Sustentado pela fé e dedicado à missão em servir, frei André Gurzynski, 61 anos, passou a infância no campo e ainda jovem decidiu-se pela vida religiosa. Neto de poloneses nascido em Canoinhas (SC) e filho de agricultores familiares, ingressou no Seminário Santo Antônio de Agudos em 1978 e consagrou-se na Ordem dos Frades Menores, na Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.
Depois de formar-se em filosofia e teologia, construiu uma trajetória marcada por intensa vivência em comunidades periféricas urbanas e rurais, onde ofereceu não apenas assistência religiosa, mas também luta por justiça social. Combateu grupos de extermínio na Baixada Fluminense, ajudou a fortalecer a agroecologia no Interior de Santa Catarina e ajudou a criar o Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), de proteção a pessoas vulneráveis, na cidade de São Paulo.
Já nos 14 anos de missões em Angola, o frei liderou a construção de um seminário e atuou em aldeias isoladas, até ficar com a saúde debilitada. Depois de contrair malária por mais de 50 vezes, retornou ao Brasil e, atualmente na Paróquia Santo Antônio, dedica-se à causa socioambiental à frente da Pastoral da Ecologia Integral da Diocese de Bauru. Nesta entrevista, ele revisita sua história, relembrando desafios que resultaram em conquistas, tendo o franciscanismo como diretriz para manter a esperança mesmo em meio a dificuldades. Leia os principais trechos.
JC – Em que contexto decidiu tornar-se religioso?
Frei André – Sou neto de poloneses, povo, em geral, muito religioso. Minha mãe teve 13 filhos, dois faleceram por meningite e nos criamos 11 irmãos. Todo dia rezávamos o terço, íamos de carroça à missa aos domingos na matriz. Vivíamos na zona rural e éramos agricultores familiares, então, para estudar, eram oito quilômetros a pé até a escola. Depois do almoço, ia para a roça e, à noite, fazia a lição de casa com lampião. Quatro irmãs mais velhas já tinham ido para o convento – uma delas é religiosa até hoje – e me incentivaram. Então, quando terminei a oitava série, fui, em 1978, para o seminário em Agudos, onde cursei o ensino médio junto com as etapas de preparação para a vida religiosa. Dali, fui para Rodeio (SC), onde fiz o noviciado e, em janeiro de 1982, fiz os primeiros votos, quando tornei-me oficialmente frade.
JC – Como foi o início desta trajetória?
Frei André – Cursei filosofia e teologia no Instituto Filosófico e Teológico Franciscano, em Petrópolis, e fui para Duque de Caxias (RJ), quando fiz minha primeira imersão na periferia urbana, em 1988. Éramos cinco frades com uma moto para atender mais de 30 comunidades e comíamos basicamente arroz, feijão e ovo. Foi um período difícil, mas uma escola de vida importante que me preparou para todo o resto. Lutamos por saúde, por passarelas na estrada Rio-Petrópolis, pela implantação do Hospital de Saracuruna, pela modernização dos trens. Organizamos o Centro de Direitos Humanos da Diocese e passamos a atuar com representantes da polícia, Ministério Público e Judiciário contra a violência praticada por grupos de extermínio e conseguimos a condenação de vários chefes destes grupos.
JC – Depois, foi atuar onde?
Frei André – Em 1992, fui para Coronel Freitas (SC), onde atendíamos comunidades agrícolas. Fortalecemos o trabalho da Pastoral da Juventude Rural e ajudamos agricultores a criar cooperativas e pequenas indústrias para fabricação de queijo, suco, doces, como forma de agregar valor ao que produziam. Também participava, todo ano, da Semana Bíblica Rural Franciscana, com paróquias de Santa Catarina, parte do Paraná e Rio Grande do Sul, a fim de aprofundar a discussão sobre a realidade do agricultor, iluminado pela fé e pelo franciscanismo. Começamos a formar um movimento de agroecologia e, já em Porto União (SC), fui coordenar este trabalho e a organização da semana.
JC – Atuou a vida toda com comunidades?
Frei André – Não. Em Coronel Freitas, tinha desenvolvido aplicativos para organizar a agenda e a videoteca da paróquia e, em 1998, fui chamado para informatizar a sede e a contabilidade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, em São Paulo. Depois de três anos, voltei para o meio do povo. O frei David, da Educafro, e eu idealizamos e implantamos o Sefras para articular institucionalmente os trabalhos sociais da Educafro, do Centro Franciscano de Luta contra a Aids (Cefran) e da Comunidade Missionária dos Sofredores de Rua. Após três anos como diretor do Sefras, saltamos de três para nove serviços.
JC – Como foi o trabalho em Angola?
Frei André – Fui em 2008 e fiquei lá por 14 anos. Em Quibala, assumi a construção de um seminário, feito com blocos ecológicos, com eletricidade, água encanada, o que não era comum. Depois de oito anos, fui transferido para Malanje e trabalhei em missões em aldeias, como em Cangandala, onde o acesso à maioria das comunidades era de moto. Nas mais distantes, levávamos até dois dias para chegar. Fazia um trabalho de assistência religiosa, mas comecei a contrair malária e febre tifoide uma atrás da outra – tive malária mais de 50 vezes em cinco anos – e passei a andar de muletas devido a uma hérnia de disco. Então, voltei ao Seminário de Agudos para cuidar da saúde e, quando melhorei, fui transferido para a Paróquia Santo Antônio, em Bauru. Em 2023, fiz a cirurgia e me livrei das muletas.
JC – A qual trabalho dedica-se atualmente?
Frei André – Como coordenei o Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação em Angola, fui convidado a ser assessor da Pastoral da Ecologia Integral, criada pela Diocese de Bauru em 2022. Também assumi a função na sub-região de Botucatu e participo da coordenação em nível de Estado. Em Bauru, este trabalho extrapolou os limites da Igreja e, junto com várias entidades, teremos uma plenária neste sábado (23) para criar uma frente pelo clima. Nosso planeta está se deteriorando e precisamos avançar com essa luta.
Fonte: sampi.net.br