“Essa pandemia trouxe esse lado de muito preconceito contra os indígenas que hoje vivem na cidade. Nem ao menos eles podem morrer e ser identificados quanto indígenas. Eles são identificados como não-indígenas.”
A declaração é de Marcivana Sateré Mawé, coordenadora da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Manaus, que também faz parte da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime). Segundo os dados oficiais de Covid-19 divulgados nesta segunda-feira (27) pelo Mapa da Repam, a Arquidiocese de Manaus registra o pior cenário da Região Pan-Amazônica que envolve 9 países: já são 2.935 pessoas testadas positivas para o vírus e 267 as que morreram vítimas do coronavírus.
A situação da saúde pública dos indígenas nesse contexto, visto que o Amazonas concentra a maior população indígena do Brasil, acaba se revelando “dramática” e “a mais fragilizada do país”, como afirma uma nota pública divulgada em 23 de abril e assinada pela Copime, pela Arquidiocese de Manaus, pelo Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares) e pelo Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma). Somente os povos que vivem nas aldeias estão sendo cobertos pelas políticas públicas de saúde – e, assim, fazem parte dos números oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); aqueles que moram na cidade de Manaus e fazem parte da população urbana ficam desprovidos de assistência pública.
A situação dramática dos povos de Manaus
Segundo dados da Copime, Manaus conta hoje com cerca de 35 mil indígenas, provenientes do próprio estado do Amazonas, de outras regiões do Brasil e também de fora do país. Eles estão organizados em 54 comunidades, ocupações e assentamentos localizados no perímetro urbano, fazem parte de 45 povos diferentes e falam 15 línguas só na cidade de Manaus.
“Todos esses povos estão muito vulneráveis ao Covid-19. Primeiro pela situação de extrema vulnerabilidade social em que vivem os nossos povos indígenas aqui em Manaus. Segundo: a gente tem o outro problema que é a política de saúde para os povos indígenas no Brasil. Nós temos a Secretaria Especial de Saúde Indígena que faz parte do SUS, mas é uma secretaria cuja política foi voltada apenas para atendimento dos povos indígenas aldeados. Então, os povos indígenas que vivem na cidade ficam descobertos dessa política. O atendimento aos indígenas aqui na cidade fica invisibilizado pelo Sistema de Saúde do município, que não o identifica como indígena”, afirma Marcivana.
Região Norte: 16 indígenas vítimas de Covid-19
A coordenadora da Pastoral declara que o movimento indígena tem feito a própria identificação dos óbitos por Covid-19 na região Norte do país. Até esta terça-feira (28), com recente atualização, são 16 os indígenas que faleceram, vítimas da doença: 2 no Pará, 1 em Roraima e 13 no Amazonas. A maioria deles vivia na cidade de Manaus e não entrou nas estatísticas oficiais da Sesai, que “fala apenas em quatro indígenas. Tem uma diferença muito grande”, alerta Marcivana, que acrescenta:
“A nossa luta da Copime é justamente para que se torne obrigatória essa identificação dos indígenas na cidade. Então, a gente tem indígenas que hoje vão buscar atendimento nos postos de saúde, nos hospitais, nas UBSs e o sistema não os identifica como indígena; assim como a gente também tem indígenas internados por Covid-19 nos hospitais aqui de referência e eles não são identificados.”
“A nossa luta é para que, de fato, haja uma divulgação desses dados oficiais, incluindo os indígenas que estão na cidade, não apenas os aldeados, como é a política da Sesai.”
No site do Ministério da Saúde, a reportagem para prevenir o coronavírus em povos indígenas, veiculada em 10 de abril, afirma que a Sesai produziu e distribuiu vários documentos, “visando o atendimento de quase 800 mil indígenas aldeados em todo o Brasil”. Em nota pública e conjunta das organizações da Igreja de Manaus, a solicitação, porém, é para que seja criado e divulgado “um protocolo nacional de enfrentamento do Covid-19 para as populações indígenas em situação urbana”, detalhando “ações e responsabilidades nos três níveis de resposta: alerta, perigo iminente e emergência em Saúde Pública”. Além disso, pedem a possibilidade de ativar um “hospital de campanha exclusivo para populações indígenas de Manaus, como anunciado pelo Ministério da Saúde e confirmado pela Secretaria de Comunicação do Estado do Amazonas”.
Fonte: Vatican News