É no caminho que tudo acontece…

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Por Ir. Zélia Batista, IFC

Partilha da experiência vivenciada pelas/os participantes do
Revigoramento Franciscano 2020

 

APRENDENDO A SER HUMANOS…

Chegamos ao Seminário Santo Antônio, Agudos – SP. Lugar sagrado e com reverência nossos pés tocaram o manancial do Aquífero Guarani, águas que saciam a sede de milhares de pessoas. Na mente, no coração, trazemos nossas sedes, buscas, sonhos, desejos. Fomos abraçadas/os pela criação que se fez caminho de revelação do Mistério, plenitude do amor de Deus e com Clara afirmamos que: “O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho” (Testamento de Santa Clara).

Confiantes avançamos pelo caminho da bem-aventurança para encontrarmos o mistério da nossa essência mais profunda, a nossa interioridade. Com ela nos detivemos por algum tempo e descobrimos tantas belezas e potencialidades, que até então se quer tínhamos percebido. Também nos deparamos com nossas fragilidades, reconhecemos que precisamos REAPRENDER A SENTIR, somos muita razão e pouco coração. É tão simples, voltar a nossa inocência original ao escutar, olhar, saborear, cheirar, só assim descobriremos que somos divinamente-humanos.

Dessa forma as relações que tecemos no cotidiano se tornam afeto partilhado e possibilitam o crescimento mútuo, fortalecem o EGO no sentido de plasmar uma identidade forte, consistente, capaz de sublimar toda energia vital que possuímos e transformá-la em amor ágape, doação, entrega sem reservas.

Enfim, resgata-se a INTEIREZA do húmus-humanidade, o sonho de Deus para seus filhos e filhas e toda criação. É urgente cuidarmos de nossa saúde mental ao exercitar e priorizar momentos de meditação e caminhadas, que proporcionam leveza, mansidão, serenidade, pois nos libertam dos pensamentos e deixamos emergir os sentimentos e a contemplação. A ansiedade é um aspecto que se sobressai em nossos tempos, os ansiosos querem o controle de tudo e envelhecem dessa maneira, quando deveria ser o contrário, pois é próprio da natureza humana a calma e serenidade nessa etapa da vida. Será que estamos envelhecendo de uma maneira saudável? Outro aspecto desse encontro foi a resiliência que é a maneira de como sou capaz de transformar as adversidades em degraus para meu crescimento pessoal.  São os momentos que exigem foco, concentração de esforços, criatividade e superação. Sou capaz de dar um novo sentido àquela dor, sofrimento, decepção e saio dessas situações como nova criatura, fortalecida e transformada.

“ABRACE O CRISTO POBRE COM UMA VIRGEM POBRE”

Com Clara e Francisco prosseguimos sedentas em busca da FONTE, que sacia todas as sedes e nos oferece o sentido da nossa Consagração. Somos mendigos de sentido. A voz que ressoou da cruz de São Damião fez eco no coração de Francisco, colocou seus pés em movimento ao encontro dos crucificados daquele tempo, os leprosos. Esse ENCONTRO com Cristo Pobre, Crucificado foi tão intenso, tanto para ele como para Clara, que os levaram a CONVERSÃO, mudança de vida, de lugar social, deram um salto significativo e mergulharam na história, na vida dos que estavam à margem do sistema burguês. Francisco e Clara com os pés plantados na cultural medieval, período em que a humanidade se definiu como pessoa forte e afirmou-se com sua identidade e inteireza, nos deixaram um grande legado assim como outros  pensadores, heróis, santos, sábios, que se tornaram referenciais para as gerações futuras.

É nesse contexto que deixaram vir à tona essa humanidade povoada de desejos, que encontrou espaço para desabrochar no seguimento de Jesus Cristo, porque Deus desejou estar em nós, desceu para nos divinizar ao revestir-se da humanidade no ventre fecundo de uma mulher. Dessa forma podemos tocar, sentir e inebriar-nos da plenitude desse amor ao cantar e louvar ao “Pai de toda misericórdia” pelo nosso ser mulher, fruto do desejo de Deus, que se expressa de uma maneira original em nossa vida consagrada franciscana. Somos desejadas/os, por isso O encontramos. Francisco e Clara se encantam mutuamente pelo modo de seguir Cristo e viver o Evangelho. Para Clara a mediação humana, foi o Pai Francisco, que ela respeitava e considerava, como coluna, a única consolação e apoio depois de Deus. Poderíamos nos perguntar quais são os nossos desejos mais profundos? Cultivamos e nutrimos o desejo do ENCONTRO com Cristo Pobre, crucificado? Hoje, quais são as mediações que nos mantém nesse caminho de buscas?

O CHAMADO SE FAZ CAMINHO….

“O Senhor me revelou”… Francisco e Clara entregam-se à escuta da Palavra, revestem-se do Evangelho que lhes confere uma identidade penitente que reconhece os EXCESSOS, a superfluidade que provém da vontade do próprio EU, o controle, a dominação, a autossuficiência, que desviam do essencial.  As virtudes para Francisco e Clara são caminhos de equilíbrio, guardiães da fidelidade ao evangelho e do carisma franciscano. Cada virtude exige morrer para o EU – vontade própria – se cultivo uma tenho a todas – Espelho da Perfeição – quando ofendo uma – ofendo a todas. Cada uma confunde os vícios e pecados.

A identidade franciscana é uma identidade penitencial. As virtudes são uma fonte inspiradora para nossa vida-missão, deveríamos aprofundar essa reflexão em outro momento. Aqui somente vou citar aquelas refletidas durante o encontro: sabedoria-simplicidade; pobreza-humildade; caridade-obediência; minoridade; paciência, temor de Deus, mansidão, pureza de coração.

Na perspectiva das virtudes foi refletido sobre sentido da nossa consagração e dos votos. Revisitar os votos, ir ao encontro de algo que me pertence, decisão que num determinado momento assumi perante Deus. A consagração religiosa é uma aliança assumida livremente para uma doação total a Deus. Exige vida de conversão, os votos são meios importantes, mas não um fim. O fim último é a consagração na totalidade, inteireza do ser a Deus com o qual firmo uma aliança. O batismo consolida essa aliança, todo cristão faz sua consagração batismal, tem uma pertença filial e comunitária.

Nós, Vida Religiosa Consagrada consolidamos essa aliança através da pobreza, obediência e castidade, nos consagramos ao EVANGELHO.  Segundo Documento “Perfectae Caritatis”, a castidade por causa do Reino dos céus (Mt 19,12), libera o coração do ser humano para inflamar-se na caridade de Deus e dos homens todos”. Associada a castidade está a pureza de coração “Bem-Aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus”. (Adm 16,1).

Os puros de coração veem o bem oculto em cada pessoa. Valorizam os mais insignificantes e alegram-se em estar com os mais pobres. Exige renúncia de si mesmo, total esvaziamento para preencher-se de liberdade, numa entrega por amor a serviço do Reino. A pobreza – sem nada de próprio – viver a pobreza é viver na dinâmica da gratuidade de Deus. Contemplar, repousar nosso olhar naquele que foi reconhecido sem valor com o desejo de imita-lo e transformar-se nele. Reconhecer a dependência que temos de Deus. A obediência, ato de fé e de amor à vontade do Senhor. Obedecer-nos mutuamente não diminui a dignidade humana. Só quem tem autoridade obedece verdadeiramente, é uma forma de viver a pobreza.

“UM JEITO DE VIVER EM FRATERNIDADE POR CAUSA DO MODO DE SER DO EVANGELHO”

O carisma é a vida que se institucionaliza, cuja fonte é o evangelho. Essa vida dá medida a Regra, e a vida e regra estão presentes em tudo o que fazemos. Somos homens e mulheres, testemunhas vivas e históricas de Jesus na terra, vida consagrada ao evangelho, conduzida pelo sopro da Divina Ruah assumimos o compromisso de criar laços de fraternidade a partir da fé. O carisma é dom do Espírito, fogo que arde e abrasa nosso coração do desejo de seguir a Cristo, Pobre, Crucificado, Ressuscitado. Esse fogo é alimentado pela vida de oração, celebrações, retiros, reflexões e pelos vínculos fraternos entre nós e o povo. E se intensifica quando assumimos a dimensão celebrativa-litúrgica-mistagógica que permeia e dá unicidade à existência humana. A memória, os salmos (liturgia das horas), ofício divino das comunidades, a leitura orante da Palavra forjam espaços em nossa interioridade para acolhida do Mistério Pascal, da pessoa de Jesus Cristo sua vida, paixão, morte e ressurreição. Os salmos nos colocam a caminho. A prática de cantar é um caminho para o interior, para a casa de Deus, para a morada de Deus em nosso coração, para lá levamos a nossa realidade pessoal, comunitária e planetária. A liturgia permite que vivamos o tempo kairológico, da passagem de Deus na vida do povo e em nossas vidas, se não seremos sucumbidos pelo tempo cronológico, perdemos o encantamento, a beleza de contemplar e admirar-se com o simples, o inusitado.

Somos Espírito, corpo, terra, água, fogo, ar, mistério, dom do amor de Deus que encontra a plenitude na Trindade, na comunhão das diferenças, por isso valorizamos os momentos de oração em fraternidade, em que a força e coesão interna dos nossos vínculos expressam a realização do Reino.

PROJETO PESSOAL-COMUNITÁRIO-MISSIONÁRIO

O projeto nasce do encontro com a Palavra, com a pessoa de Jesus Cristo é a partir dessa experiência que vamos buscar novos caminhos para a nossa vida-missão, tanto pessoal como missionária, assim como novas formas de organização. A grande preocupação de Francisco e Clara não é organizar sistematicamente o grupo de irmãos e irmãs, mas de recordar e os estimular a PERMANECER no caminho do discipulado, e ser fiéis ao estilo de vida do Senhor Jesus Cristo. São peregrinos, itinerantes tem como claustro o mundo e como missão os povos que carecem de evangelho e amor caritativo. As relações entre ministros/as irmãos/as devem pautar-se no exemplo de Jesus que veio para servir, é a concretude do lava-pés. Na vida fraterna não pode haver distinção entre irmãos cultos ou iletrados, nem entre ricos e pobres; todos são irmãos e irmãs menores.

É a minoridade que garante a expropriação do EU, a renúncia a toda propriedade material e intelectual em vista do Projeto Comum. O amor caridade será para irmão ou irmã menor a única segurança, única proteção, única consolação, único conforto. Somente aquele que não tem nada de próprio, vive a liberdade serão protegidos apenas pela riqueza e abundância de Deus e dos irmãos e irmãs, só estes podem fazer parte da FAMILIA fundada por Francisco e da família humana. “Nós somos parte da terra, a terra é parte de nós, se nós cuidarmos da terra, ela cuidará de nós”. Esse projeto é para toda a humanidade, que nesse momento da história aprende a dura lição de CUIDAR da Casa Comum, do outro, de viver a reciprocidade, a gratuidade, de não acumular e consumir de forma desordenada e depredatória. Tempo de graça em que estamos aprendendo a ser simples, a valorizar cada abraço, cada aperto de mão, cada olhar….Tempo de conversão, de purificação, de solidão carregado da única certeza de que Ele caminha ao nosso lado, é a esperança que não decepciona, nosso aconchego e segurança de outro mundo possível.

Que pela intercessão de Maria, “Virgem feita Igreja”, de nosso Pai Francisco, de nossa mãe, esposa, irmã Clara, derrame sobre toda a humanidade as bênçãos de saúde, paz e justiça. E a nós Vida Religiosa Franciscana, o “Senhor que deu o bom começo dê o crescimento e também a perseverança até o fim”. (Testamento de Santa Clara) Amém!

Ir. Zélia Batista, IFC.

1 COMENTÁRIO

  1. Alegro-me com o artigo de irmã Zélia Batisti. Revigoramento Franciscano!
    Faz bem narrar e relembrar! Mês de encontro, partilha, estudo, aprofundamento nas Fontes Franciscanas. Por tudo Deus seja louvado!
    Gratidão à equipe de Comunicação da CFFB!

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