Francisco, homem cujo destino providencial foi tão claramente marcado por vários encontros decisivos com a cruz, respondeu ao misterioso chamado com especial devoção a esta cruz e ao sinal do Tau, que é também uma representação dela.
Ele mesmo lembra no Testamento: “E o Senhor me deu tanta fé nas Igrejas que com simplicidade orava e dizia: ‘Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as vossas Igrejas que estão no mundo Inteiro e vos bendizemos porque por vossa santa cruz remistes o mundo” (Test 4-5).
Mais tarde, quando os primeiros companheiros, “que ainda não conheciam o ofício eclesiástico”, lhe pediram, como conta Celano (1 Cel 45), “que os ensinasse a rezar”, ele respondeu: “Quando orardes dizei: ‘Pai nosso’ e ‘Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as Igrejas,’ etc. E os Três companheiros, por sua vez (LTC 37): “Quando (os primeiros companheiros de Francisco) encontravam alguma Igreja ou cruz, ajoelhavam-se para rezar e devotamente diziam: “Nós te adoramos ó Cristo, e te bendizemos, em todas as tuas Igrejas que estão no mundo inteiro, porque pela tua cruz remiste o mundo’. Pois, qualquer Igreja ou cruz que encontrassem, para eles, era lugar consagrado a Deus”.
Existem muitos testemunhos comoventes a respeito da ternura com que meditava a paixão do Senhor. “Um dia, pouco depois de sua conversão, segundo nos transmite a Legenda perusina (37), ia só pela estrada que passa junto de Santa Maria da Porciúncula e, pelo caminho, lamentava-se e gemia em altas vozes. Encontrou-se com um homem espiritual que nós conhecemos muito bem e nos relatou este fato… Perguntou-lhe: “Que tens, irmão?” Pois julgava que era atormentado com alguma enfermidade. O santo respondeu: ‘Assim devia eu percorrer o mundo inteiro, gemendo e chorando sobre a paixão de meu Senhor’. E este homem pôs-se a chorar com ele, no meio de abundantes lágrimas”.
Não menos notável se manifesta a devoção à cruz na vida e nos escritos de Santa Clara, a maravilhosa “plantinha de São Francisco”. Vamos agora nos deter em alguns trechos das cartas dirigidas a Santa Inês de Praga. Já no primeiro contato com a nobre princesa da Boêmia, na primeira carta à filha distante, a saúda como “irmã caríssima, ou melhor: prezada Senhora, pois tu és esposa, mãe e irmã de meu Senhor Jesus Cristo e distinguida honrosamente com o estandarte da virgindade mais elevada e da santa pobreza”. Convida-a a reanimar-se “por um ardente desejo para com aquele que se tomou pobre e se deixou crucificar. Foi ele que por nós suportou os tormentos da cruz e por isso nos livrou do poder do príncipe das trevas …” (1 CtIn 2). Na segunda carta exorta-a a fazer do Crucificado o ponto principal de seu amor e lhe oferece elementos de um método franciscano de meditação e contemplação: “Contempla, ó nobilíssima rainha, o teu esposo, o mais belo dentre os filhos dos homens, desprezado, perseguido e flagelado em todo o corpo, morrendo na cruz em meio às mais agudas dores. Olha, considera e contempla o Esposo tornando-te semelhante a este neste mundo” (2 CtIn 4).
Santa Clara seguia este método de meditação-contemplação diante da imagem do Crucificado que falara a São Francisco e que com muito carinho se conservava em São Damião.
Mas é especialmente na quarta carta, escrita, ou melhor, ditada (devido aos repetidos inquit) por Santa Clara já perto da morte que se toma sempre mais Insistente o pedido em vista da união íntima e ao amplexo com o Crucificado. A seráfica mãe convida a nobre princesa a contemplar todo dia o espelho cristalino que é Cristo, no qual “resplandecem a santa pobreza, a sagrada humildade e a Inefável caridade … a pobreza daquele que está deitado no presépio, envolto em panos … observa neste mesmo espelho a inefável caridade com que quis sofrer na cruz e nela morrer a morte mais cruel…” (4 CtIn 4). Nesse ponto a santa multiplica citações das Lamentações e do Cântico dos Cânticos …
Também a veneração de São Francisco pelo sinal do Tau é expressão de devoção à cruz. O santo conhecia o Tau pelo uso que, também na Itália, faziam dele os monges antonianos e os institutos dependentes deles. Parece que esta cruz egípcia ou cruz de Santo Antão foi adquirindo especial importância. O Tau era frequentemente encontrado representado nas hospedarias dos monges antonianos ao longo dos caminhos que levaram a São Tiago de Compostela. Posteriormente o Papa Inocêncio III, no Concílio de Latrão em 1215, fez insistente pedido em prol da renovação da Igreja, buscando inspiração no texto do profeta Ezequiel (9,4- 6).
Ao longo do caminho para Santiago de Compostela existe ainda, entre outras, as imponentes ruínas do antigo mosteiro antoniano de Castrogeriz (Burgos), o principal da Ordem na Castilha, com um Tau marcado nas velhas pedras.
Celano, no Tratado dos mllagres (n. 2-3), depois de ter feito uma síntese luminosa a respeito da Vida de Francisco que se tinha decorrido envolta no mistério da cruz assim conclui: “O sinal Tau era-lhe preferido acima de todos os outros: ele o utilizava como única assinatura para suas cartas e pintava-lhe a imagem nas paredes de todas as celas). Ainda se conserva o autógrafo endereçado a Frei Leão no Alverne com o sinal Tau, sinal que também aparece em cópias antigas e outras cartas suas e ainda se pode vê-lo pintado em vermelho nas paredes da Igrejinha de Santa Madalena de Fonte Colombo.
O Tau não foi, no entanto, para Francisco apenas um símbolo de renovação espiritual, mas também instrumento de salvação do corpo. Um dos milagres do santo registrados por Celano foi exatamente realizado por meio do Tau (3CeI 159): “Na cidade de Corí, diocese de Óstia, um homem tinha perdido totalmente o uso de uma perna”. Uma noite foi ter com São Francisco com insistentes rogos. De repente “lhe apareceu o santo acompanhado de um frade e lhe disse que viera trazer remédio para cura e tocou a parte enferma com um pequeno bastão encimado pelo sinal Tau. Subitamente se lhe rompe o abscesso e, recuperada a saúde, até os dias de hoje permanece o sinal Tau Impresso naquela parte”.
Fonte de verdadeira e perfeita alegria
A cruz é ainda para Francisco a fonte mais genuína da verdadeira e perfeita alegria. Na cruz ele encontra, de maneira ao mesmo tempo paradoxal e evidente, a expressão da maior das dores e do mais eloquente e sublime. A verdadeira e perfeita alegria brota tão-somente do verdadeiro e perfeito Amor.
Francisco é o santo da alegria na cruz. Basta prestar atenção na conclusão do diálogo com Frei Leão, ovelhinha de Deus, segundo a redação do belíssimo capítulo 8 dos Fioretti, que desenvolve, no estilo próprio deste livro imortal, um texto anterior, mais breve (cf. Ad 5): “…se suportamos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, pelo que devemos suportá-las por seu amor, ó Frei Leão, escreve que aqui e nisto está a perfeita alegria. Ouve, pois, a conclusão, Frei Leão: acima de todas as graças e dons do Espírito Santo, que Cristo concede aos seus amigos. está o vencer-se a si mesmo e de bom grado suportar sofrimentos, injúrias e dificuldades, pois de todos os outros dons de Deus não nos podemos gloriar … Mas na cruz da tribulação e da aflição, nessa sim podemos gloriar-nos; pelo que diz o Apóstolo: “Não quero gloriar-me a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo’…”
Dicionário Franciscano: Ignacio Omaechevarría
Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil