OFS e o Espelho da Perfeição: Capítulo I

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PRÓLOGO
Aqui começa o Espelho de Perfeição do Frade Menor

CAPÍTULO I

Como S. Francisco respondeu a alguns ministros que não queriam observar a Regra que ele andava a escrever

1 Tendo-se extraviado a segunda Regra redigida por São Francisco, este, acompanhado de Fr. Leão e de Fr. Bonifácio de Bolonha, subiu a um monte com a finalidade de fazer outra Regra. E mandou-a escrever na forma que Cristo lhe inspirou.

2 Mas alguns ministros reuniram-se à volta de Fr. Elias, que era Vigário de S. Francisco, e disseram-lhe: «Ouvimos dizer que Fr. Francisco anda a escrever uma nova Regra e nós receamos que ele a faça tão rigorosa que não possamos observá-la. 3 Queremos, pois, que vás ter com ele e lhe digas que recusamos sujeitar-nos a esta nova Regra. Que a faça para ele, não para nós».

4 A isto respondeu Fr. Elias que não se atrevia a ir, pois receava uma forte reprimenda de Fr. Francisco. Mas os ministros tanto apertaram com ele que resolveu ir, desde que o acompanhassem. Então foram todos juntos. 5 Chegando ao lugar em que se encontrava S. Francisco, Fr. Elias chamou por ele. Ao ver os ministros, o santo perguntou: «O que é que querem estes meus frades?» 6 Logo Fr. Elias se explicou: «Estes frades são ministros que, ao ouvirem dizer que tencionas fazer nova Regra e receosos de que a faças ainda mais apertada do que as anteriores, dizem e protestam que não se querem obrigar a ela e que a faças para ti e não para eles».

7 Então S. Francisco voltou o rosto para o céu e falou assim com o Senhor: «Senhor, não te dizia eu que eles não me acreditariam?»

8 Naquele momento, todos ouviram a voz de Cristo, que lhes falava do céu: «Francisco, nada há na Regra que seja teu, mas tudo quanto nela se encontra a Mim pertence; quero que esta Regra seja observada à letra, à letra, à letra, sem glosa, sem glosa, sem glosa». 9 E acrescentou: «Eu sei de quanto é capaz a fragilidade humana e sei também quanto posso ajudar-vos. Aqueles que não quiserem observar a Regra saiam da Ordem». 10 Então S. Francisco voltou-se para os ministros e disse-lhes: «Ouvistes? Ouvistes? Ou quereis que vo-lo faça repetir?» Os ministros, reconhecendo a sua culpa, retiraram-se confusos e temerosos.

Reflexão

O primeiro capítulo do Espelho da Perfeição recebe como título: “S. Francisco respondeu a alguns ministros que não queriam observar a Regra que ele andava a escrever”. Esse é o sinal de que algo ia errado na Ordem. Mas o que isso tem a ver com nossa vida Franciscana Secular?

Segundo esta Legenda, alguns ministros foram até Fr. Elias. Estes queriam saber se Francisco estava a escrever outra regra e, caso fosse verdade, queriam que fosse exclusivamente seguida por ele próprio. Não aceitavam a imposição de um novo documento com uma rigidez acima do que se propunham a seguir. Este contexto demonstra que o grupo estava com problemas. Em quantas de nossas fraternidades, em todos os níveis, não acontecem estes enfrentamentos? E em nossas famílias ou no trabalho? Lembremos que o debate e as discussões fazem parte do nosso viver.

Elias aceitou o pedido e foi até o Poverello. Chegando lá sabatinaram o fundador. Na conversa esclareceram que não queriam uma regra mais rígida do que a que tinham. O texto demonstra que os irmãos buscavam um distanciamento da essência do movimento. Viver a rigidez da pobreza e da humildade não é mais válido. Talvez seja visto como algo piegas e sem sentido.

O texto então leva o debate para o sobrenatural. O diálogo passa a ter outro participante. A legitimidade do que Francisco fazia é transferida para a intervenção divina. Francisco pergunta então: “Senhor, não te dizia eu que eles não me acreditam?” Cristo interpela a todos e afirma que a Regra é dele, que ele conhece a fragilidade humana e sabe até onde pode ir, convidando aos insatisfeitos a retirarem-se da Ordem.

Não estamos aqui para discutir a credibilidade dessas palavras. O que precisamos observar é que, em nome de seus desejos, os frades buscavam modificar o ideário do próprio fundador. A rigidez da proposta de Francisco passou a ser questionada.
Será que questionamos nosso modo de viver também em nossas fraternidades da OFS? Será que também relutamos em seguir o previsto em nossa Regra?

O Evangelho é fundamental em nossa vida de franciscanas e franciscanos seculares. É a partir dele que escutamos o Cristo? Francisco sabe disso e nos propõe a adoção dele como parte de nossa vida. Diante disso, outro problema é a adaptação do Evangelho a nossa vida e não o contrário. A tendência é querermos que os princípios que deveriam nortear nossas vidas tornem-se muletas. Na verdade, eles devem ser trilhas, ou seja, caminhos que façam nos levar até a perfeição evangélica.

Não podemos questionar as bases do que temos que viver. Trombar com aquilo que deve ser o maior tesouro em nosso carisma é um erro. Isto é impróprio, pois somos aqueles que devem tornar presente o carisma do nosso Pai Seráfico na vida e na missão da Igreja.

Se um irmão ou irmã busca nos mostrar que não estamos seguindo a trilha do carisma, não podemos vê-los como pessoas inconvenientes. Precisamos abraçar nossa Regra e nosso convívio fraterno. Dialogar e buscar escutar o que o Senhor nos fala através do irmão. A retórica do texto mostra isso.

Temos que entender que inclusive nossas escolhas são baseadas também nos contextos em que vivemos. Nem sempre poderemos viver de forma mais abrangente o que acreditamos. Mas, nosso esforço deve ser para isso. Se os Conselhos e Ministros tentarem nos iluminar o caminho através de nosso carisma, não podemos questionar com o intuito de tornar a trilha mais agradável.

Diferente dos frades que foram interpelar ao Poverello, temos que agir a partir da afirmação feita por Michel Hubaut sobre o leigo franciscano. Para ele este é o que sente o “apelo de seguir a Cristo, à maneira de Francisco de Assis, pois descobre uma cumplicidade espiritual com as intuições de Francisco”.

É isso que o texto tenta mostrar. Francisco faz o que Cristo quer. Quando propõe, não é uma proposição sua e sim do Senhor. Ao lermos e buscarmos seguir a vida franciscana, a partir da Regra e do Evangelho, nossos olhos precisam ver que é próprio Filho de Deus que constrói as trilhas que devemos seguir.

Será duro, mas doce!

Questionamentos

Como estamos vivendo a radicalidade de nossa Regra?

Será que preferimos viver uma Regra nossa e não a da Ordem?

Os frades criaram conflitos diante da radicalidade do projeto. Mas e nós, como devemos vivenciar o que os exige nossa profissão?

Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado
Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Nilópolis (RJ)

Fonte: OFS do Brasil

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