Entrevista: Fraternidade e Fome, com Frei José Francisco, OFM

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FREI JOSÉ FRANCISCO, OFM

Natural de Cachoeira de Minas – MG, possui graduação
em Filosofia e Teologia e está como Diretor-Presidente da
Ação Social Franciscana – SEFRAS.

 

 1. A Ação Social Franciscana (SEFRAS) foi constituída em 2009. Quais foram as aspirações iniciais no surgimento da organização? E hoje, o que mudou neste sentido?

A questão social sempre foi uma pauta relevante para os franciscanos e a SEFRAS, surge no ano 2000, como uma organização dos trabalhos sociais realizados pelos frades menores da Província da Imaculada Conceição do Brasil. Em 2010 foi estabelecido uma nova personalidade jurídica para gerir todo o trabalho social realizado pela Província. Naturalmente, ao longo dos anos, foram surgindo demandas, desde constituir a parte de gestão, planejamentos estratégicos e a estruturação do trabalho socioeducativo implementado ao longo do processo.

Em 2019 a SEFRAS, começou a refletir sobre qual método de trabalho lhe daria característica franciscana, foi aí que surgiu a ideia de que três verbos expressariam o modo franciscano do trabalho realizado pela SEFRAS: Acolher, Cuidar e Defender.

Hoje a SEFRAS atua no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, desenvolvendo seu trabalho com diferentes públicos: crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, idosos, migrantes e refugiados e pessoas acometidas pela hanseníase. No total são 16 casas de atendimento ao público, além de um trabalho de articulação de Advocacy para atender a reinvindicação de debate social e implementação de políticas públicas que assegurem os direitos dos mais vulneráveis.

2. A Campanha da Fraternidade 2023 busca discutir a temática “Fraternidade e Fome”. Quais valores da vida de Francisco e Clara e da sua formação poderiam ser expressas no sentido de motivar à JUFRA, OFS e Vida Religiosa Consagrada da Família Franciscana?

A questão da fome sempre foi tema sensível para nós franciscanos. Com a emergência da pandemia, ela avultou bastante e começamos a desenvolver atividades para ajudar as pessoas que recorriam aos nossos serviços em busca de um prato de comida. Inicialmente nos anos 2020, 2021 e 2022 tivemos um grande número de mobilização de voluntários e doadores, ajudando na distribuição de alimentos. Durante a pandemia foram distribuídas mais de três milhões de refeições, o que levou-nos a entender como é trabalhar com a fome, qual o significado da fome dentro do nosso trabalho e a problemática social na realidade em que vivemos. Penso que para toda família franciscana a Campanha da Fraternidade é algo que nos toca de forma muito particular, pois a centralidade da mesa em que se partilha a refeição que nutre a nossa vida em todos os seus aspectos, deve ser o espaço da construção da fraternidade, e a família franciscana tem esse elemento forte que vem do carisma e isso deve provocar em nós abertura para responder às diversas realidades nas quais estamos inseridos.

3. Devido à sua expansão, a SEFRAS possui várias frentes de atuação de combate à fome. Quais são as formas de contribuir com o projeto, de Norte a Sul do Brasil?

Faço dois apelos, o primeiro é para ajudar a SEFRAS a difundir e debater os temas da Revista Casa Comum. Isso é importantíssimo, pois estaremos ajudando as comunidades de Norte a Sul do Brasil a se debruçarem sobre os temas que são relevantes para o nosso tempo.

E, o segundo apelo seria ajudar com doações, tanto material quanto financeira, pois todas as ações que realizamos necessitam de recursos para investir. Sendo assim, pessoas ou grupos que se sentirem tocados com o trabalho desenvolvido pela SEFRAS, que puderem e quiserem ajudar, a ajuda será muito bem vinda. Para isso, basta entrar em contato conosco através do nosso site www.sefras.org.br, lá estão indicadas as diversas formas de contribuir com a SEFRAS. Através da colaboração e contribuição poderemos continuar levando adiante a missão de traduzir os valores e a espiritualidade franciscana através do gesto concreto de ajuda aos nossos irmãos e irmãs mais necessitados de nosso tempo.

4. Em 2022 houve o lançamento da revista Casa Comum. Quais as perspectivas, objetivos e público-alvo da revista? Como pode ser adquirida e utilizada por quem nos lê?

O objetivo da Revista Casa Comum é ser uma plataforma de multi comunicação, através do meio virtual e impresso. Ela foi pensada para construir e elaborar conteúdos relacionados aos direitos humanos e, também, aos direitos da natureza. O conceito da revista foi pensado a partir da Laudato Si’, que conduz-nos a refletir que fazemos parte não de um planeta, mas sim de uma “casa” onde todos os seres, sejam eles humanos ou não, compõem uma grande família, uma grande comunidade. Então, a revista leva esse nome a partir da perspectiva da Laudato Si’, onde o Papa convoca a sociedade a pensar numa nova forma de se relacionar, de agir e de construir o mundo como uma verdadeira casa para todos.

E este ano temos uma novidade que é a “Trilha de Saberes”, um roteiro formativo que utiliza os conteúdos de cada revista para servir como um guia para a formação de grupos de estudo, rodas de conversa e debates. São três passos para seguir essa trilha que colabora cada vez mais na formação dos direitos humanos e da natureza para os diversos públicos, em especial para a família franciscana. Para ter acesso ao conteúdo da revista, basta acessar o site revistacasacomum.com.br.

5. Com o serviço do Papa Francisco temos sentido alguns avanços formativos e revigoramento de algumas missões enquanto família franciscana. Em outra perspectiva, a conjunção de realidades sociais e políticas tem, por exemplo, levado ao número crescente de pessoas em situação de rua no país. Como você vê esse momento?

O Papa Francisco talvez seja a maior liderança que nós franciscanos temos hoje, pois ajuda-nos a traduzir os elementos da experiência que Francisco de Assis fez há 800 anos, para a realidade de hoje. Ele é para nós um grande profeta da espiritualidade franciscana. Com relação às realidades sociais que são muito bem traduzidas por ele, hoje vivemos uma realidade mundial de uma economia que é a expressão da morte. As pessoas que pertencem aos públicos que atendemos são vítimas desse sistema econômico que representa a morte, o massacre, a violência e a exclusão. Temos uma juventude que não tem acesso à educação adequada, idosos que são praticamente descartados e não tem nenhuma política de proteção ao envelhecimento saudável. Temos também um número assustador de pessoas sem habitação, que estão jogadas em nossas calçadas, essas são algumas expressões que mostram a realidade do mundo em que vivemos. Existe ainda a concentração da riqueza e bens materiais nas mãos de poucos, privando a grande maioria de ter acesso ao que é digno para sobreviver. É uma grande luta que temos que enfrentar.

6. A SEFRAS tem fome? Fome de que?

Nós não temos fome só de pão, nós temos fome de todos os direitos que garantem dignidade, moradia, emprego, cultura, acesso à Palavra de Deus e ao alimento espiritual. Todos os dias trabalhadores e voluntários da SEFRAS servem uma mesa para que todas as pessoas que nos procuram possam saciar a fome em todas essas dimensões.

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