos sociais.

Desde meados de março, as comunidades católicas aderiram às medidas sanitárias para afrontar a pandemia do novo corona vírus COVID-19. O distanciamento social é uma das formas comprovadas.

Irmã Izelba passando orientações para o cuidado.

Como Igreja somos responsáveis uns pelos outros e defendemos a vida de todas as pessoas. Como seguidores de Jesus queremos que todas as pessoas tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10). Desse modo, os espaços físicos de encontros comunitários fecharam as portas.

O que sustenta a fé das famílias e das comunidades é o encontro com Jesus na Eucaristia, os encontros celebrativos, a leitura orante da Palavra nos grupos de evangelização, a partilha solidária do que somos e temos, as visitas missionárias.

O dinamismo das lideranças, dos homens e das mulheres, dos jovens e das crianças, deve ser mantido vivo, ligados como Igreja de Jesus, mesmo ficando em casa. Para isso, buscou-se pelas redes sociais, incentivar e orientar as famílias a manterem viva a espiritualidade da Igreja nas casas. Assim a fé se sustenta, cresce a confiança em Deus, a esperança dá a certeza de que tudo vai passar.

O primeiro passo foi orientar para que cada família organize em sua casa um espaço sagrado, um altar em torno do qual se reúne todas as noites, fazem sua oração pessoal e familiar. E, para o fortalecimento da Igreja, cada família tira uma foto e compartilha no grupo da comunidade, afim de que todos possam ver e saber que juntos rezamos, uns pelos outros.

No Domingo de Ramos as famílias foram convidadas a colocar um símbolo na porta da casa. Na Quinta-Feira Santa foi entregue um pão para partilhar na oração familiar, reavivando o amor de Jesus, que se faz presente na Eucaristia. Também foi entregue um ovo de chocolate confeccionado manualmente por uma das líderes, para celebrar no Domingo de Páscoa.

O Dia das Mães também foi celebrado cada uma na sua casa, recebendo um pequeno presente. Gestos simples de acordo com a simplicidade do nosso povo, mas cheio de significado.

Além disso, muita orientação para os cuidados consigo e com os outros. Use máscara! Através de campanhas conseguiu-se materiais, e costureiras da comunidade doaram seus serviços. Milhares de máscaras foram doadas a todas as pessoas que não tinham condições de comprar.

Mas o outro vírus, o da fome, o da falta do básico para manter a higiene necessária, se manifesta e é igualmente agressivo, as dificuldades das famílias aumentam. Por sorte, a influência do Padre Massimo Lombardi, coordenador da Área Missionária, mobiliza a partilha de quem tem condições e tem o coração livre e solidário para amenizar essa dor e sofrimento do outro. Com as doações prepara-se as sacolas que são entregues uma vez por semana.

Contudo, aprendemos que este é um tempo de cuidado, de que mesmo distante, podemos e devemos estar perto, permanecer em sintonia para abrandar as durezas da caminhada e encher de alegria o coração.


A vida da Serva Franciscana em tempos de pandemia

Esperança Raquel Chitalala,
natural de Kuito, Angola
Serva Franciscana Reparadora de Jesus Sacramentado

Faz aproximadamente 10 anos que atuo como diretora no Hospital Santa Juliana, de propriedade da Diocese de Rio Branco, Acre. O hospital fica há quase 70 km da minha comunidade e uso transporte público por ser mais tranquilo e menos desgastante, embora não seja o mais confortável. Somos duas religiosas atuando no hospital, mas no momento de pandemia, irmã Ana Judite precisou se afastar por ser do grupo de risco.

Minha missão principal nesta entidade filantrópica, que atende 60% SUS e o restante particular e convênios, é ser uma presença de Deus do jeito de Francisco e Clara. Nestes dez anos, o meu dia a dia é sentir, ouvir e encaminhar cada um, conforme as suas necessidades, desde ao colaborador da equipe de limpeza ao médico, mas sobretudo, ir de leito em leito, visitar os doentes dando assistência espiritual.

Mas a partir de março, com a chegada dos primeiros casos da COVID-19, a situação mudou muito. Foi um alvoroço grande, quando ficamos sabendo que iríamos receber o primeiro paciente. Percebi de fato o quanto diante de uma doença nova, todo mundo se sente inseguro, até mesmo os próprios médicos.  Alguns chegaram a afirmar: “Esses pacientes não devem ser atendidos neste hospital, não temos estrutura para esses casos”… e outros ainda: “tenho família, não posso cuidar desses pacientes, é muito arriscado…” Então indaguei a dois deles:  “se vocês que são médicos dizem isso, quem cuidará?” Graças a Deus não faltou quem dissesse: “Irmã, não temas, estamos aqui pra o que der e vier”. E de fato, é isto que tem acontecido, todos estão presentes e têm dado o melhor de si. O hospital conta com 25 leitos de UTI, 10 dos quais são apenas para COVID-19, além dos 27 apartamentos separados para esses casos.

Um dos maiores desafios tem sido a confecção de Equipamentos de Proteção Individual (EPIS) para todos os que estão na linha de frente. Este tem sido o meu maior envolvimento juntamente com a equipe de costura, da qual faz parte a irmã Ana Judite, também Franciscana.

Já aconteceu de funcionários se contaminarem, mas graças a Deus até o momento, não tivemos nenhum caso grave entre os nossos colaboradores. É sempre um momento de muita emoção, quando depois de 20, 30 dias de hospitalização, uma pessoa consegue vencer a doença e regressa para casa com o coração agradecido à Deus. Não faltam aplausos e nem cantoria, é uma verdadeira festa.

Que esta pandemia nos ensine a valorizar muito mais a vida e aprendamos a ser cada vez mais humanos, humanas.


A vivência franciscana secular num contexto de pandemia

Fábio Fabrício Silva, OFS
Rio Branco, 13 de junho de 2020

Desde aqui, das amazônicas terras do Acre, tenho esforçado-me por responder a vocação franciscana secular na cotidianidade dos dias, nas tramas e encontros pela defesa da vida, na vivência do trabalho pastoral, no trabalho profissional e na esperança, mesmo que com muitos desafios e preocupações.

No âmbito da vida profissional, integro uma equipe de trabalho do Ministério Público do Estado do Acre e lido diretamente com aspectos relacionados aos direitos fundamentais, acesso à justiça e populações vulneráveis, muitas vezes em situação de risco e violação de direitos. Assim, o trabalho de gestão e articulação junto às necessidades da população de rua, das pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas, de questões de saúde mental, e das inúmeras vulnerabilidades referentes à proteção de criança e adolescentes, fazem parte dos processos de trabalho que diariamente atuo.

A proximidade dos dramas humanos, a luta pela sobrevivência e dignidade de grupos mais vulneráveis e a resistência esperançosa e cuidadosa com a vida é uma oportunidade única de viver a espiritualidade franciscana. Com a COVID-19 muitas questões difíceis e sensíveis foram acentuadas. Há muita facilidade de perder a esperança e de entregar-se aos lamentos. Mas o Senhor nos convida a um novo olhar, a um novo caminhar, a ir, à medida de nossas forças, “reconstruindo sua casa”.

Nos últimos tempos no Acre, o fenômeno da migração tem ganhado contornos cada vez maiores e mais difíceis. Como rota consolidada pela Estrada do Pacífico e na realidade da tríplice fronteira (Perú, Brasil e Bolívia), tem chegado ao estado números grupos de migrantes venezuelanos, inclusive muitas famílias indígenas da etnia Warao, bem como pessoas e grupos de distintas nacionalidades como ganeses, sudaneses, egípcios, nigerianos, etc.  O risco do contrabando de migrantes, tráfico de pessoas, e utilização de mão de obra migrante para o tráfico de drogas, é um perigo e uma realidade muito desafiadora.

Mas, “com um pequeno raio de sol é suficiente para afastar muitas sombras”, existem tantos homens e mulheres, profissionais, instituições, grupos que se dedicam a estes temas e compõe verdadeiras redes de proteção. Isso é animador e nos relembra sempre, franciscanamente, o chamado e a resposta.

A COVID-19, dizem os especialistas locais, rejuvenesceu na Amazônia. Enquanto escrevo estas linhas sou informado que no Acre já temos 9.534 casos confirmados, e 256 óbitos, tendo chegado à saturação o sistema de saúde local. Infelizmente também fui contaminado pela COVID, com sintomática leve e cuidado de profissionais consegui curar-me. Não é fácil, o contexto é hostil, o emocional fica mais fragilizado. Aí, neste difícil momento, me socorri dos afetos, do cuidado e da fé. Mas são tantos e tantas que não poderão escrever sua vitória…

Os tempos de isolamento social, extremamente necessário, tem sido oportunidade de revisitar algumas coisas a nível pessoal, pastoral e profissional. Participar nas celebrações on-line, dar catequese por meios virtuais, reunir amigos numa chamada compartilhada, são experiências novas que aquecem o coração para seguir unidos, com Francisco e Clara, nos sonhos de Jesus.

Paz e Bem.

 

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