A Cruz na mística Franciscana – Parte 04

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Homem especialmente marcado pela cruz

Não é de se admirar que Francisco seja visto e considerado como um homem marcado pela cruz de maneira especial, tanto por seus companheiros como pelos biógrafos, por autores de hinos, sequências e antífonas que se cantam em sua honra, a começar pelo Ofício ritmado de Frei Juliano de Espira.

Assim o descreve Frei Tomás de Celano (3Cel 2): “O homem novo, Francisco, tomou-se famoso por um novo e estupendo milagre: por um singular privilégio jamais concedido nos séculos anteriores, ele foi marcado ou ornado com os sagrados estigmas ‘tornando-se semelhante em seu corpo mortal ao do Crucificado’ … O homem de Deus tinha pela cruz do Senhor um amor apaixonado, quer em público. quer em particular. Apenas começara a servir sob o estandarte do crucificado e já a cruz gravava em sua· vida as marcas de seu mistério…”

Como homem da cruz viam-no também Frei Silvestre e Frei Monaldo (3Cel 3): “De fato, Frei Silvestre, um de seus primeiros irmãos, e homem de grande virtude, viu sair da boca de Francisco uma cruz dourada, que abrangia, na extensão de seus braços, todo o universo” (cf. LTC 31). “Este fato nos é atestado por escrito num relato digno de fé. E tal sucedeu durante um sermão de Santo Antônio que estava pregando sobre o tema da cruz” (cf. 2Cel 109).

Assim o viu Frei Pacífico(3 Cel 3): Frei Pacífico, homem de Deus, agraciado por visões do céu, viu com os olhos de seu corpo um grande Tau, de várias cores, que brilhava com brilho de ouro sobre a fronte de seu bem-aventurado pai” (cf. 2Cel 106).

O hábito também deveria ser conforme sua vocação: “O hábito era para ele uma veste adequada uma vez que ela correspondia à sua sede de pobreza; e o santo nos dá desta forma uma certeza de que o mistério da cruz encontra nele sua plena realização: assim como a sua alma tinha revestido o Senhor Crucificado, da mesma forma seu corpo revestia a cruz…”

A cruz como símbolo da evangelização do mundo

A cruz que Frei Silvestre viu sair da boca de Francisco “abraçava admiravelmente com seus braços todo o universo”. Realmente o santo meditava constantemente no fato de Jesus ter sido crucificado por todos os homens e muito lamentava ver que o amor não era conhecido por todos e por todos amado. E com o sinal-da-cruz enviou os seus frades por todas as partes a pregar o Evangelho a todas as nações, nas quatro direções dos braços da cruz!

O mistério da cruz, vivido intensamente por Francisco, tornou-se a força da pregação de seus filhos e fonte de renovação para a Igreja. Merece menção o capítulo 16 dos Fioretti que não é apenas uma bela página literária, mas encerra em suas linhas um profundo mistério. Eis a conclusão do texto: “Finalmente, terminada a pregação (aos passarinhos), São Francisco fez sobre eles o sinal-da-cruz e deu-lhes licença de partir; e então todas aquelas aves em bando se levantaram no ar com maravilhosos cantos; e depois, seguindo a cruz que São Francisco fizera, dividiram-se em quatro grupos: um voou para o oriente e outro para o ocidente, o terceiro para o meio-dia, o quarto para o aquilão, e cada bando cantava maravilhosamente; significando que como por São Francisco, arauto da cruz de Cristo, lhes fora pregado e sobre eles feito o sinal-da- cruz, segundo o qual se dividiram, cantando pelas quatro partes do mundo; assim a pregação da cruz de Cristo, renovada por São Francisco, devia ser levada por ele e por seus irmãos a todo o mundo: os frades, como os pássaros, nada de próprio possuindo neste mundo, confiam a vida unicamente à providência de Deus”.

Um santo humilhado como Jesus

A cruz foi fundamental no início da conversão de São Francisco.

No caso de Francisco de Assis, ele realmente tornou-se como Aquele a quem amava. Se a cruz foi fundamental no início de sua conversão, foi também formativa em sua vida diária e representada de maneira única no final de sua jornada terrena. A maioria das pessoas está familiarizada com seus estigmas, a recepção milagrosa das cinco chagas de Jesus, perto do fim da vida do santo.

Teólogos sugeriram que uma das maneiras pelas quais podemos entender as marcas da crucificação no corpo do santo é que ele conforma sua vida à de Jesus, pois ele estava tão comprometido em viver o Evangelho, tão aberto a ser transformado pelo amor de Deus, que o santo tornou-se como Aquele que amava: Jesus.

Esta manifestação, de maneira física, é rara, mas a forma exemplar de seu próprio modo de viver o Evangelho, visto até hoje pelos milhões de mulheres e homens que são inspirados por seu exemplo, demonstra a capacidade transformadora do amor em uma maneira muito poderosa.

Os primeiros biógrafos do santo observam que o dom dos estigmas era de fato bastante doloroso. Em outras palavras, um dos efeitos do poder transformador do amor de Deus visto fisicamente nas feridas em seu corpo, era o sofrimento.

Uma visão particularmente franciscana da cruz de Jesus e da Paixão do Senhor, requer que o amor e o sofrimento não estejam separados, mas, como o próprio significado da palavra paixão sugere, esses dois lados da moeda permanecem conectados em nossas reflexões.

Em segundo lugar, devemos retornar à Encarnação e ao imenso amor que levou Deus a tornar-se como um de nós. Qualquer reflexão sobre a cruz não deve ser desconectada da Encarnação, ou seja, a Sexta-feira Santa tem tanto a ver com o Natal quanto com a Páscoa. Quando nos apegamos ao sofrimento sem nos lembrarmos do amor que fornecia a condição para a possibilidade da cruz, acabamos distorcendo o sentido de nossa fé.

Finalmente, devemos reconhecer o inseparável poder transformador do amor. Como em todos os relacionamentos, ambas as partes devem estar abertas para amar e serem amadas. Em Jesus, a abertura está sempre presente, é nossa responsabilidade corresponder a esse amor. Em nossa resposta, nossa abertura pode levar à transformação e mudar a maneira como vemos o mundo, a maneira como tratamos uns aos outros, a maneira como nos importamos com criação e a maneira como nos relacionamos com nosso Criador.

Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

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