O vento do Espírito, cuja festa celebramos há poucos dias, ainda sopra empurrando-nos a sair de nossas casas, de nossos casulos para a missão no mundo. Com mais insistência somos chamados/chamadas a viver no Espírito e segundo o Espírito de Deus. Basta que silenciemos um pouco, que nos debrucemos com olhos contemplativos, e ouvidos amorosos olhos e ouvidos de Deus sobre a realidade que nos cerca, para nos darmos conta de que o espírito que move o mundo não é o Espírito que Deus soprou no ser humano, nos dias da criação. O murmúrio das águas é mais cantilena triste de quem está carregando a morte pelos leitos dos rios pesados de mercúrio e outros contaminantes, nas ondas dos mares que, em lugar de peixes e outras espécies de seres vivos, carregam toneladas de lixo e despejam nas praias quantidades imensas de peixes mortos; em lugar de brancas espumas são coroadas com manchas de petróleo … A criação geme e sofre como em dores de parto (Rom 8, 22). Ela gesta um mundo novo, um ser humano novo, porque ela espera a gloriosa libertação dos filhos de Deus. Ainda seremos capazes de responder a esta esperança da criação?
Francisco nos ensina que a resposta deve ser tornar o cuidado pela criação uma atitude natural, cordial em nós, como o era para ele, conforme nos narra seu primeiro biógrafo: “Embora desejasse sair logo deste mundo como se fosse um desterro onde devia peregrinar, este feliz viajante sabia aproveitar o que há no mundo, e bastante. Usava o mundo como um campo de batalha com os príncipes das trevas, mas também, para Deus, como um espelho claríssimo da bondade. Em qualquer artifício louvava o Artífice, e tudo que encontrava nos fatos, repassava ao Autor”.
Exultava em todas as obras das mãos do Senhor e, através dos espetáculos que lhe davam prazer, sabia encontrar aquele que é razão e causa de toda vida. Nas coisas belas reconhecia aquele que é o mais belo, e ouvia todas as coisas boas clamarem: “Quem nos fez é ótimo”.
Seguia por toda parte o amado pelos vestígios que deixou nas coisas e fazia de tudo uma escada para chegar ao seu trono. Abraçava todas as criaturas com afeto e devoção jamais vistos, e falava com elas sobre o Senhor, convidando-as a louvá-lo.
Poupava os candeeiros, lâmpadas e velas, porque não queria apagar com sua mão o fulgor que era um sinal da luz eterna. Andava com respeito por cima das pedras, pensando naquele que foi chamado de Pedra.
Quando usavam o versículo: “Vós me exaltastes sobre a pedra”, para dizer alguma coisa mais reverente, exclamava: “Sob os pés da Pedra Vós me exaltastes” (2Cel 165, 1-10).
Clara concentrou sua vida na contemplação do Cristo Pobre e Crucificado. Fechada entre as paredes de São Damião, contemplava e sofria as dores da criação, nas dores do Cristo, Primogênito de toda criatura. Como toda sua vida era cuidado, chorando as dores do Pobre Crucificado, chorava os gemidos da Terra, a mais pobre entre os pobres, como nos recorda o Papa Francisco.
Que possamos retornar com vigor e radicalidade ao espírito de Francisco e Clara, Espírito de Deus, Criador e cuidador da vida em todas suas formas, em todas suas etapas. Caso contrário, em vão celebraremos Dia do Meio Ambiente, Dia da Terra, Dia da Água, Dia do pobre, tantos dias. Enquanto nosso coração não pulsar fazendo circular cuidado misturado em nosso sangue, a terra estará gemendo, esperando, esperando…
Fonte: cicaf.org.br