Apenas alguns meses antes do lançamento oficial da encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco sobre o cuidado com a casa comum, surgia o Movimento Católico Global pelo Clima (GCCM) com o intuito de ajudar a Igreja a colocar em prática a sua missão de cuidado com a criação. Desde então, a cada ano o GCCM ganha uma força exponencial e um sentido de urgência cada vez maior diante das crises e catástrofes socioambientais que vão surgindo, como esta pandemia em que estamos vivendo.
Já em seu primeiro ano de atuação, o GCCM coletou 900.000 assinaturas de católicos pela justiça climática que foram entregues pelo Cardeal Hummes às autoridades da COP21, mobilizou 40.000 católicos ao redor do mundo para a Marcha Global pelo Clima, e participou do Acordo de Paris e da declaração inter-religiosa entregue ao presidente da ONU nessa mesma ocasião. Mais recentemente, o GCCM realizou diversas atividades em conjunto com a organização do Sínodo da Amazônia, de modo especial organizou o primeiro evento papal pelo Tempo da Criação (https://seasonofcreation.org/pt) com a ação do Papa Francisco plantando uma árvore nos jardins do Vaticano, dando assim também início à semana das reuniões sinodais.
O GCCM também é responsável pelo Programa Católico de Desinvestimento, através do qual instituições católicas se comprometem a desinvestir em combustíveis fósseis boicotando empresas dessa área de produção. O impacto deste programa é impressionante, reunindo até agora o maior grupo conjunto de desinvestimento em combustíveis fósseis no mundo (mais de 350 instituições católicas de 1.400 instituições no total mundial), totalizando US$ 1 trilhão desinvestido em 2019.
As ações a nível global são evidentes e marcantes nessa caminhada de cinco anos do GCCM como braço de efetivação da Laudato Si’. Contudo, o trabalho deste movimento se revela ainda mais incisivo e catalisador de mudança através de seu programa de Animadores Laudato Si’. Este programa de formação surgiu já em 2016, um ano após o nascimento do GCCM, sendo oferecido todos os anos de modo gratuito e online. Por ser oferecido em diversos idiomas (inglês, português, espanhol, italiano, francês, polonês), este curso de formação alcança pessoas em todos os continentes, inseridas nos mais diversos contextos pastorais. Nunca na história da Igreja houve uma estratégia de concretização da Doutrina Social da Igreja como este programa.
Cada nova turma de Animadores Laudato Si’ revela o desejo ardente dos leigos católicos em colocar o amor e a fé em ação pelo bem-comum, através da conscientização ecológica católica, lutando pela justiça climática, e trabalhando na ecologia integral. O curso de Animadores Laudato Si’ causa um movimento que por si mesmo é ainda novo na realidade pastoral da Igreja Católica: a familiarização com um documento pontifício. Assim como o Concílio Vaticano II e sua implementação na América Latina ajudou a voltar a Bíblia ao povo para lerem, interpretarem e encarnarem a Boa Nova em suas vidas de acordo com os seus contextos socioculturais, do mesmo modo hoje o GCCM ajuda católicos de todos os lugares e realidades a entrarem em contato com a doutrina de sua própria Igreja para serem fiéis ativos onde quer que vivam.
O programa de Animadores Laudato Si’ é aberto para qualquer pessoa que deseje participar. A presença de irmãs e irmãos religiosos, consagrados e ordenados é importante e está representada, porém os leigos católicos são a grande maioria. De certa forma, para tratar sobre um assunto que ainda é visto com tanta apreensão dentro da própria Igreja, os leigos têm mais liberdade e flexibilidade para abordá-lo e fazer a mensagem chegar à comunidade com que convivem. Ao final de cada curso, os participantes devem cumprir com a realização de um evento ou projeto para trazer a Laudato Si’ à vida em sua comunidade. A diversidade das pessoas e seus trabalhos finais de conclusão do curso é inspiradora, demonstrando o caráter da pluralidade da nossa Igreja que se mantém unida pela graça do Espírito Santo que inspira essa mesma pluralidade.
A ecologia integral na prática também se revela nesta integração do protagonismo dos leigos, em toda sua diversidade, em parceria com os demais membros da Igreja Católica. Entender que tudo está interligado precisa e deve abranger a compreensão de que cada sujeito, cada movimento, cada iniciativa tem sua própria dignidade, seu próprio poder de ação e sua própria função primordial para a Igreja como um todo (recordamos aqui a teologia paulina sobre a Igreja enquanto Corpo de Cristo, de modo especial 1 Cor 12). Cada um é imprescindível para que o Corpo continue vivo, sendo as mãos e os pés que vão ao encontro das realidades concretas do povo de Deus, nos contextos cômodos e nos adversos, nos meios urbanos e nos longínquos. É neste sentido que o Papa Francisco faz questão de salientar que “para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo atual, não basta que cada um seja melhor. (…) Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias.” (Laudato Si’n.219).
Isto adquire uma relevância ainda maior no atual contexto da pandemia do coronavírus. “Nunca ficou tão evidente que tudo e todos naquilo que se chama de vida estão interligados” reflete Maria Clara Bingemer em seu artigo publicado no Dom Total (BINGEMER, 2020). Ela continua: “Tanto se desequilibrou a natureza, tanto se agrediu a mãe terra, a casa comum, os recursos naturais, em suma tanto se desumanizou a vida que agora vemos as forças da morte emergindo do caos que nós mesmos criamos. A pandemia apocalíptica que nos ameaça dá bem a medida do tamanho da irresponsabilidade com que vimos tratando a vida, não só a nossa, mas a do planeta e a de todos os seres vivos.” (BINGEMER, 2020).
É em meio a essa angústia da evidenciação escancarada das injustiças socioambientais que as redes comunitárias se revelam como ainda mais essenciais. Estas redes, intra- e extra-eclesiais, são o caminho para enfrentar as dificuldades deste momento e aos poucos irmos construindo o caminho justo e sustentável de recuperação e reconstrução pós-pandemia. Ressalto a questão do protagonismo dos leigos nesta dinâmica devido à sua “infiltração capilar” na sociedade. Assim como a atuação dos demais membros da Igreja, sejam ordenados sejam consagrados, é imprescindível para a missão da Igreja Católica no mundo, assim também a atuação dos leigos que sabem o que é viver e dialogar dia-a-dia na realidade extra-eclesial para a concretização do Reino aqui e agora. Vale a pena lembrarmos daquilo que o Papa Francisco direcionou aos jovens em sua exortação apostólica pós-sinodal de 2019:
“A vocação laical é, antes de mais nada, a caridade na família, a caridade social e caridade política: é um compromisso concreto nascido da fé para a construção duma sociedade nova, é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar as suas diversas instâncias, fazer crescer a paz, a convivência, a justiça, os direitos humanos, a misericórdia, e assim estender o Reino de Deus no mundo.” (Christus Vivit n.168).
Maria Clara Bingemer, no artigo mencionado anteriormente, nos lembra que a angústia desta pandemia, o desespero e as mortes não têm a última palavra. Os sinais da esperança estão por todos os lados nos atos de solidariedade. Os próprios Animadores Laudato Si’, impossibilitados de realizar seus projetos finais do curso este ano de modo presencial, encontraram novas formas de se fazerem presentes em suas comunidades, usando da realidade virtual e digital como meio de evangelização e ferramenta para a justiça socioambiental.
Todos nós cristãos temos a vocação, o chamado e a responsabilidade de sermos guardiões da obra de Deus. Isto de maneira alguma “é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa.” (Laudato Si’ n.217). Que possamos viver como leigos engajados e comprometidos com as nossas Mães Igreja e Terra.
Referências:
Inscrição para a próxima turma de Animadores Laudato Si’. Disponível aqui.
Mais informações sobre o GCCM e referências dos dados utilizados neste artigo disponíveis aqui.
Maria Clara Bingemer, “Relacionalidade: as lições da pandemia”. 31 mar 2020. Dom Total, disponível aqui. Acessado em 20 jun 2020.
Suzana Regina Moreira é mestranda em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-Rio. Bolsista CAPES/PROSUC. Possui graduação em Teologia pela PUC-Rio e é tradutora de português, inglês e espanhol. É membro da Associação de Pós-graduandos da PUC-Rio, do Movimento Católico Global pelo Clima, e do Teomulher: coletivo de Teólogas, Teólogas feministas e Cientistas da Religião.
Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil