Migrantes e Refugiados: uma análise reflexiva do dever de hospitalidade e do papel da Juventude Franciscana

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No último dia 20 de Junho, solenizamos o Dia Mundial do Refugiado, um crescente drama histórico e mundial que nos convida a uma reflexão a partir do olhar franciscano acerca do nosso engajamento sócio-político.

Sabemos que a migração pode ser voluntária ou forçada. Antes de tudo, precisamos diferenciar três termos básicos dessa crise: emigrante, imigrante e refugiado. Quando uma pessoa deixa sua terra de origem por decisão própria é considerada Emigrante de sua região de origem e Imigrante na região que o acolhe. Por outro lado, quando uma pessoa é forçada a deixar seu país por causa de um conflito armado ou perseguição, ela é considerada Refugiada. Nos três casos, chamamos essa movimentação de migração.

Dados atualizados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados* nos apresentam que mais de 300 milhões de pessoas são migrantes e vivem fora do seu país de origem. Somente em 2018, o número de Migrantes é de 70,8 milhões de pessoas; desses, mais de 25 milhões são refugiados e 12 milhões são menores de 18 anos. A cada minuto, 25 pessoas são forçadas a deixar suas casas. E ainda existe o montante de 3,5 milhões de pessoas que aguardam uma decisão sobre suas solicitações de refúgio. São, portanto, dados aterrorizantes.

Muitos de nós nos questionamos sobre as causas deste surto de migração, do qual são alguns fatores: guerra e conflitos de longa duração, especialmente políticos e religiosos; privações econômicas; desastres naturais e degradação ambiental; perseguição de cunho trabalhista ou moral; dentre outros.

Nosso país abriga 1,1 milhão de imigrantes e refugiados de mais de 85 nacionalidades diferentes. Os venezuelanos são os irmãos que mais nos chamam a atenção ultimamente, isso devido à crise econômica e política que atravessa aquele país. Segundo o IBGE, cerda de 40 mil venezuelanos vivem no Brasil e nem sempre sua permanência é pacifica – lembremos de um venezuelano que foi morto a pauladas sob acusação de roubo, em setembro/18, na cidade de Boa Vista/RR.

Por tudo isso, em fraternidade, precisamos fazer o exercício de compreendermos a fundo qual nosso papel diante dessa crise humanitária que envolve o massacre das classes menos favorecidas pelo sistema e o abuso do poderio em detrimento de um povo que sofre e busca o apelo à justiça e misericórdia.

Hospitalidade aos refugiados no contexto Bíblico do Antigo Testamento

O Antigo Testamento nos traz uma Teologia da Migração baseada na misericórdia e acolhida pacífica pelo que vem de longe. Não há como negarmos que é muito mais fácil ter hospitalidade com a família e amigos do que com estranhos, no entanto, desde as escrituras mais antigas somos incentivados a colocá-la em prática.

O nome hospitalidade em grego “philoxenia” é traduzido como: philos, que é “amar alguém como a um amigo ou irmão”, e xenos, que significa estranho ou imigrante. Temos aqui visivelmente um chamado extensivo sobre o amor ao próximo como a si mesmo, mandamento fundamental da vida cristã que junto ao mandato do amor a Deus, resume todos os mandamentos da Lei de Deus (cf. Lc 10,27).

Em diversas passagens a Bíblia nos convida a caridade e hospitalidade ao estranho residente ou viajante. Receber o estrangeiro é um dos mandamentos mais repetidos nas Escrituras hebraicas. A hospitalidade não está somente em abrir as portas do país, tampouco em doar roupas e alimentos, mas, sim, em se deixar colaborar na busca pela cidadania e direitos daqueles que, por hora, não possuem nada.

Ao longo das escrituras vamos concluindo que Deus tomou um cuidado especial pelos estrangeiros, preservando o direito ao seu amor e preocupação, garantirmos esse cuidado hoje é uma questão de justiça. Migrantes são pessoas em transição, pessoas que estão em movimento e vivenciando a perda das raízes: são sem-teto de um modo novo e numa escala imensa. De formas significativas nossas Igrejas foram revitalizadas a partir desses contextos.

Ainda, se partirmos do ponto de vista que todos somos estrangeiros, alcançamos um aspecto celestial da nossa existência que é passageira aqui na Terra, onde nosso verdadeiro lar é o Reino dos céus. Desde Abraão à Igreja global, a metáfora do estrangeiro está fortemente aprofundada na nossa história e teologia, e, portanto, na nossa identidade. Essa perspectiva humaniza os refugiados, deixando-os de se tornarem apenas estatísticas. São nossos irmãos oprimidos, esquecidos e invisíveis. Nós, franciscanos, temos um papel vital em garantir que as necessidades de nossos irmãos migrantes sejam vistas. Acolhe-los não é uma política a ser adotada, mas um verdadeiro mandamento que não pode ser traído.

São algumas outras passagens para reflexão: Ef. 2, 14.19; Lev. 19,34 Deut. 23,16-17; Deut. 26,12; Deut. 27,19; Núm.15,15-16; Atos 7,6; 1Crôn. 29,15; Heb.11,1; Fil. 3,20, etc.

Novo Testamento: Jesus, o que se faz migrante

Antes de Cristo, as nações estavam separadas de Cristo (Ef. 2.12), mas depois Deus adotou-nos na sua família através de Jesus Cristo, e já não somos estrangeiros nem visitantes (Efésios 2, 14.19).

O Novo Testamento nos traz uma Teologia da Migração baseada na busca pela hospitalidade do Filho de Deus. O próprio Jesus se apresenta como um migrante. Como sabemos, Jesus, José e Maria tiveram diversas experiências cruéis de migração forçada e de falta de hospitalidade. A começar pela fuga até o Egito. Aqui já temos nossa primeira reflexão: Se o Egito tivesse barrado a entrada de José e Maria, possivelmente Jesus estaria morto. Não cabe a nós buscarmos sermos cristãos melhores, e ao mesmo tempo, ir de encontro com o chamado de abraçar o estrangeiro.

Outro ponto importante é o local de nascimento de Jesus: uma manjedoura improvisada dentro de um celeiro, isso “porque não havia lugar para eles na hospedaria (Lucas, 2)”. Por vezes esquecemos, mas o Natal de Cristo é também uma grande metáfora da hospitalidade. Nos traz a claridade de um Deus que decide estar próximo de nós todos, a partir de uma realidade concreta se faz Filho, tornando-se um de nós e tem de ser acolhido. Mas, ele também é rejeitado, não tem lugar sequer para nascer, os pais tiveram que fugir para que a segurança lhe fosse uma opção.

Jesus, minhas irmãs e meus irmãos, nasce desprovido, pobre, humilde, completamente vulnerável. Nasceu de uma família que fugiu de um governo tirânico e se escondeu durante muito tempo para se manterem vivos. Teve seu reconhecimento apenas por parte daqueles que possuíram uma sensibilidade mística para valorizarem e estarem atentos às pequenas coisas. Testemunha-nos uma vida de migração e peregrinação e nos convida, a partir de seus encontros, a sermos uma Igreja do encontro aos migrantes (Evangelho de Marcos 7,24-30 – o encontro de Jesus com uma síria refugiada).

O dever de hospitalidade da Juventude Franciscana

É firme a convicção de que acolher o migrante é acolher Deus, isso porque nos pomos como irmãos que optam pelo sentimento de identificação e acolhida em relação ao sofrimento do outro.

Para fazermos isso, precisamos permitir a desconstrução da nossa imaginação de quem é o estrangeiro. A nossa ideia dos refugiados afeta bastante a nossa atitude para com eles. Há uma mídia negativa e desleal sobre o impacto dos migrantes em nosso país, isso porque o interesse dos maus governantes é o progresso a todo custo e a concentração do poder em detrimento das classes mais oprimidas. Embora a visibilidade do drama seja maior hoje, a questão é antiga.

Deus nos chama para adotarmos um jeito hospitaleiro e compassivo de ser. Não se trata apenas de dar um socorro, mas de adotar um estilo de vida coerente com o caráter de Deus. Ser agente de transformação nessa realidade requer muito de nós, consiste em ter uma experiência de transcendência. É estar preparado para ir ao encontro do outro com amor (hospitalidade) e ter a possibilidade de encontrar o oposto (hostilidade).

Na vida de Cristo podemos observar essas duas reações caminharem juntas. Tem-se um exemplo: José e Maria aceitarem a chegada de Jesus conforme os designíos de Deus (hospitalidade). Alguns moradores de Belém não tinham lugar para a Sagrada Família (hostilidade).

Quando conseguimos amadurecer nossa ideia sobre os refugiados, a partir do aspecto da alteridade, que Francisco de Assis muito nos fala, percebemos que o que nos afasta da realidade deles é o patriotismo, as questões morais e políticas, o medo, as fake news e o comodismo. Em nossa realidade espiritual, como juventude, precisamos nos desafiar a vermos o migrante não como um divergente, mas como um semelhante, atributo valioso para nossas fraternidades.

Na biografia missionária, muitas vezes o cristianismo floresceu no contexto da migração precisamente por causa dessas duas condições enfrentadas na experiência do migrante. Um exemplo contextual é o encontro de Francisco e o Sultão. Ambos estrangeiros aos olhos do outro, ambos de fé, culturas e realidades sócio-políticas diferentes; ainda assim, isso não foi impedimento para que a hospitalidade estivesse presente em ambos – naquele que migrou ao desconhecido e naquele que lá já habitava.

Portanto, exortemo-nos diante de comportamentos de exclusão, “aceitem-se uns aos outros, da mesma forma como Cristo os aceitou, a fim de que vocês glorifiquem a Deus” (Rm 15,7). Essa aceitação mútua está presente na vida de Cristo e de Francisco inteiramente e devemos praticar dentro e fora de nossas fraternidades.

Como franciscanas e franciscanos, carecemos buscar replicar atitudes de acolhida e empatia aos problemas causados pela crise das migrações; evitar deixar se levar nas conclusões patrióticas e capitalistas, mobilizarmo-nos para que esses refugiados recebam recursos de sobrevivência, e se possível, recomecem suas vidas, reconstruam suas histórias, recuperem suas identidades.

O tempo todo estão chegando refugiados no Brasil, e, nós, como igreja, podemos acolhê-los. Não há dúvidas de que acolher um refugiado exige de nós mais do que boa vontade. Precisamos reorganizar nossa rotina, abrir mão de algumas coisas, envolve gastos financeiros, divergências culturais. Mas o desafio está em percebermos que vivemos num país em que o déficit habitacional é grande e a desigualdade social absurda, cabendo a nós fazermos mais que nossa parte, não deixarmos nos acomodar pela forma negativa como o outro age, dar vazão à voz daqueles milhares que estão invisíveis e que, quando enxergados, sofrem preconceito, agressão, opressão e medo.

Por fim, busquemos com alegria e esperança “declaramos nosso propósito de construir a unidade e de combater, em nós mesmos e no mundo todo o individualismo e fechamento em si com o objetivo de fazer acontecer a fraternidade universal, tomando parte com todos os irmãos na construção da civilização do amor. (Manifesto da Juventude Franciscana)”.
*Dados estatísticos: site do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e IBGE

Texto por: Jéssica Lima, OFS/JUFRA – Assessora Jurídica da JUFRA do Brasil (2013-2022), ativista nos Direitos das mulheres, das pessoas em situação de rua e dos animais.

 

Proposta de Encontro

Objetivo: Entender a crise de migrações e enfatizar a importância do nosso engajamento sócio-político para o crescimento de uma sociedade mais justa e fraterna.

Materiais: Bíblia, fotos de famílias felizes e famílias tristes, a imagem da sagrada família na manjedoura, mapa mundo, etc.

Ambiente: Procurar preparar um ambiente harmonioso, onde todos estejam em círculo, montando no meio o altar com os materiais acima. Distribuir no início do encontro algumas frases dos trechos bíblicos referenciados no texto aos irmãos participantes, enquanto toca o mantra: “Onde Reina O amor, fraterno amor. Onde reina o Amor. Deus aí está!”.

Acolhida: Cantar uma música de acolhida: “Oi, que prazer, que alegria O nosso encontro de irmãos! (bis). 1. É óleo que nos consagra, que ungiu teu servo Aarão. É como um banho perfumado, gostosa é nossa união! 2. Orvalho de alta montanha que desce sobre Sião. Sereno da madrugada gostosa é nossa união! 3. Senhor, tu nos abençoas, e a vida vem de porção. vida que dura sempre, gostosa é nossa união! 4. Ao Deus de todas as crenças a glória e a louvação. No amor da Santa Trindade, gostosa é nossa união!”
Em seguida a/o responsável pelo encontro aborda o tema proposto, buscando questionar os irmãos sobre o assunto.

Iluminar: Efésios 2, 14.19, Rm 15,7, Marcos 7, 24-30

Canto:
Doce é sentir
Em meu coração
Humildemente
Vai nascendo amor

Doce é saber
Não estou sozinho
Sou uma parte
De uma imensa vida

Que generosa
Reluz em torno a mim
Imenso dom
Do teu amor sem fim

O céu nos deste
E as estrelas claras
Nosso irmão sol
Nossa irmã lua

Nossa mãe terra
Com frutos, campos, flores
O fogo e o vento
O ar, a água pura

Fonte de vida
De tua criatura

Que generosa
Reluz em torno a mim
Imenso dom
Do teu amor sem fim

Evangelho: A/o responsável pelo encontro faz a leitura do Evangelho de Marcos 7, 24-30 (o encontro de Jesus com uma síria refugiada) e convida as irmãs e os irmãos a fazerem uma breve reflexão da passagem voltada ao respeito e comunhão com os refugiados.

Agir: A/o responsável pelo encontro divide as irmãs e irmãos formando grupos de 3 (três) pessoas. Cada grupo ficará com o desafio de organizar um projeto com 3 (três) soluções práticas para diminuir os problemas da crise dos migrantes. Cada solução deve ser praticada por um executor diferente. Ou seja, uma solução que a sociedade deveria praticar, outra que a Igreja e outra que o Governo.

Cada grupo deverá ter um nome e dar um nome ao seu projeto. Por fim, cada grupo deverá apresentar Suas conclusões. Em seguida, a/o responsável deverá levar as irmãs e os irmãos a refletirem sobre a figura do refugiado, seus problemas e como nós podemos colaborar com soluções simples e criativas. Como franciscanas e franciscanos, devemos buscar replicar atitudes de acolhida e empatia aos problemas causados pela crise das migrações; evitar deixar se levar nas conclusões patrióticas e capitalistas, mobilizarmo-nos para que esses refugiados recebam recursos de sobrevivência, e se possível, recomecem suas vidas, reconstruam suas histórias, recuperem suas identidades.

Oração final:

Um certo Galileu – Padre Zezinho

Um certo dia, a beira mar
Apareceu um jovem Galileu
Ninguém podia imaginar
Que alguém pudesse amar do jeito que ele amava
Seu jeito simples de conversar
Tocava o coração de quem o escutava
E seu nome era Jesus de Nazaré
Sua fama se espalhou e todos vinham ver
O fenômeno do jovem pregador
Que tinha tanto amor
Naquelas praias, naquele mar
Naquele rio, em casa de Zaqueu
Naquela estrada, naquele sol
E o povo a escutar histórias tão bonitas
Seu jeito amigo de se expressar
Enchia o coração de paz tão infinita
Em plena rua, naquele chão
Naquele poço e em casa de Simão
Naquela relva, no entardecer
O mundo viu nascer a paz de uma esperança
Seu jeito puro de perdoar
Fazia o coração voltar a ser criança
Um certo dia, ao tribunal
Alguém levou o jovem Galileu
Ninguém sabia qual foi o mal
E o crime que ele fez; quais foram seus pecados
Seu jeito honesto de denunciar
Mexeu na posição de alguns privilegiados
E mataram a Jesus de Nazaré
E no meio de ladrões puseram sua cruz
Mas o mundo ainda tem medo de Jesus
Que tinha tanto amor

Por fim reza-se a oração que Jesus nos ensinou.

Fonte: Blog de Formação – Secretaria Nacional de Formação da JUFRA do Brasil

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