“O FRANCISCANISMO COMO UMA DAS EXPRESSÕES DO LAICATO” – ANO DO LAICATO – PARTE I

657

Irmãos e irmãs,
nesse ano em que celebramos o “Ano Nacional do laicato” ofereceremos para você uma série de artigos que tratará sobre a vida do cristão leigo na Igreja, ademais, contribuiremos também numa ótica do carisma franciscano.

Os artigos foram bem preparados e disponibilizado com muito carinho pelo confrade Frei Everton Leandro Piotto, OFM, licenciado em História e Filosofia, e atualmente discente em Teologia.

Desejamos a você uma boa leitura e que esses artigos possam-lhe ajudar no crescimento da espiritualidade cristã, bem como no conhecimento da vida e missão do cristão leigo na Igreja.

Um grande abraço fraterno.

PAZ e BEM!

Equipe de Comunicação

 

A vida do cristão leigo na Igreja a partir do Concílio Vaticano II: progressos consideráveis em relação ao passado

A fim de compreendermos melhor a respeito da presença dos “leigos franciscanos” no mundo, faz-se necessário que delimitemos nosso estudo em duas partes: primeiro a situação do leigo cristão na Igreja hoje; para, somente depois, retomarmos à História da Ordem Franciscana Secular. Conhecer melhor a missão e o papel do leigo no meio social contemporâneo nos ajudará a compreender onde a atualmente denominada Ordem Franciscana Secular encontra-se enquanto associação de fiéis no seio da comunidade cristã; o mesmo vale dizer acerca de sua missão e vocação enquanto expressividade do carisma Franciscano no mundo. Haja vista que o Concílio Vaticano II (1962-1965) inovou fortemente a comunidade eclesial por meio da concepção de “Igreja e povo de Deus” enquanto composição de membros do “corpo místico de Cristo”, torna-se interessante iniciaremos tentando aferir o que os padres conciliares desejaram manifestar ao mundo por meio de seus documentos; e, seguiremos percurso até conhecermos melhor acerca da História da OFS.

Vale mencionar que esta “inovação” trazida na Igreja pelo Concílio Vaticano II confere um teor todo pastoral à comunidade dos batizados – e o próprio Concílio recebeu tal cognome por sua característica essencialmente “Pastoral”, proclamada pelo Papa João XXIII desde o início ao convoca-lo – dispondo, por sua vez, aos fiéis, a corresponsabilidade quanto à missão e à evangelização do mundo contemporâneo. Sempre a partir do ansioso desejo de ser “necessário que todos os membros se conformem com Ele [Cristo], até que Cristo seja formado neles” (LG 7) haja vista que, “Ele mesmo distribui continuamente os dons dos ministérios no seu corpo que é a Igreja, através dos quais (…) nos prestamos mutuamente os serviços para a salvação” (LG 7), a Igreja expressa agora o seu desejo de que todos os homens se salvem. E este é, desde suas origens, o mais intenso motivo de todas as ações pastorais e sociais, o que podemos ver declarados nos documentos pós-conciliares por meio das propostas, dos envios, reflexões quanto a métodos de evangelização, além de tantas outras exortações e recomendações a fim de que todos os batizados se tornem agentes de propagação da mensagem cristã.

Obviamente que no passado próximo a atuação dos membros da comunidade cristã sempre fora relativamente a certo modo positiva; isto nota-se pela existência, já na Igreja pré-conciliar, de movimentos de espiritualidade e sociais, compostos por homens e mulheres não consagrados através de votos religiosos, cujo modo de ser Igreja, dentro das possibilidades e disponibilidades pessoais, promoviam a evangelização dos fiéis de modo sistematizado e vinculado à hierarquia – Ordens Terceiras de São Francisco, do Carmo, de São Domingos etc.; Ação Católica, fundada em 1929 pelo Papa Pio XI; Sociedade São Vicente de Paulo (vicentinos), 23 de abril de 1833, Paris, França por Frederico Ozanan; Equipes de Nossa Senhora, 1938, Paris, França pelo Padre Cafarel; dentre outros grupos e associações de menor porte –. No entanto, de modo geral, era na ainda figura do clero e dos religiosos que se firmava grande parte da gestão, organização e evangelização dos povos, corrobora nossa tese a existência das inúmeras Ordens, Congregações e Institutos de religiosos e religiosas consagrados, fundados ao longo dos anos.

O Concílio Vaticano II, a partir de suas Constituições, Decretos e Declarações, reorganiza aquilo que pôde ou propôs nova forma de se pensar esta estrutura da Igreja, conferindo, para cada “estado de vida”, a partir daquilo que lhes cabe fazer no seio eclesial, os atributos necessários à expansão do Reino de Deus. Por exemplo, assim afirma a “Constituição Pastoral Gaudium et Spes”, elaborada para tratar da Igreja no mundo de Hoje, quando aborda a questão do homem a ser evangelizado: “o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo

encarnado” (22); e a mesma ainda reconhece que “de acordo com a sentença quase concorde dos crentes e não-crentes, todas as coisas existentes na terra são ordenadas ao homem como a seu centro e ponto culminante” (GS 12), portanto, cabe a todos os batizados “esclarecer o mistério do homem e cooperar na descoberta da solução dos principais problemas de nosso tempo” (231), donde se percebe que o cuidado do ser humano enquanto agente de transformação social deve ser ímpar no mundo contemporâneo. Vale destacar que a concepção Conciliar de “Povo de Deus” engloba todos os cristãos batizados Católicos – leigos, religiosos e clérigos – como nos aponta a “Constituição dogmática Lumen Gentium”, deste mesmo Concílio: “Um é, pois, o povo eleito de Deus: ‘um só Senhor, uma só fé, um só batismo’ (Ef 4,5). Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo. Comum a graça de Filhos” (32).

Mencione-se também o fato de que, em tempos anteriores ao Concílio, certos privilégios eram concedidos apenas a leigos membros das Ordens Terceiras ou membros professos de Institutos de vida Consagrada aprovados pela Igreja. Ou seja, esta ideia de Povo de Deus enquanto corresponsável pela evangelização ativa da comunidade dos fiéis e agentes da evangelização em grupos pastorais é algo inovador e preciosíssimo à própria visão eclesial. Sendo todos chamados à mesma missão de anunciar o Reino e a Palavra de Salvação, “o apostolado dos leigos é a participação na própria missão salvífica da Igreja” (LG 33), os leigos “são especialmente chamados para tornarem a Igreja presente e operosa naqueles lugares e circunstâncias onde apenas através deles ela pode chegar como sal da terra” (LG 33), até mesmo em cooperação com a Hierarquia da Igreja quanto aos mais diversos assuntos. Portanto, “não existe membro que não tenha parte na missão de todo o corpo” (PO 2).

O Capítulo IV da “Constituição Dogmática Lumen Gentium” é todo ele dedicado aos leigos e apresenta-nos como a Igreja vê, o que ela espera e o que ela confia a esta porção dos batizados. Elementos importantes como a afirmação das igualdades de raça ou nação, condição social ou sexo, estão presentes já no início do capítulo (parágrafo 4). Também afirma o estreito laço existente entre clérigos e leigos quando aponta que “a distinção que o Senhor estabeleceu entre os ministros sacros e o restante do povo de Deus traz em si certa união, pois que os Pastores e os fiéis estão intimamente ligados entre si” (LG 32), onde “todos dão testemunho da admirável unidade existente no Corpo de Cristo” (LG 32). No Decreto “Presbyterorum Ordinis” assim encontramos acerca dos sacerdotes: “Na companhia de todos os que se regeneraram na fonte do batismo, os Presbíteros são irmãos entre irmãos, como membros de um só e mesmo Corpo de Cristo” (PO 9).

Outro elemento a ser ressaltado é a forte necessidade do testemunho cristão, imensamente reforçada pelo documento e, quiçá, pelo próprio Concílio. A evangelização testemunhal, que se adequa às possibilidades do próprio século, caracteriza a grande “arma espiritual” que o leigo possui diante dos pecados sociais e da realidade social em que vivem. Como participantes do múnus sacerdotal de Cristo-cabeça, e alimentados pelos sacramentos – especialmente eucaristia e crisma – os batizados são “enviados em missão” no mundo em que se inserem; missão em sentido de evangelização e atuação local, antes mesmo de ser uma missão para fora de sua realidade. Sempre em vista da santificação pessoal e comunitária, a fim de se implantar a verdade do Evangelho por onde quer que vá. Deste modo, o documento firma que “todos os fiéis cristãos são, pois, convidados e obrigados a procurar a santidade e a perfeição do próprio estado” (LG 42).

São valores presentes desde os primórdios da Igreja, bem como dos grupos de penitentes e das fraternidades franciscanas, os quais desejavam também, em seu início fundacional, um retorno às

origens cristãs; o que notamos ao nos debruçarmos sobre estes grupos é que foram perdendo seu foco com o passar dos anos e com as influências que os membros passaram a exercer devido aos privilégios recebidos dentro da própria Igreja, agora “repensado” por meio dos movimentos de “retorno às origens” por parte dos seus membros.

Acompanhem-nos nesta trajetória, e descobriremos juntos o que aconteceu. Continuaremos nossos artigos aprofundando um pouco melhor esta visão Conciliar sobre o leigo.

Em Louvor de Cristo. Amém.

Referências

CONCÍLIO VATICANO II, 1962-1965, Vaticano. Constituição Dogmática Lumen Gentium. In: VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 29. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

CONCÍLIO VATICANO II, 1962-1965, Vaticano. Constituição Pastoral Gaudium Et Spes. In: VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 29. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

CONCÍLIO VATICANO II, 1962-1965, Vaticano. Decreto Presbyterorum Ordinis. In: VIER, Frederico (Coord.). Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 29. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

Disponível em Custódia Sagrado Coração de Jesus

DEIXE UM COMENTÁRIO

Deixe seu comentário
Coloque seu nome aqui