FREI RODRIGO PÉRET, OFM
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM. É graduado em Engenharia Civil. Atua como assessor da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, integra a executiva do Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE) da Conferência da Família Franciscana do Brasil, o grupo impulsor da Rede Igrejas e Mineração e a Plataforma Diálogo dos Povos (África/América Latina). Está há 41 anos na Comissão Pastoral da Terra/MG, na luta pela terra e acompanhando impactos da mineração.
1. Como nasceu a proposta da Peregrinação Francisclariana em Defesa da Casa Comum? O que motivou essa iniciativa e como ela se conecta com o espírito do Tempo do Cântico das Criaturas?
A ideia da Peregrinação Francisclariana surgiu num momento muito especial, porque 2025 tem várias datas marcantes acontecendo ao mesmo tempo: o Jubileu da Igreja com o tema “Peregrinos da Esperança”, os 800 anos do Cântico das Criaturas, os 10 anos da Laudato Si’, os 1700 anos do Concílio de Niceia e, claro, a COP30, que vai acontecer aqui no Brasil, em Belém, junto com a Cúpula dos Povos. Essa caminhada Francisclariana em defesa da Casa Comum vai seguir até outubro de 2026, quando vamos celebrar a páscoa de São Francisco. Nesse marco, em junho do ano que vem vamos ter o Capítulo das Esteiras da Família Franciscana e outros eventos importantes pelo caminho.
Foi então que o SINFRAJUPE, refletindo sobre tudo isso, propôs à Família Francisclariana um caminho coletivo de mobilização, celebração e compromisso, unindo espiritualidade e ação concreta. A motivação principal é mesmo essa urgência que sentimos de mudar nosso jeito de viver e cuidar do planeta, escutando o grito da Terra e dos pobres. A Peregrinação não é só um gesto bonito, mas um chamado à conversão ecológica, à transformação da nossa relação com a criação.
E tudo tem a ver com o espírito do Cântico das Criaturas: assim como São Francisco e Santa Clara viam cada elemento da natureza como um irmão, uma irmã, também somos chamados a cuidar e defender a vida. A Peregrinação quer ser isso: um movimento profético, que une fé, luta, escuta, celebração e mobilização popular. Um jeito de dizer, com os pés no chão: estamos juntos rumo a um mundo mais justo e reconciliado com toda a criação.
2. Qual o posicionamento da Família Franciscana diante dos temas centrais da COP30? Como religiosas, religiosos, seculares, juventudes e simpatizantes podem se engajar localmente a partir da convocação feita pelo vídeo institucional e pelas lives?
A Família Franciscana faz um chamado muito claro e firme em defesa da Casa Comum. Convida para estarmos ao lado da vida, da natureza, da justiça, dos pobres e da Terra. Diante da COP 30, e da Cúpula dos Povos, vamos levantar as nossas vozes e ações contra o sistema que transforma tudo, a natureza, o trabalho, as pessoas em mercadoria e dizer sim à criação que é dom de Deus, e que não é para ser explorada. Levantar a voz junto com todos os que buscam a justiça, a paz e a integridade da criação.
É por isso que a gente denuncia as falsas soluções que estão sendo propostas em relação à crise climática, como a chamada “economia verde” que nos mantém no mesmo sistema que nos levou a essa crise, o capitalismo. Vejam, a questão das chamadas energias limpas, na verdade estão baseadas em mais mineração, desmatamento e exclusão. Nós defendemos uma outra lógica: com justiça climática de verdade, energia como direito, o cuidado da natureza e o protagonismo dos povos originários, quilombolas, ribeirinhos e comunidades tradicionais e periféricas.
A Peregrinação Francisclariana entra aí nesse contexto como uma forma concreta de se engajar. Através dos vídeos e “lives”, todos são chamados a fazer parte: frades, irmãs, leigos, juventudes, simpatizantes, povo. Todos podemos nos organizar em nossas comunidades com rodas de conversa, caminhadas, celebrações, mutirões, atividades com a juventude, formações. O importante é colocar em prática essa ecologia integral que une fé com compromisso social e ambiental.
Mais do que nunca, é hora da oração e ação, da espiritualidade profética, da esperança em movimento. E a Peregrinação é isso: um convite pra viver o Cântico das Criaturas com os pés no chão e o coração aberto.
3. No Brasil, enfrentamos conflitos por terra e água, trabalho análogo à escravidão, racismo, violências de gênero e preconceitos diversos. Como a atuação da Família Franciscana contribui para enfrentar essas situações de exclusão e injustiça?
A realidade do Brasil é marcada por dor e exclusão: há irmãos e irmãs sem terra, sem água, migrantes forçados, gente trabalhando como escravos modernos, esmagados pelo racismo, pela violência contra as mulheres e pessoas LGBTQIA+, muita injustiça socioambiental. Mas é nesse chão ferido que o povo também faz brotar a fé, a esperança, a solidariedade e a coragem de lutar por vida plena para todos. Nesse cenário, a Família Franciscana se soma aos muitos sinais vivos de esperança, resistência e transformação que florescem entre os pequenos e oprimidos.
Inspirados pelo testemunho radical de Francisco e Clara, nós, franciscanos e franciscanas, não podemos nos contentar em rezar de portas fechadas: aí o convite para sairmos em missão, ao encontro dos que sofrem, unir nossa voz àqueles que denunciam as injustiças e constroem caminhos de dignidade. Sabemos que tudo está interligado: quando a criação geme, o povo também geme. Por isso, enfrentamos com coragem profética este sistema que idolatra o lucro e sacrifica seres vivos humanos e não humanos, em nome dos interesses de poucos.
Mas vamos também aprender com a vida e sabedorias dos povos indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhas, com suas culturas e ancestralidades. Vamos vivenciar a firmeza que brota do dia a dia das periferias, dos campos e das beiradas. Vamos alimentar nossa fé, com a força das comunidades e sua religiosidade popular e das pastorais sociais, dos batuques e dos terreiros, num grande diálogo de fé, nesta Pachamama.
Nossa resposta franciscana se expressa em muitas frentes: na defesa incondicional dos territórios ameaçados, na promoção da agroecologia e da soberania alimentar, no apoio firme aos povos indígenas e às comunidades tradicionais e periféricas, na luta por moradia digna, saneamento, transporte justo, direito à cidade, trabalho com dignidade e justiça para mulheres, jovens e migrantes climáticos.
Na Família Franciscana, pelo Cântico das Criaturas, aprendemos a ver-nos e tratar-nos como irmãs e irmãos, pois somos todos parentes nessa linda criação de Deus. Queremos estar junto do povo: nos territórios, nas comunidades, nos mutirões, nas celebrações e nas formações. Vamos, sim, fazer rodas de conversa, dar força aos movimentos populares, espalhar o amor que é social e político, escutar de verdade o grito dos pobres e agir com coragem e fé. A Peregrinação Francisclariana quer mostrar tudo isso na prática: é nosso jeito de enfrentar a exclusão e afirmar que a transformação já está brotando, nas margens e nas brechas onde o povo luta e sonha. Com os pés no chão e o coração aberto, seguimos caminhando, porque acreditamos que tudo está interligado, e que a luta pelo Reino de Deus passa também pela justiça na terra, pelos direitos da natureza e pela dignidade dos excluídos.